sábado, outubro 06, 2007
Final Countdown (2)
O João Miranda do Basfémias faz as melhores análises da blogoesfera. As suas análises são frias e impessoais, mas com um fino sentido de ironia. Não comete o pecado de endeusar a Razão, apontando-lhe frequentemente as limitações.
Pedro Arroja, agora no Portugal Contemporâneo, é alguém que procura a verdade há muito tempo. Introduziu na blogoesfera uma dimensão realmente filosófica no sentido mais puro do termo. O seu sentido provocador é único, sendo considerado um herege mesmo entre os que dizem combater o politicamente correcto. Quem não o acompanhar perde quase todas as discussões fundamentais que se passam na blogoesfera, algumas nas caixas de comentários dos seus posts onde se destaca a zazie.
Também no Portugal Contemporâneo temos o Rui de Albuquerque, com um conhecimento e rectidão invulgares entres os intelectuais lusos. Alguns dos melhores posts na blogoesfera foram de sua autoria.
O Bruno Alves no Desesperada Esperança é, apesar da sua reduzida idade, um dos melhores bloggers desde país. Estando em cima dos acontecimentos políticos relevantes, mantêm sempre uma frieza britânica e um sentido fatalista da vida. Ler o Bruno sobre um determinado assunto é sempre ir encontrar algo que ainda ninguém tinha pensado.
Miguel Castelo Branco escreve o Combustões. Na realidade nem sei como o classificar este blog mas de cada vez que lá vou fico sempre com a maravilhosa sensação que sou ignorante em tanta coisa.
O dragão, no Dragoscópio, mostra que ainda há vida pensante e sentido de desvario neste país.
Finalmente, uma referência especial ao pessoal d’O Insurgente, um dos maiores e mais valiosos colectivos da blogoesfera. Desde o primeiro momento foi e continuará a ser uma das minhas primeiras leituras diárias. Se essa coisa do serviço público não fosse uma treta, diria que eles seriam o melhor exemplo. Não posso também deixar de agradecer as referências que fizeram a este blog.
Final Countdown (1)
Guerra cultural (13)
Movimentos como o Compromisso Portugal são compostos por pessoas dinâmicas, bem relacionadas, influentes, respeitadas. Fazem diagnósticos acertados e apresentam soluções teoricamente acertadas. Contudo, creio que este tipo de iniciativas sofre de um forte problema de enquadramento. Partem do princípio que combatem apenas determinadas ideias e práticas que se enraizaram na sociedade e resta apenas insistir num novo paradigma até que a razão lhes seja reconhecida. Contudo, o verdadeiro combate a fazer é contra toda uma cultura revolucionária que neste momento atingiu o seu ponto de maior sucesso. Ao contrário do que pensam estas pessoas, não estão a combater os restos do socialismo que já deu provas de inoperacionalidade e a muito custo se mantém à tona de água.
Pior que isso, podem estar a combater parte de si mesmos sem se aperceberem. Porque é bem possível que façam parte desta vertigem da modernidade obcecada pela novidade e sempre pronta a abdicar do passado. O perigo é não conseguir distinguir o que é a melhoria constante da destruição das estruturas que suportam a civilização. É notória uma certa ingenuidade de certas pessoas que pedem medidas liberais mas, como que envergonhadas, acham que têm de compensar isto com um atestado de modernidade. E assim, por suprema ironia, mostram simpatia por todo o tipo de iniciativas revolucionárias com trajes modernos, sendo coniventes com a destruição deliberada da família, do indivíduo e da religiosidade.
Guerra cultural (12)
No outro lado da trincheira estão aqueles que procuram a verdade sobre o mundo em que vivem. Esta busca é sempre individual em sentido último, não podendo ser dissociada do conhecimento de si mesmo. Existe uma diferença abismal entre o conhecimento obtido para resolver um problema específico e aquele em busca da verdade. O primeiro é utilitarista, uma técnica que se domina sem ser necessário compreender os fundamentos. Todos nós precisamos de inúmeros conhecimentos deste tipo para podermos viver em sociedade. Falar, escrever, álgebra, comer com talheres, conduzir, saber fazer amor com uma bela mulher. De todas as pessoas que conduzem um automóvel apenas uma ínfima fracção sabe exactamente o que faz a embraiagem ou tem noção dos princípios do motor de explosão. E não é por alguém saber tudo sobre mecânica de automóveis que fica mais capacitado para a condução. Outro tipo de conhecimentos deste género resulta do acumular de saberes ao longo de muitas gerações, pelo que as fundações se perderam no tempo. Pensemos, por exemplo, nas receitas de culinária.
Guerra cultural (11)
Dentro de um movimento revolucionário a ruptura ocorre quando se atinge o poder. Caso não exista uma liderança forte, muito cedo vai se tornar óbvio que não existia um projecto único mas uma miríade de projectos individuais com agendas quase sempre contraditórias, até aí escondidas pela retórica vazia dos slogans da revolução. Torna-se inevitável a guerra interna, mais sangrenta que a que ocorreria com os inimigos de sempre porque agora é contra supostos traidores.
Com um líder forte é possível ir mantendo a ilusão de existir um projecto comum. Mas aí terá de se lidar com o facto desse projecto não estar a conduzir aos resultados esperados. Nessa altura começam as purgas, as acusações de sabotagem e de desvios de esquerda e de direita. Em pouco tempo resta apenas um regime de terror e o discurso revolucionário irá apenas ecoar junto aos partidários da Revolução que estão seguros no exterior e não passaram por ela.
sexta-feira, setembro 28, 2007
Guerra cultural (10)
Como foi dito no post anterior, é necessária uma profunda motivação para fazer guerra cultural, já tendo sido vista de onde ela vem para o lado revolucionário. Mas para o lado oposto é difícil encontrar os motivos, só estando a ver dois. O mais óbvio é o masoquismo. Num repente, quem envereda pela oposição ao movimento revolucionário estará a defender posições com as quais ninguém concorda e a maior parte nem irá entender minimamente. Não nos irão acusar apenas de termos ideias estranhas mas, como afrontamos o paradigma dominante, vamos ser olhados com apreensão e repulsa. Não irá demorar até nos imputarem más intenções e tentar manchar a nossa reputação. Alguns “amigos” irão afastar-se e a situação profissional poderá ficar complicada.
A outra motivação para enveredar pelo lado fraco da trincheira é o profundo amor pela verdade. Apenas alguns homens são naturalmente bafejados por essa maldição. Uma sociedade só poderá respeitar a verdade se tiver uma vivência intensamente religiosa, onde cada homem se sente vigiado mas também apoiado pela transcendência. Quem procura a verdade ficará condenado à solidão. Parece paradoxal que a mentalidade revolucionária consiga formar movimentos de grupo apesar de se basear em sonhos irrealistas, não existindo dois iguais, ao passo que a busca da verdade, apesar da sua universalidade e objectividade, leve à solidão.
sexta-feira, setembro 21, 2007
Guerra cultural (9)
É necessária uma profunda motivação para fazer guerra cultural, superior até à requerida para a guerra convencional. Não é complicado perceber as motivações do lado revolucionário. Para os revolucionários genuínos, que são relativamente poucos, é a própria mentalidade da revolução, do acreditar num devir histórico inevitável que tem o divino implícito, que lhes dá uma prodigiosa energia e sentido da vida. Para estes a guerra cultural é uma actividade permanente, uma filosofia de vida. Aproveitam todas as facilidades que as sociedades ocidentais conferem, a liberdade de expressão à cabeça, para se implantarem nas universidades, nos meios de comunicação social e instituições culturais.
Depois de obter alguma influência mínima vem a fase da conquista da hegemonia. A liberdade de expressão, que tinha sido uma ferramenta útil na obtenção do poder, vai agora ser negada aos opositores ideológicos e mesmo a cépticos. Há várias formas de o fazer, sendo uma delas impedir ou criar grandes dificuldades no acesso à profissão de não alinhados. Simples e eficaz. Para os incómodos que já se encontram em actividade há que lhes restringir cada vez mais o campo de actuação, ao microfone, à pena, ao púlpito e ao palco. O cúmulo do cinismo é vir depois acusar estes incómodos ostracizados de irrelevância porque ninguém os lê, os ouve, os cita. Para os incómodos mais resilientes, que não se querem conformar a este agrilhoamento, existem soluções mais agressivas, em especial o extermínio de carácter. Trata-se de um processo que, só por si, merecia um livro inteiro dedicado, recheado de exemplos que a História nos dá.
Ao fim de algumas décadas o processo revolucionário encontra-se num estado completamente diferente. Os revolucionários são também agora conservadores. Já quase não têm de defender as suas ideias uma vez que estas se encontram implícitas na totalidade do sistema de ensino, na actividade académica, no discurso jornalístico, na mensagem artística e no discurso político. O paradigma revolucionário tornou-se dominante, servindo de bitola para tudo o resto. É sentido como sendo a organização básica da realidade e a sua contestação é fortemente combatida de forma instintiva por quase todos. A contestação é sentida pela mentalidade revolucionária como um vírus que se tem de extirpar no imediato. Só assim se explica o paradoxo da liberdade de expressão ser apenas negada aos espíritos realmente livres, pois apenas estes combatem o cerne da mentalidade revolucionária.
sexta-feira, setembro 14, 2007
Guerra cultural (8)
A globalização é normalmente entendida de forma primária como um fenómeno essencialmente económico e de tentativa de hegemonia do modelo cultural ocidental, em especial a vertente americana. Quem nos diz isso são precisamente aqueles que representam o lado mais negro da globalização, isto é, progressistas de toda a ordem e terroristas. Perceber que a globalização é uma grande “oportunidade de negócio” para o terrorismo é elementar. Basta pensar nas sociedades abertas, nas facilidades de deslocação para qualquer parte do mundo em apenas algumas horas e no medo global que se pode criar através dos meios de comunicação social.
Em relação aos progressistas a coisa não é tão evidente, paradoxalmente também por a sua acção ser omnipresente. A maior parte dos projectos revolucionários sempre teve vocação internacionalista. As correntes marxistas sempre apostaram na expansão da revolução, é certo que através de estratégias diferentes, mas sempre com o objectivo de realizar o império ideológico. Antes da queda do muro de Berlim, metade do mundo tinha regimes socialistas e a restante era composta por países cujas elites eram na sua quase totalidade progressistas (marxistas-leninistas, estalinistas, maoistas, trotskistas, etc.)
Quando o muro desabou foi como um dique que rebentou e trouxe, do outro lado da cortina e ferro, uma corrente que por momentos parecia levar algum realismo às elites ocidentais. Caindo o descrédito sobre o socialismo real, vaticinou-se o fim da história sem se perceber que a mentalidade revolucionária continuava intacta, precisando apenas de fazer uma travessia no deserto para se voltar a encontrar a si mesma. Este retiro espiritual serviu para reconhecer os erros do passado. O capitalismo era ainda o inimigo a derrotar mas não da forma brutal tentada no passado com a eliminação da propriedade privada sem ter o “homem novo” ainda preparado. O capitalismo teria agora de ser tratado como se trata uma mulher que não presta mas é gostosa. Primeiro a gente usa e só depois joga fora.
A vantagem desta estratégia era que todos podiam continuar a ter a mesma vida de sempre porque as mudanças iriam ser graduais e aparentemente espontâneas. A ideia em voga nos anos 90 do século passado da Aldeia Global colocava uma pressão de novos desígnios. Mas havia ainda que rever um erro do passado. As pessoas andavam um pouco desconfiadas de quem lhes prometia sistemas perfeitos, por isso optou-se pela estratégia do medo para criar um verdadeiro movimento planetário. Esse desígnio é encabeçado pela luta contra o aquecimento global. Este problema, se realmente existisse, só poderia ser combatido de forma concertada tendo o Protocolo de Quioto sido o primeiro passo nesse sentido.
sexta-feira, setembro 07, 2007
Guerra cultural (7)
A modernidade, tal como a tenho vindo a descrever, é talvez o mais ambicioso projecto da história da humanidade. A sua grandiosidade é de tal ordem que nunca poderia ser planeada na sua globalidade. É feita de ondas consecutivas e na crista de cada uma torna-se possível vislumbrar algumas das alterações futuras. Assim descrita, a modernidade mais não parece ser que o desenrolar normal das civilizações, que depende de tantas variáveis que nunca poderia ser nem previsível nem controlável, sob pena de graves distúrbios. Aquilo que distingue a modernidade é a negação do passado, trata-se de um projecto revolucionário que pretende construir toda uma sociedade de raiz.
A única premissa necessária para ser um agente desta modernidade é ter como princípio a negação da validade das soluções do passado. Aqui confluem todo o tipo de grupos e sensibilidade, por vezes antagónicas entre si. Marxistas, fascistas, ambientalistas, “orientalistas”, gayzistas, abortistas, feministas radicais, etc. Contudo, há um grupo que me parece ainda mais perverso: o dos ateístas. Não falo simplesmente dos que não acreditam em Deus (ateus) mas dos que acreditam piamente que Ele não existe e tudo criado com inspiração n’Ele é negativo. Ao tentarem retirar a presença de Deus do meio de nós, tolerando apenas de forma trocista o culto privado e envergonhado, os ateístas destroem os fundamentos da confiança que suportam toda a civilização. Torna-se óbvia a veia revolucionária dos ateístas se pensarmos que, em teoria, um ateu simplesmente não teria qualquer interesse na questão de Deus. Contudo, os ateístas demonstram um interesse desmedido pela negativa, procurando minar qualquer construção com base religiosa.
Os tempos modernos estão de feição para o anti-clericalismo. Fascistas já quase só existem na imaginação dos comunistas e estes são cada vez menos. A histeria ambientalista ainda deixa muita gente indiferente e as posições mais progressistas dos gayzistas ainda são uma curiosidade, apesar de em rápida progressão. Agora são poucos os que resistem em mostrar a sua ausência de medo do Deus cristão, arrogando-se de não precisarem d’Ele para nada, considerando os crentes gente fraca e de uma ignorância atroz, que se pudessem voltavam a reactivar a Santa Inquisição.
sexta-feira, agosto 31, 2007
Guerra cultural (6)
O AMBIENTALISMO COMO PRINCIPAL MOTOR DO TOTALITARISMO
Nos posts anteriores defendeu-se que a proposta da modernidade iria, por um lado, deixar o indivíduo sem capacidade introspectiva e, por outro, dissociado da própria família, neste caso em nome de uma família universal. Mas depois do indivíduo deixar de saber como se relacionar consigo próprio e com os que lhes estão mais próximos, coloca-se a questão de saber a posição a ter face ao meio ambiente. A visão mais extremista diz que o homem só entrará em harmonia com a Natureza quando deixar de fazer quase tudo o que hoje faz. Porque, vendo bem, quase toda a acção humana modifica o ambiente em redor. Desde a utilização de matérias-primas à poluição, o homem parece só estar cá para destruir tudo à sua volta e exaurir o planeta. Até as sociedades mais primitivas não são isentas de pecado. A agricultura modifica os ecossistemas, desvia os cursos de água e até a criação de gado contribui para o aquecimento global através da flatulência das mimosas.
Estas visões mais ou menos ingénuas provocam um desejo de voltar a uma maior pureza do passado, quando o homem consumia uma fracção ínfima do que hoje dispõe e se voltava para uma deusa Mãe e todos os seus valores telúricos. Para a maior parte das pessoas são apenas ideias fugazes, a que voltam de tempos a tempos como esboço de exercício de renascimento espiritual. Outros organizam movimentos mais complexos, pequenas seitas à volta de Gaia, apesar de não dispensarem certos confortos da vida moderna. Mas tudo isto são causas minoritárias que não alteram o curso da humanidade. E uma boa forma de colocar o colectivo em sentido é incutir-lhe medo. Nas últimas décadas foram vários os alertas sobre os grandes perigos para a humanidade para além dos grande conflitos, a sobrepopulação, o arrefecimento global, o buraco do ozono, o aquecimento global, agora cuidadosamente baptizado de “alterações climáticas”.
Os temores passados referidos nunca chegaram a “pegar de estaca” . Várias são as razões para a “consciência ambiental” ser hoje maior que nunca. Por um lado a menor presença do sagrado tradicional criou uma maior apetência para novas crenças. Temos também os deserdados do muro de Berlim e outros revolucionários que vêm no ambientalismo uma nova causa. E que causa! Uma ameaça a nível planetário, não a poluição de um rio qualquer ou a extinção de um bicharoco numa floresta que ninguém sabe onde fica. Voltamos a ter um excelente pretexto para refazer a sociedade de alto a baixo. A mensagem é cristalina, a actual configuração da sociedade conduzirá a um apocalipse num futuro distante mas previsível. Face a isto, só resta entregar as rédeas aos novos planeadores que evitarão a catástrofe.
quinta-feira, agosto 23, 2007
Guerra Cultural (5)
Pois bem, os cidadãos do mundo, que querem estar em harmonia com o meio ambiente, com as plantas e os animais, com todas as raças e credos (menos um…), têm alguma dificuldade em conceber essa coisa da família. É certo que alguns até dizem ter uma relação excepcional com os pais, consideram-nos amigos, nada aquela coisa antiga onde havia autoridade e castigos. Foram os pais que os levaram à discoteca pela primeira vez, que lhes falaram de sexo sem complexos. Se todos tivessem uma educação perfeita como esta só existiriam pessoas equilibradas e o mundo viveria em paz. Uma opinião que dizem ser abalizada por outros amigos de longa data, apesar de oficialmente desempenharem a função de psicólogos e psicanalistas.
Não é possível destruir por completo a consciência do indivíduo se não lhe afectarmos também as suas relações com o exterior, em especial com outros seres humanos. São raras as pessoas que conseguem ter uma mente ordenada se trabalharem num espaço caótico. Nunca encontram nada, não conseguem definir prioridades, não conseguem dar um rumo ao que fazem e por isso acabam por fazer tarefas insignificantes ou simplesmente a fazer parte dos planos de alguém. Em termos de consciência individual algo semelhante também ocorre. Se o indivíduo não reconhece qualquer noção de autoridade, se não tem ninguém a quem respeitar, se não distingue conhecidos, amigos, parentes e colegas, acaba por não ter qualquer exemplo ordenado no exterior que possa emular no seu anterior. Esta indiferenciação com que vê tudo à sua volta acaba por ser o espelho da sua alma, vazia, indecisa, sem luz, apesar do que possa aparentar.
O principal alvo, com o objectivo de destruir esta ordem exterior, é a família. A modernidade diz que já não há diferença entre pai e mãe, que aquilo que nos diziam ser natural eram apenas modelos impostos por culturas machistas e irracionais. De uma penada deita-se abaixo toda uma série de conhecimentos práticos acumulados durante milhares de anos, declarando que novos modelos têm a mesma validade, apesar de pouco ou nada experimentados. Mais do que pedir o benefício da dúvida, é exigido que se penalize abertamente a família tradicional, a começar pela eliminação de conceitos como pai e mãe.
Sobre a educação, recria-se o mito do bom selvagem ou, melhor, a noção platónica de que a alma renasce e não precisa aprender mas apenas recordar. Obviamente que os pedagogos modernos não têm a mesma sofisticação do sábio grego. Pensam que a chave de tudo é o estímulo da imaginação e inculcar uns quantos preceitos do totalitarismo correcto (conceito que substitui o politicamente correcto). Não é difícil prever que uma criança que cresce com pais que não querem desempenhar o seu papel irá sentir esta carência e tentará colmatá-la de alguma forma. Os desígnios da modernidade não deixarão isto a cuidado do acaso, como anteriormente. Candidatos naturais são os educadores profissionais. Pela vida fora o papel será desempenhado por burocratas especializados nessa função. Serão eles os únicos que darão alguma noção de ordem e autoridade.
sexta-feira, agosto 17, 2007
Guerra cultural (4)
Neste e nos posts seguintes serão abordadas algumas das características da modernidade. A consciência individual é algo que perderá o seu sentido. O indivíduo vai deixar de prestar contas a Deus porque a educação dominante será anticlerical. Também não prestará contas à verdade porque o relativismo dominante garante que tal coisa não existe. Existe ainda uma interpretação “liberal” da questão que garante que todos têm direito a que a realidade se adapte às suas opiniões.
Mas este elidir da consciência individual é complementado pelo trabalho dos burocratas, que a troco de concessões “insignificantes” da nossa liberdade, vão garantir que todos terão uma vida saudável e feliz. O exemplo mais patente está na proibição de fumar que vai progressivamente se estendendo a mais locais, já se falando nas próprias habitações particulares. Já motivo de discussão é o combate à obesidade, com programas forçados para os gordinhos. Alguém pode duvidar que é tudo com boas intenções? Depois de vencidas as resistências das forças reaccionárias e atávicas da sociedade não há virtualmente limites para a regulação da vida privada de cada um. Depois dos gordos serão naturalmente os magros os visados, ninguém vai deixar de ter o peso correcto. Mas importante não é só a quantidade do que se come mas também a qualidade, por isso serão elaboradas listas dos produtos permitidos na culinária e fortes recomendações de como devem ser confeccionados e em que quantidades terão de ser servidos.
Mas se a aparência é assim tão importante, porque não obrigar todos a tomar pelo menos um banho diário? E a vestir-se de acordo com os padrões estéticos da sociedade. Mas não só de aparências vive o ser humano, há que alimentar-lhe o espírito, obrigá-lo a ler determinados livros, a não deixar de estar atento a certo jornal que tenha sido aprovado por um qualquer comité de sábios. Todos terão de ir a regulares sessões de grupo onde comprovem que seguem os ditames que lhe garantem a felicidade suprema.
Em suma, retirando ao indivíduo adulto algo transcendente a que tenha de prestar contas, Deus ou a Verdade, ele vai tornar-se numa criança. Será inseguro e com uma necessidade permanente de protecção contra a incerteza e por isso irá ansiar por mais e mais regulação e que a burocracia lhe diga exactamente o que tem de fazer em cada situação. E isto não só é possível em democracia como irá por ela ser potenciado.
Guerra cultural (3)
A MODERNIDADE COMO PROJECTO REVOLUCIONÁRIO
Nos dois posts anteriores escrevi, a propósito da situação laboral, sobre o discurso “economês macro”, tão genérico que só é apelativo aos tecnocratas, e de algumas situações concretas que o indivíduo comum depara ante a perspectiva do desemprego. Seria quase expectável enveredar agora por uma síntese dialéctica, mas não o farei porque o verdadeiro objectivo destas reflexões está contido no título desta série. O problema de iniciativas como o Compromisso Portugal não é apenas a reduzida adequação do discurso à realidade das pessoas que votam. É um movimento que se pode classificar de combate de ideias mas que não faz qualquer guerra cultural nem sequer dá mostras de saber o que isso é. Pior do que ser presa fácil do populismo, iniciativas aparentemente liberalizantes podem ser facilmente incorporadas no movimento revolucionário.
Para a maior parte dos analistas a queda do muro de Berlim acabou com as utopias e os projectos de revolução. Os partidos marxistas vão-se tornando residuais em termos eleitorais, a China já é mais capitalista que comunista, Cuba espera apenas a morte de Fidel e Hugo Chávez é apenas um epifenómeno que irá desaparecer num ápice devido às contradições no sistema que vai criando. Ora, isto é uma visão simplista que tem dois erros de base. Por um lado parte do princípio que só são projectos comunistas os que tentam implementar no imediato a ditadura do proletariado e a socialização dos meios de produção, quando o próprio Marx achava que a transição levaria muitas gerações. O outro erro é achar que só existe projecto revolucionário se este for declaradamente marxista e tudo o resto não passa do natural devir da modernidade. Mas o que é essa modernidade se não um enorme projecto revolucionário já que pretende construir toda uma nova sociedade desde a raiz?
sábado, agosto 11, 2007
Guerra cultural (2)
Como encara o cidadão comum a hipótese de ficar sem emprego? Um despedimento compulsivo, por justa causa, será sempre visto como uma profunda humilhação. É natural que assim seja, um misto de culpa, de revolta, de solidão, de enfrentar algo para além das suas forças. Contudo, durante décadas criou-se a mentalidade de que o trabalho era um direito e tudo devia ser feito nesse sentido, o que incluía a manutenção de postos de trabalho artificiais e até impedir os despedimentos de pessoas que têm uma incompetência militante. Por isso, a perspectiva de perder o emprego é sentida, antes de mais, como a retirada de um direito e, sejam quais forem as circunstâncias, isso constitui uma afronta inadmissível. Diria até que impensável.
Mas, se o emprego está garantido para todo o sempre, nada impede que se façam planos a muito longo prazo. Abriu-se aqui uma oportunidade de negócio que bem aproveitaram os profissionais do crédito. Ao fim de pouco anos gerou-se mesmo uma pressão social para entrar no mesmo ciclo. Ninguém quer ter um carro antigo e desconfortável quando todos à sua volta têm um último modelo. E quem quer viver numa casa minúscula ou, blasfémia das blasfémias, com os pais se todos os restantes ganharam já a sua emancipação numa casa própria? E ninguém vai gostar de ficar calado quando se gera uma conversa em redor a férias em locais exóticos. Tendo em conta os baixos salários em Portugal, mesmo entre os licenciados, o que resta para a poupança é quase nada.
Contudo, pior que ficar sem emprego o pior são as reduzidas perspectivas de voltar a ter um posto de trabalho a curto prazo com características idênticas. A rigidez do mercado de trabalho faz com que a maior parte das pessoas tenha-se dedicado a um conjunto limitado de tarefas anos a fio, como se costuma dizer, não sabem fazer mais nada. A baixa formação profissional e os constantes incentivos para não levantar ondas tornam a perspectiva de fazer algo diferente simplesmente irreal. Nas pessoas mais velhas isto agrava-se ainda porque a desabituação à mudança é mais prolongada, a escolarização mais baixa e a rigidez mental naturalmente mais elevada.
A queda no infortúnio, a perspectiva do desemprego de longa duração, as contas para pagar, a poupança quase nula. Num desespero como este é mais fácil acreditar nos populistas que falam mal dos patrões, dos bancos (lembram-se de Sampaio?) ou pura e simplesmente no infortúnio. E além disso há sempre um facto que é muitas vezes desvalorizado mas que penso ter uma importância substancial. Falo daquela quantidade de seres rastejantes cujo único talento que se lhes conhece é a capacidade de se manterem sempre à tona de água. Em qualquer instituição, empresa, instituto, agremiação, há sempre um conjunto de indivíduos que pouco faz, que pouco sabe fazer, mas que se manobra com eficácia nos meandros do poder local. São aqueles que escapam aos grandes despedimentos e quando são forçados a sair fazem-se pagar bem caro, que saem beneficiados nas reestruturações. Mesmo que se tratem de excepções, em termos de exemplo são a regra. Todos os conhecem, falam deles nas costas e os mostram como o exemplo acabado de que o sistema não funciona por mérito ou pelo trabalho realizado mas apenas pela imagem e por manobras de bastidores.
sexta-feira, agosto 03, 2007
Guerra cultural (1)
Na última revista Atlântico encontra-se um artigo que expõe alguns pontos de vistas do movimento “Compromisso Portugal”. Creio que não é exagero afirmar que já li as soluções ali apresentadas algumas centenas de vezes, com uma ou outra alteração, indo um pouco mais longe ou ficando aquém. E penso que a maioria dos leitores desta revista poderão dizer o mesmo. Há a ideia generalizada neste círculo de comunhão intelectual de que a mensagem ainda não passou para o grande público, o que não deixa de ser verdade, por isso há que insistir ainda muito mais. Mas a insistência não significa a repetição da mesma coisa vezes sem conta com poucas ou nenhumas alterações na forma.
Na página 20 da Atlântico de Agosto, a propósito da legislação laboral, consta o seguinte: «O objectivo deverá ser o de oferecer aos trabalhadores um outro tipo de segurança – a verdadeira segurança que lhes pode dar um ambiente económico mais dinâmico, mais recompensador das qualificações e do mérito e livre da sombra do desemprego de longa duração, onde seja possível aceder a mais e melhores empregos –, em vez da segurança ilusória da lei, materializada na vinculação ao mesmo posto de trabalho por toda a vida.» É explicado como se consegue isto? Vagamente e pela forma negativa. Um pouco mais à frente aparece: «O aumento das exportações dependerá da melhoria da competitividade dos produtos e serviços produzidos em território nacional. Ora, acontece que os custos unitários do trabalho em Portugal evidenciam uma tendência pouco positiva face aos nossos concorrentes.» E continua nesta linha de discurso, que chamaria de “economês macro”.
É objectivo desta série de posts mostrar que este tipo de discurso é presa fácil dos populismos de esquerda e direita, ecoando apenas junto àqueles que já estão plenamente persuadidos e, pela negativa, sobre os que nunca ficarão convencidos. O discurso populista é mais apelativo precisamente porque fala directamente às pessoas, às suas preocupações e sobre as suas situações concretas. Já o “economês macro” prefere falar em termos agregados, de indicadores globais, de pessoas que são reduzidas a números e de números que se reduzem a médias. As conclusões que daqui são retiradas para o indivíduo são tão genéricas e abstractas que se aplicam um pouco a todos mas ninguém se revê nelas. A efectivação do discurso só será possível se o enfoque passar a ser nas pessoas e nas suas acções. Contudo, a maior parte dos economistas irá fugir disto a sete pés com receio de serem considerados demasiado «austríacos».
MC
sexta-feira, julho 27, 2007
A cultura da cretinice
O respeitinho está aí de novo em força, mas se antes era explícito, previsível, hoje aparece de inúmeras formas, mascarado como a necessidade de aplicar os valores da modernidade, que não só urge cumprir com penalizar quem lhes está à margem. A violência não diminuiu, pelo contrário, mas ganhou novas matizes. A insegurança aumenta e só não é mais patente porque outras preocupações a fazem diluir na memória. A violência ganhou sobretudo uma sofisticação psicológica, que começa a ser visível nos primeiros anos de escola. Há 15 anos atrás as crianças ainda brincavam horas a fio nas ruas e se de manhã podiam brigar, na parte da tarde já tudo estaria esquecido. Às crianças de hoje foi-lhes vedada, por diversos motivos, a socialização espontânea. As valências prometidas sobre o ensino pré-escolar e a respeito dos novos métodos de ensino não foram cumpridas. Se nada aprendem os nossos jovens, pelo menos dominam os métodos de exercer a pior violência mental sobre os seus colegas e professores, por vezes durante meses de forma recorrente. Os mais afoitos já perceberam até que ponto podem partir para a violência física, sabendo que vivem sob um paradigma que nunca os responsabilizará.
Os pais que antes diziam aos educadores para baterem nos filhos sempre que tal fosse necessário, no fundo da sua ignorância estava o desejo de darem à sua prol um futuro melhor que aquele que tinham tido, estando conscientes dos maus caminhos que só podiam ser evitados com disciplina. Nos pais de hoje não se percebe qualquer objectivo, nem para si nem para os seus filhos. Prisioneiros do niilismo, esqueceram as palavras de Platão, de que é pior cometer o mal do que o sofrer. Não agem, reagem quando acossados. A realidade para eles é uma afronta, e apontar as falhas patentes dos seus filhos é sentido como um insulto que se tem de retribuir da forma mais dura que lhes for possível.
Muito mais podia ser avançado a este respeito, a honra que foi substituída pela mentira rotineira, os velhos que se passaram a colocar nos lares para morrerem, a explosão das maleitas do espírito, a falência da Justiça e a fraude da Segurança Social. Urge deixar de lado as palavras mansas. É preciso assumir que não há forma de tratar ou simplesmente descrever certas pessoas a não ser utilizando palavrões. As nossas energias devem ser entregues àqueles que se esforçam por ser respeitados.
MC
sexta-feira, julho 20, 2007
Foram os liberais que perderam as eleições
Após e até antes cada desaire eleitoral dos partidos mais à direita do espectro eleitoral português, aqueles que se consideram liberais aparecem a falar na crise da direita, que esta não se reforma, que não tem novas ideias, que não incorpora em si os princípios liberais. Mas, questiono, porque haveriam os partidos ir ao encontro do liberalismo? É certo que as ideias têm consequências mas as de cariz liberal, por melhores que sejam, têm de combater outras de sinal oposto bem como adaptar-se ao constrangimento democrático. É fácil criticar os políticos por serem populistas, demagogos e não arriscarem num discurso e, sobretudo, numa prática que coloque em causa algumas das premissas fundamentais do Estado social. Nas condições actuais, o jogo político acaba por ser uma tragédia dos comuns em que o primeiro a propor seriamente o fim do “statu quo” irá inevitavelmente perder as eleições. E mesmo depois das eleições ganhas com maioria absoluta, a margem de manobra para efectuar rupturas é escassa.
Penso que chegou a altura de liberais e conservadores assumirem a responsabilidade por não terem feito o suficiente para quebrar a hegemonia socialista no pensamento corrente. Cabe em grande parte aos liberais, porque verdadeiros conservadores parecem ser ainda mais raros que estes, trabalhar no sentido de criar uma corrente de fundo suficiente para que não seja suicida a estratégia dos partidos de direita e até da esquerda moderada a adopção de práticas liberais.
Pior que o pecado de omissão foram três atitudes que alguns liberais assumiram e que contribuíram activamente para a consolidação do paradigma socialista. A mais evidente foi o empenho na causa abortista, quando foram atempadamente e repetidamente avisados que não estava verdadeiramente em questão uma despenalização da IVG, que na prática já era quase total, mas a estatização do acto. Os comunistas odeiam mais o PS que os partidos da direita. De forma idêntica os liberais preocupam-se com toda e mais pequena falha nos partidos na direita sendo incomparavelmente mais benévolos para a esquerda, em especial o PS. Por isso Sócrates teve um estado de graça durante meses a frio, passando semanas sem que os blogs liberais lhe dirigissem uma crítica e, de repente, todos parecem surpreendidos com a péssima gestão do executivo os tiques pidescos. Outra atitude gravosa é o distanciamento da realidade que alguns liberais se forçam. É certo que a maior parte das questões que urge trazer a lume para o grande público são elementares e pouco estimulantes em termos intelectuais. É um verdadeiro trabalho de sapa que não cativa certos liberais, que gostam apenas de debater pormenores intrincados e orgulhando-se até de dizer que são assuntos que pouco sentido têm fora do círculo de debate liberal.
Várias vozes já se levantaram a pedir uma maior consequência das ideias liberais, o que levou há uns meses o surgir duma discussão em torno da criação de um partido liberal. Não tendo o assunto ficado fechado, a maior parte das posições tendeu para o lado de ser preferível influenciar os partidos existentes. Mas, sendo assim, o que foi feito nesse sentido? Para alguns o progresso tem sido notável. Alguns blogs liberais têm um apreciável número de visitas diárias e, através disso, têm sido fonte de recrutamento para os media tradicionais. Temos também uma publicação, a revista Atlântico, que se consolidou e está aí para ficar. Mas terá isto quebrado a hegemonia das esquerdas? Na realidade penso que se conseguiu afirmar um espaço frequentado sempre pelos mesmos e que tem um impacto quase nulo fora deste círculo.
A conclusão é que se torna necessário fazer muito mais e de forma substancialmente diferente. Algo óbvio é a criação de um “think tanks” liberal, como já em tempos aqui escrevi. Perguntam alguns para que serve a criação de mais um centro de estatísticas, apesar de se poder conceber um espaço mais vocacionado para análises qualitativas, senão mesmo filosóficas. Se as ideias liberais estão correctas então os números irão mostrar concordância. E é preciso assumir claramente o objectivo de “produzir” alguns números que sejam apelativos o suficiente para os jornalistas os transformarem em “sound bytes”, ao mesmo tempo que os mais curiosos também possam ter à sua disposição estudos credíveis que suportem as ideias chave avançadas.
A revista Atlântico surpreendeu-me por não ter desaparecido rapidamente, face à sua natureza. Sou leitor assíduo e tenho bastante consideração por algumas pessoas que para lá escrevem. Mas fica aquela sensação de ser apenas o possível. A revista precisava do triplo das páginas, com secções de investigação sobre situações concretas e espaço para artigos realmente de fundo com uma dúzia de páginas, para além de uma miríade de pequenas coisas que pudessem cativar vários públicos. Trata-se de um nível completamente diferente do actual, que necessitaria de um forte impulso que não faço ideia de onde possa vir.
As iniciativas “olhos nos olhos” deviam também ser rotineiras. Só conheci duas de origem liberal, o Café Blasfémias e as noites da Direita Liberal. Foram ambas abortadas, não tendo conhecido as razões mas penso que foi a constatação de que não vale a pena tanto esforço para resultados tão parcos. Iniciativas como esta pouco transpiram para a comunicação social e o pouco que surge trai o que de fundamental lá se passou. Este tipo de iniciativa será potenciado pelos pontos enunciados nos dois parágrafos acima, mas isso não deve ser desculpa para ficar à espera das condições ideais.
Finalmente, penso que há que colocar alguma estratégia no funcionamento dos blogs. Para além da análise breve da actualidade, há matérias mais intemporais que merecem ser revisitadas vezes sem conta. Ora, o funcionamento dos blogs faz com que seja muito difícil distinguir entre diferentes tipos de posts. Alguns merecem ser bem reflectidos, relidos, outros basta apenas uma vez. Assim os blogs correm o risco de ser um “brainstorming” permanente, sem tempo de assentar ideias, o que explica a maior parte dos comentários evidenciar um total desconhecimento das noções mais básicas do liberalismo. A questão não está nos blogs deixarem de ser o que são mas passarem a ser mais. Encontrarem formas de mostrar que pretendem chegar a algum lado e quem os lê poderá ter material suficiente para tirar algumas conclusões mais abrangentes. Outra possibilidade está em utilizar os blogs como forma de potenciar projectos paralelos. Esta recomendação pretendo eu mesmo aplicá-la, de forma necessariamente modesta, mostrando os primeiros resultados até ao final do ano.
MC
sexta-feira, julho 13, 2007
Mau demais para ser verdade
Desconheço as razões profundas de ser tão difícil conceber o «mal» para além de um determinado limiar. Suponho que seja algo inerente ao ser humano e não apenas uma característica adquirida socialmente. Provavelmente, se o mal em grande escala fosse facilmente concebível muitos seriam os que não resistiriam à tentação de o colocar em prática e a espécie humana já estaria extinta. A globalização abre perspectivas únicas para a prática do mal em larga escala. A combinação é explosiva porque quanto maior é o tamanho da ameaça mais difícil será acreditar nela e, por isso, enfrentá-la.
Vejamos algumas situações onde isto se aplica. Talvez ainda alguém se lembre do caso entre Marcelo Rebelo de Sousa e o governo de Santana Lopes. Ao certo só sabemos das declarações de alguém próximo de Santana Lopes a pedir um espaço para contraditório. A reacção fez lembrar a que ocorreu a pretexto das caricaturas do Profeta publicadas no jornal dinamarquês. Acusações de pressões inaceitáveis, chantagem sobre um canal de televisão, tentativa de implementar a censura. Desde o cidadão anónimo ao Presidente da República, da esquerda à direita, a indignação foi generalizada. O novo governo iniciou funções e Sócrates não só pediu um espaço para fazer contraditório a Marcelo Rebelo de Sousa como tratou de providenciá-lo na RTP, naquele programa patético onde António Vitorino tem o prazer de se fazer ouvir. Os indícios de tentativa efectiva de censurar, de pressionar vozes discordantes ou desconfortáveis abundam neste governo, como se sabe. Mas as reacções estão bem longe de atingir as do tempo de Santana Lopes. Aqueles a quem só faltou arrancar os cabelos para falar diatribes em Santana se agissem proporcionalmente teriam agora de se imolar pelo fogo na praça pública.
A reacção ao terrorismo é também um bom exemplo das dificuldades em conceber o mal. Se prestarmos atenção, a maior parte das críticas que se fazem ao combate ao terrorismo não se prendem com a estratégia. É perfeitamente legítimo argumentar que determinadas acções são pouco eficazes, que outras são contraproducentes ou que têm custos demasiado elevados. Contudo, este tipo de críticas fundamentadas constitui uma minoria. A maioria parte da premissa implícita que não é necessário combater o terrorismo. A ameaça é desvalorizada e todos os atentados que ocorreram têm uma explicação lógica. Os americanos foram atacados porque andaram a pedi-las, os espanhóis e os ingleses porque se puseram ao lado dos americanos. Guarda-se um precioso silêncio sobre os atentados ocorridos em países muçulmanos e os abortados um pouco por toda a Europa, mesmo sobre alguns campeões do antiamericanismo.
Sociedades inteiras foram acreditando nos mais diversos disparates, que vistos à distância nos parecem inconcebíveis. Como deixaram de acreditar naquelas coisas? Por reconhecerem o erro? Não, fazendo uma travessia do deserto. O exame de consciência é algo que apenas algumas pessoas fazem. A velha crença é abandonada e a ela sucede um esquecimento. Passados alguns anos é como se ninguém tivesse acreditado naquelas coisas, como se remontassem a um passado distante onde ninguém pode ser responsabilizado. Daqui a uns anos a histeria do aquecimento global vai terminar e ninguém vai lembrar-se que foi um fervoroso apoiante da causa. O que foi feito dos milhões de maoistas que pululavam por essa Europa fora?
MC
sexta-feira, julho 06, 2007
Candidatos a líderes de opinião
N’ O Insurgente, Patricia Lança divulgou alguns estudos sobre riscos de práticas sexuais como o sexo oral e anal. Alguns dias depois, Patricia Lança colocou uma pedra no assunto por estar cansada do falatório que se gerou. Pensei que se tinha tratado apenas dos esperados comentários jocosos sempre que matérias sexuais entram em cena, mas depois fui tropeçando numa série de posts sobre o assunto um pouco por todo o lado. Percebi que não se tratou de um epifenómeno mas de mais uma manifestação da contaminação no espírito das classes progressistas presentes em todos os credos políticos.
Como reagiria uma pessoa adulta e equilibrada sobre esta questão, supondo que considera importante manter na sua actividade sexual práticas anais e orais? Em primeiro lugar iria mostrar interesse, porque diz respeito a condutas que tem por rotineiras. Depois iria tentar cruzar estes dados com outros fidedignos, para poder fazer uma avaliação crítica. Caso se chegasse à conclusão que aquilo que veio a luz aponta para um risco acrescido, até aí desconhecido, impõe-se uma decisão. Decisão essa que pode ser manter exactamente os mesmos hábitos, por se considerar que se perde mais em alterá-los do que em os manter. Outras opções são a utilização de cuidados acrescidos, redução da frequência de certos actos e, no limite, a sua abolição, para não falar daqueles que até ficam mais tentados pelo risco. Tudo isto sem dramas mas assumindo as responsabilidades pelas suas opções.
Contudo, a quase totalidade das reacções assemelharam-se à da criança mimada que faz birra porque lhe tiraram o brinquedo favorito. A questão de fundo, exposta no parágrafo acima é totalmente elidida, o que interessa é denunciar os supostos planos maléficos de Patricia Lança, uma cruzada moralista, um preconceito anacrónico contra a homossexualidade. Mesmo que existisse uma intenção moralista e um preconceito contra o homossexualismo, o que é que isso alteraria a questão? É apenas relevante a qualidade dos argumentos e a clara distinção entre factos e palpites.
Este assunto merece ser comentado porque envolveu inúmeros candidatos a líderes de opinião, que hoje em dia se começam a recrutar nos blogs. Se eu disser ao Zé Tó do café da esquina que beber demasiada cerveja pode trazer-lhe problemas de saúde, ele certamente irá responder-me com um sonoro arroto. Em que se diferenciam estes bloggers progressistas (que hoje em dia já se encontram em todos os credos políticos) do Zé Tó , quando ao mínimo confronto com ideias que não lhes agradam também respondem com “arrotos mentais”?
Na realidade estou a ser injusto, existe aqui uma pretensão clara de afirmação que recorre aos meios mais eficazes que tem à sua disposição. Dizia Pacheco Pereira na “Quadratura do Círculo”, que o comportamento do Primeiro-ministro era o típico autoritarismo dos fracos. Quem ocupa locais de poder pode exercer esse autoritarismo de forma directa e fazê-lo reflectir em várias direcções por uma espécie de osmose, de forma mais ou menos dissimulada. Os candidatos a líderes de opinião que proliferam nos blogs em geral têm tanto poder como o comum cidadão, por isso necessitam de um simulacro de poder. Conseguem-no denegrindo e humilhando alguém a propósito de um assunto que desperte atenção. A destruição de carácter funciona nas duas direcções, obviamente diminuindo o acusado mas também colocando o acusador num patamar acima do qual realmente ocupa. A delação anónima ainda continua a ser mal vista, sinal de cobardia. Contudo, a delação frontal é hoje tomada como prova de força, audácia e discernimento. A consciência crítica diminuiu a tal ponto que hoje é valorizado o próprio acto de denúncia em si sem ligar aos seus fundamentos. Obviamente que isto configura uma sociedade numa constante fuga para a frente que mais tarde ou mais cedo irá ter um choque abrupto com a realidade.
MC
segunda-feira, julho 02, 2007
5 Livros
“O Mito do Eterno Retorno”, Mircea Eliade – Para as civilizações arcaicas a realidade é a imitação do arquétipo celeste. O tempo profano é abolido e o homem projecta-se num tempo mítico em que os arquétipos celestes foram pela primeira vez revelados. A existência consiste num eterno retorno consumado nos rituais e actos importantes. A História, a série de eventos irreversíveis, é negada. O povo hebraico foi o primeiro a conceber um Deus que intervém dando sentido aos acontecimentos históricos. Contudo, mesmo depois da elaboração da filosofia da história por Santo Agostinho, a maior parte das populações cristãs, até hoje, tem dificuldade em aceitar a irreversibilidade dos eventos.
“Guia de Filosofia para Pessoas Inteligentes”, Roger Scruton – Porquê para pessoas inteligentes? Apesar de nem sempre as passagens serem fáceis, Scruton evita complicações desnecessárias tanto quanto possível. Fiquei com a sensação que o autor chama inteligentes às pessoas que têm a audácia de fazer as mesmas interrogações que ele. Ao ler a apresentação do livro fiquei com a ideia de que se tratava de um discorrer de vários temas sem grande relação entre eles. Contudo, trata-se de uma construção progressiva onde os temas mais profundos vão sendo desvendados com a ajuda dos predecessores. Apesar de os comentários ao livro situarem Scruton na esteira de Kant e Wittgeinstein, quem o conhece sabe que temos antes de tudo um admirador de Edmund Burke.
“As Putas do Diabo”, Armelle Le Bras-Chopard – Leitura após ter lido a crítica de Rui de Albuquerque no Portugal Contemporâneo. Vale pela hipótese levantada sobre quem realmente tomou as rédeas da Inquisição. Contrariando a opinião comum, defende-se que a Inquisição foi sobretudo dominada pelo poder secular quando construía o Estado moderno. Figura central foi Jean de Bodin, que concebeu importantes livros políticos mas, o que poucos sabiam, também escreveu um tratado sobre «demonologia», onde defendia a estatização dos processos judiciais.
“Logoterapia e Análise Existencial”, Viktor E. Frankl – Não confundir com literatura de auto-ajuda. A Logoterapia, criada por Viktor Frankl, é considerada a terceira escola de psicoterapia. O que distingue a Logoterapia de outras formas de psicoterapia é o seu enfoque na busca de sentido. Devido a isso teve de sofrer o desprezo e o escárnio de psicanalistas, marxistas, pragmatistas, estruturalistas, desconstrucionistas e outras tribos do género, estes sim, autênticos criadores de mazelas do espírito. Contudo, Frankl não desprezou a psicanálise de Freud nem a psicologia da Adler nem sequer rejeitou a validade dos fármacos, uma vez que era um homem de ciência, neurologista e psiquiatra. Só que achava que isso não era tudo, a busca para o sentido da existência abriria outras portas para a cura do indivíduo. Uma visão do ser humano que foi testada da forma mais bárbara quando Frankl foi prisioneiro dos campos de concentração nazi.
sexta-feira, junho 29, 2007
Provocações várias
O documentário sobre Durão Barroso, que a RTP passou esta semana, conteve várias pérolas. Destaco apenas uma. A certa altura sobre os franceses que votaram contra o tratado constitucional disse-se serem «antieuropeus». Note-se que falamos do “voz off”, supostamente veiculando uma opinião imparcial e objectiva. São pequenas «achegas» como esta, omnipresentes no discurso jornalístico, que criam valores artificiais e tendências a que todos nos teremos de vergar, mais cedo ou mais tarde, que é como quem diz, ou a bem ou a mal. A adjectivação e a categorização utilizadas no momento certo são poderosas armas na luta contra a inteligência. Afinal, porque razão o voto contra um projecto de constituição é significa ser contra a Europa? Não será possível ser europeísta e simultaneamente céptico sobre certos caminhos que a União pode tomar? Aliás, não será mesmo uma obrigação?
SAI MAIS EUTANÁSIA
O debate aí está, desinteressante até à medula. E o que dizer sobre o actual estado da profissão médica? Qual o motivo para o respeito pelo «senhor doutor» estar a perder-se? A resposta é simples, os médicos já não se dão ao respeito. O respeito têm-se por pessoas que seguem uma ética acima da mediania. Apesar da maior parte dos portugueses terem votado favoravelmente um projecto abortista, ou terem-no deixado passar por se terem omitido, aos poucos irão perder respeito pelos médicos que fazem todo o tipo de abortos sem protestar, mesmo que as motivações sejam as mais fúteis, como tantas vezes são. De forma semelhante, a eutanásia irá tornar-se prática comum, aparecerá um vasto conjunto de médicos a falar da morte com toda a naturalidade. Por mais sofisticado que isto pareça, o comum dos cidadãos intuirá ali uma mentalidade de adolescente arrogante que não sabe nada da vida e, logo, nada merecedor de respeito. E cada vez mais pessoas vão se apercebendo que muitos médicos são uns sacanas descomunais, militantemente incompetentes e desactualizados, prescritores de medicamentos de segunda com os quais estão comprometidos e angariadores de operações desnecessárias apenas em proveito das suas contas bancárias. Não se deve desvalorizar o desaparecimento de um valor como o respeito. Tendo este sido já perdido em relação a padres, polícias e professores, o que restará? Adulação aos políticos e jornalistas? Estamos bem encaminhados, estamos…
E SE O ESQUERDISMO FOR UMA SOCIOPATIA?
O perfil aqui traçado do esquerdista, nada difícil de conferir, caso fosse atribuído a qualquer outra pessoa daria origem a um diagnóstico inequívoco.
ECLETISMO AUTO-LIMITADO
sexta-feira, junho 22, 2007
O desinteresse em relação à política
O actual desinteresse geral pelas questões políticas é uma situação de risco. Apesar de vivermos situações que não auguram nada de bom ou talvez por isso mesmo, a nossa época é bastante interessante para fazer análise política. Até há pouco tempo o desinteresse parecia ser apenas pela vida partidária. Convenhamos que esta não se tem mostrado dignificante. Se retirarmos a estas lides os insultos entre partidos ou entre facções do mesmo partido, a demagogia em relação aos eleitores e as manobras de bastidores ou encenações públicas em busca de poder, não irá sobrar muito mais.
Contudo, têm aparecido indícios de que este desinteresse não só é mais vasto como alvo de militância. Convém lembrar que originalmente a política correspondia tudo o que se referia à “polis”, pelo que a afirmação de Aristóteles de que o homem é um animal político quer dizer, antes de mais, que o homem é um animal social. E se o homem está condenado a viver em sociedade isso leva-o forçosamente a debruçar-se sobre as questões políticas, sob pena de aderir voluntariamente à alienação. Este alheamento deliberado da coisa pública significa a perda de ligação ao outro, no máximo os laços permanecerão dentro de um estreito grupo composto por familiares e amigos. Se é certo que a “mão invisível” pode fazer milagres mesmo entre egoístas e gananciosos, é imprescindível um nível mínimo de confiança para uma sociedade poder funcionar.
A atitude de alienação em relação à política que mais apreensão devia causar prende-se com a ideia de que os governos devem ter poderes quase ilimitados porque foram legitimados pelo voto. Existem aqui algumas reminiscências ideológicas, já que se concede estas veleidades com muito maior facilidade a governos ditos de esquerda do que a outros conotados com a direita. Basta atentar no à vontade que se fala desta legitimidade totalitária conferida pelo voto em relação a Sócrates, Hugo Chávez ou Salvador Allende, enquanto o voto parece ter perdido toda a validade quando consagrado aos anteriores governos PSD/CDS, a George W. Bush ou a Margaret Tatcher. É provável também que esta vontade de dar poderes quase ilimitados a este nosso governo advenha, em parte, de uma saturação em relação a políticos sem coragem, que adiaram constantemente decisões importantes e se encolheram face à pressão das "ruas". Mas tal como o medo não é bom conselheiro, o alívio também não. E quando existe uma confiança ilimitada em relação ao poder é porque a confiança horizontal, entre iguais, se perdeu, o que prenuncia uma derrocada civilizacional. Os sinais de excessiva tolerância em relação aos abusos de poder são preocupantes.
Quando o governo de Sócrates tomou algumas decisões (ou as fez anunciar) em relação à Saúde, à Educação ou à Segurança Social e mostrou que não ia arredar pé, algumas hostes animaram-se e não hesitaram em classificar este governo de reformista. Mas rapidamente se percebeu que a marca deste governo não era o reformismo, uma vez que nada de fundamental se alterou ou está previsto modificar-se, mas sim o autoritarismo. Aqueles que fingem acreditar que este autoritarismo é a única forma de desbloquear o país, e por enquanto ainda estão neste grupo a maior parte dos portugueses, arriscam-se a passar um cheque em branco com consequências imprevisíveis.
Ou talvez não tão imprevisíveis quanto isso. Uma delas é o custo de um novo aeroporto. O governo e o PS sentem, ainda, que podem dizer e fazer o que quiserem sobre isto. Não é só o ministro Lino e as suas contradições e desvarios rotineiros. Esta semana um deputado do PS no parlamento falava na total inviabilidade da solução Portela + 1, numa altura em que se admite que essa solução ainda nem foi estudada com a devida profundidade.
Mas pode haver ainda um preço mais elevado a pagar, a própria liberdade. Ao governo não bastou ter uma comunicação social amestrada. A história do diploma de Sócrates revelou algo bem pior que as eventuais trapaças que possam ter ocorrido. Em qualquer país que tenha respeito por si mesmo, as tentativas que o governo fez de impedir a publicação em jornais de notícias sobre o caso seriam consideradas gravíssimas. Mas a situação que envolveu o autor do blog Portugal Profundo como arguido é paradigmática. É evidente que Sócrates não pretende esclarecer nada em tribunal, quando o caso chegar a esta instância já ninguém se vai lembrar. O que pretendeu foram os efeitos imediatos, ou seja, intimidar não só o autor do blog visado mas todos os outros que não mostrarem respeitinho.
O desinteresse pela política, como não podia deixar de ser, interessa aos maus políticos. Estes não temem acusações generalistas de que “eles são todos iguais”, pois conseguem ainda ter a lata de dizer que estão ali, ao contrário de outros, para servir e não para se servirem da política. Não se deve subestimar um mau político que chegou ao poder. Se ali chegou teve de ultrapassar muitas barreiras, ultrapassar inúmeros revezes, fazer alianças, trair, manipular, mentir com um sorriso cândido no rosto. A ultrapassagem de sucessivas etapas, que a sua inicial e patente mediocridade nunca faria supor serem possíveis, provoca uma estranha admiração e tentação de rendição ao "inevitável". E é nesta altura o ser humano revela o pior de si, a subserviência ao poder apenas porque qualquer outra opção acarreta maiores riscos.
sexta-feira, junho 15, 2007
O triunfo dos filhos da puta
Entre os muitos defeitos dos partidários das causas progressistas, o cinismo é um dos mais esquecidos. À medida que as suas causas vão ganhando protecção legal, afirmam que estão a lutar contra os poderosos. Insistem nas conspirações escondidas que nos dominam, ao mesmo tempo que ganham poder com as suas conspirações explícitas. Quando o New York Times, um dos jornais mais influentes do mundo, diz que uma entrevista com Noam Chomsky são duas horas de lucidez e este senhor, nitidamente esquizofrénico, não teve qualquer pudor em defender o genocida Pol Pot, podemos afirmar com bastante rigor que os filhos da puta têm bastante poder neste mundo.
O exemplo não é isolado. Meios de comunicação social de todo o mundo apaparicaram a revolução “chavista” em curso na Venezuela, bem como a subida ao poder do “operário” Lula. Quando Chávez ordena o encerramento de um importante canal de televisão e Lula aplaudiu, os media começaram a sentir-se confusos. É certo que a televisão em causa faz parte da oposição ao regime, mas mesmos os jornalistas mais vendidos às causas progressistas não deixaram de sentir que a sua classe foi atacada. Das suas uma, há aqui uma grande ignorância ou uma cegueira ideológica que não quis ver o óbvio. Para uma ditadura manter o poder, o essencial não são os militares mas o controlo da informação. Por isso era evidente que Chávez, com um declarado projecto socialista que diariamente vai desmantelando a democracia, iria mais tarde ou mais cedo optar por este caminho. E depois de afastados os jornalistas mais críticos, serão perseguidos os que não prestarem vassalagem total. Só quem não tem o mínimo conhecimento da história do século XX pode duvidar que assim seja.
Por cá temos uns patetas que, envergonhando-se de mostrar a sua admiração por Chávez, justificam tudo com a sua legitimação democrática. Da mesma forma, irritam-se com aqueles que criticam a OTA, a lei do tabaco ou a subsídio ao aborto porque são tudo coisas que resultaram da legitimação do voto. Chamamos imaturas as democracias onde os derrotados não aceitam os resultados das eleições e tentam dar a volta com um golpe de Estado. Em 30 anos Portugal conseguiu passar de uma democracia imatura, pensemos no PREC, para outra esclerosada. Não só aceitamos pacificamente os resultados eleitorais como a usurpação crescente de poderes por parte do Estado. Os filhos da puta triunfam porque já somos todos filhos da puta e, como escreveu Alberto Pimenta, o sonho do pequeno filho da puta é ser um grande filho da puta.
MC
sexta-feira, junho 08, 2007
O mundo visto por alucinados
Depois passamos à cimeira do G8. Percebe-se que os jornalistas já consideram Bush carta fora do baralho, esperando o senhor que se segue, uma vez que pouca energia gastam a fazer-lhe pirraça. O enfoque é o estender bem alto a bandeira das alterações climáticas. É curioso que na altura que a farsa do aquecimento global começa ruir por todos os lados, os jornalistas mostram mais que nunca o empenhamento em defender a mentira. A realidade é que o empenhamento que os políticos gostam de mostrar para combater o aquecimento global deriva apenas do trabalho execrável de pressão da comunicação social. A cara de pau de Durão Barroso é admirável. Critica os EUA, como não pode deixar de ser e diz de passagem que o Protocolo de Quito nunca foi cumprido. Mas que empenho magnífico este destes impolutos, tendo o protocolo sido assinado em 1999 e já ratificado por quase todos, mas ainda assim os resultados são quase nulos. Alguém acredita sinceramente neste embuste?
Mas na realidade isto é um pormenor insignificante comparado com o que Barroso disse de seguida. Ao que parece Bush terá concedido que a questão iria passar para o âmbito da ONU. Ora colocar os EUA na mão da ONU, caso acontecesse, significaria o fim do mundo livre. Quando a Europa já capitulou formalmente ao terrorismo, ao islamismo integrista e a todo o tipo de politicamente correcto, nos Estados Unidos vive-se uma intensa batalha cultural entre aqueles que querem conservar a civilização existente e os que a querem extinguir. O próprio Bush mostra que não é uma batalha entre conservadores e “liberais”, uma vez que parece jogar pelos dois lados. Entretanto a RTP já está a passar, depois do telejornal, um programa ambientalista que tem como referência Al Gore. É sempre reconfortante saber que o dinheiro dos nossos impostos está a ser gasto de forma sábia.
Adenda: Já esta noite vi uma doutora explicar a origem da violência entre os adolescentes. Os pais são os culpados porque andam na net e em sites de encontros. Coitada da senhora, teve azar num desses encontros.
MC
sexta-feira, junho 01, 2007
Cobardia e o destino do mundo
Schopenhauer afirmou que era destino das verdades passarem por três fases, a primeira delas a ridicularização, depois a oposição violenta e, por último, a aceitação como óbvias. Contudo, este percurso não é só apanágio das verdades mas de todo o tipo de ideias. Em especial, as ideias que não são verdadeiras têm a fase da oposição bastante mitigada. Quem diria há 10 anos atrás que iriam existir programas nacionais contra a obesidade, que seriam aprovadas leis que iriam violar a propriedade privada em nome do combate ao tabagismo, que as próprias penalizações por fumar seriam maiores que as aplicadas ao consumo de drogas pesadas, que o combate ao racismo, à discriminação dos homossexuais e das mulheres seria feito através de políticas discriminativas em nome da igualdade e por aí fora?
Uma das causas que já está em marcha, por enquanto de forma convenientemente tímida, é a tentativa de que a pedofilia seja progressivamente aceite. Para isso nada melhor que a sábia utilização da linguagem. O processo já é conhecido, arranjar uma terminologia inócua para descrever o pedófilo e outra ofensiva para quem o critica. A habituação é progressiva, os escritores vão começando romancear a pedofilia, vão aparecendo estudos que “provam” que é uma coisa natural no ser humano, e em poucos anos o Bloco de Esquerda estará a colocar cartazes no meio das cidades, com um pedófilo asqueroso beijando a face de uma criança e um dizer condenando quem discrimina aquela relação de amor.
Argumentar que estas movimentações rumo ao abismo são apenas fruto do engano é ser demasiado ingénuo. As democracias actuais transformaram-se na prática num sistema fechado, dominado por uma elite que não assume o poder que tem. Já não são as massas que, bem ou mal, influenciam a direcção da governação. As elites tomam o lugar dos profetas porque, supostamente, interpretam a vontade do povo. Na realidade, a única coisa que as identifica não é o conhecimento nem a virtude, mas a capacidade de reduzir a vontade do povo às suas pretensões.
Pensemos nas supostas alterações climáticas. Seriam as elites, se fossem autênticas, as primeiras a rejeitar o estabelecimento de um consenso que não admite vozes discordantes. Fazem precisamente o oposto. São os primeiros a utilizar todos os meios para lançar descrédito nas posições cépticas, não por via da argumentação sobre a matéria em causa mas pelo ataque às motivações, ou seja, pela difamação encoberta. Apesar destas elites dominarem a quase totalidade dos meios de comunicação social, serem apoiados por fundações bilionárias e muitas vezes pelos Estados, serem uma coqueluche de Hollywood, tem a cara de pau de encerarem a farsa de serem os fracos, oprimidos e os únicos com coragem para denunciar a “verdade inconveniente”, que de resto é a única que o grande público tem acesso. A farsa tem proporções que desafiam a imaginação humana e aqueles que viram a ponta do iceberg sentem-se tão pequenos que são confrontados com um dilema. Ou começam a denunciar a fraude, e é fácil de prever que serão esmagados, ou aderem ao lado “inconveniente”. Claro que aderir à fraude, por mais confortável que seja, levanta sempre algumas inquietações morais. Estas resolvem-se se os indivíduos convenceram-se que sempre estiveram do lado “certo”.
Voltando ao início, podemos distinguir o que diferencia o percurso de aceitação das verdades em relação ao das fraudes, sejam elas intelectuais ou morais. Não é a fase inicial da ridicularização que é diferente. Qualquer ideia nova que ponha em causa o estabelecido, seja certa ou errada, causa estranheza. Na fase seguinte, as ideias verdadeiras tentam impor-se pelos seus próprios méritos. Esta luta no domínio da razão é árdua porque enfrenta a oposição dos raciocínios viciados, que só pode ser vencida com grande tenacidade. Com as fraudes, o processo intermédio é bastante diferente. Não existe confronto de ideias, já que a fraude nunca é totalmente explícita para não se expor demasiado. A ideia a passar está implícita e o processo visa sobretudo protegê-la do escrutínio da razão. O que acaba por ser óbvio no final é a existência de uma coacção moral tão grande que constrange fortemente quem tiver pretensões de se opor ao embuste.
sexta-feira, maio 25, 2007
A decadência moral dos portugueses
A formulação de Maquiavel opõe o temor à adoração. Contudo, ao invés de se excluírem, um é frequentemente causa do outro. O indivíduo que não tem coragem para se indignar, esconde essa cobardia de si mesmo convencendo-se que ama quem o mal trata. Esse mecanismo pode ainda ser potenciado em situações de grande impotência, como o rapto, ou quando ocorre de forma colectiva, como no caso do maoismo, que mesmo no ocidente provocou histeria a muitos.
Num contexto democrático as coisas decorrem de forma um pouco diferente. Não é possível impor um terror permanente sobre os governados e também não é concebível uma adoração unânime ao líder. Por isso o Príncipe aposta na degradação moral dos súbditos. A indignação só é possível quando existe uma forte concepção de justiça, caso contrário resta a ira momentânea, como nos animais, que se dissipa rapidamente. Ao contrário da indignação, a ira não potencia uma reacção de grupo consistente, porque apenas se manifesta naqueles que se sentem afectados. A degradação moral tem também outras consequências, sendo uma delas a quebra de confiança entre as pessoas, o que as torna mais dependentes de quem as governa. Quando se deixa de sentir os outros como irmãos surge a necessidade de ter um pai que a todos imponha a sua mão autoritária.
Esta degradação moral é por demais evidente no Portugal em que vivemos. Os portugueses não só não gostam uns dos outros como perderam qualquer noção de certo ou errado. Os dislates do ministro Mário Lino sobre o deserto a sul do Tejo foram alvo de tentativa de aproveitamento por muitos, na esperança de capitalizar a indignação que daí poderia resultar. Não perceberam que não pode haver indignação quando deixou de existir a consciência ética que a suporta. No caso da licenciatura de Sócrates, para além do imbróglio propriamente dito, o mais grave foram as pressões para silenciar as vozes incómodas utilizando directamente os meios do Estado, com ameaças de “regular” a blogoesfera, telefonemas para as redacções dos jornais e, mais recentemente, a suspensão de um professor por exprimir a sua opinião fora da sala de aula. A indignação foi quase nula porque não existe um mínimo denominador comum de consciência de algum valor ter sido atropelado.
Mesmo aqueles que falam acaloradamente sobre estas matérias, em blogs e outras mesas de café, parecem ter fraca noção do que se está a passar. Os assuntos sucedem-se e cada um é como uma onda que bate na areia da praia e apaga o rasto do passado. São quase inexistentes as vozes que falam de um mal mais geral. O máximo que vi até agora foi a elaboração de um pequeno historia sobre os casos relacionados e um alertar sobre o domínio que este governo exerce sobre a comunicação social. Mas falta um olhar ainda mais distante e uma retirada de conclusões. Enquanto a coragem de fazer isto não existir iremos oscilar entre a ira pontual, infantil, e considerações genéricas desligadas da realidade e totalmente inconsequentes. Já fomos alertados que a sobrevivência da democracia depende da vigilância constante. Esquecemos que essa missão deve ser por nós desempenhada e não por aqueles que devem ser os alvos da vigilância.
MC
sexta-feira, maio 18, 2007
Nem sempre previsível
MINI ENSAIO, SEM APOIO BIBLIOGRÁFICO, SOBRE POLÍTICA E RELIGIÃO
O que torna a discussão política desinteressante em Portugal é a sua previsibilidade. Dir-se-ia mesmo que o debate político e respectiva prática estão vedados àqueles que não se sabe, de antemão, o que irão dizer ou fazer. Apesar da constante lamúria sobre o estado da nação e das inevitáveis medidas sempre adiadas, quando algum governante propõe alguma alteração concreta a contestação supera sempre o desejo de mudança. O povo português é como uma criança que pede um brinquedo de forma insistente e, quando lho dão, diz que não gosta.
O que os pais modernos desconhecem nos seus filhos são os seus verdadeiros anseios, que não passam por um sucessivo realizar de desejos imediatamente materializáveis. O que as crianças realmente querem é que alguém da sua confiança lhes traduza as suas motivações e inquietações, já que eles não têm ainda as ferramentas intelectuais e emocionais para o fazer. No fundo, as crianças necessitam que os pais a introduzam no mundo da filosofia. Igual anseio tem o povo adulto, nada mais espera que uma figura de referência lhes aponte o sentido da vida. Por isso as pessoas acabam por desprezar os políticos que descem “ao seu nível”, já que isso lhes furta a expectativa de transcendência, e acabam por respeitar aqueles que lhes batem o pé, como José Sócrates, Cavaco Silva ou António de Oliveira Salazar.
Claro que a função da política não é apontar para o sentido da vida, é definir soluções para a «coisa pública» e não para a “coisa íntima”. Esta dupla função que os governantes acabam por assumir advém do nascimento do Estado moderno, que concentrou todo o poder na figura do déspota iluminado. A formação do Estado moderno baseou-se numa inversão de prestação de contas entre órgãos de poder. O soberano passou a prestar contas directamente a Deus e só a Ele, deixando de se sujeitar a quaisquer ditames do Vaticano ou de outras ordens religiosas.
Contudo isto não configurou uma separação de poderes. Foi Cristo o primeiro a separar o que era de Deus do que a César pertencia, esperando divulgar a doutrina do primeiro sob a protecção terrena do segundo. Se bem que o papado não tenha sempre se guiado por estes ditames, nunca conseguiu ter verdadeiramente sobre a sua alçada o poder secular. Na formação do Estado moderno, o poder religioso apenas conseguiu sobreviver se fosse um instrumento do poder secular. Esta “real politik” do Vaticano mas também das forças protestantes, acabou por ditar, a prazo, a descredibilização da religião cristã. Ainda hoje a Santa Inquisição é vista como sendo algo gerado e gerido unicamente pelas ordens religiosas, quando foi um poderoso instrumento das forças temporais na subjugação da alma humana para seu próprio proveito, com uma cobertura de religiosidade. O odioso caiu unicamente sobre Deus, mas os proveitos foram inteiramente para César. E assim, César passou a ser Cristo.
Que evidências temos de que esta versão está mais próxima da verdade que a comummente assumida? Desde logo, a protecção deixou de se pedir à divina providência mas ao Estado, que passou a ter o exclusivo. A fé também já não está numa vida maior depois da morte mas na validade do assistencialismo prestado pelo Estado. E quem define hoje em dia os dogmas, as heresias e as formas de expiar os pecados são os políticos e não os padres. Quando os estatistas actuais pugnam veementemente pela separação entre Estado e Igreja, o que realmente querem é o monopólio da simbologia religiosa. Defendem que o Estado deve ser laico, o que é desejável, mas interpretam isso como a necessidade de uma série de medidas anti-clericais. O objectivo é que a vivência religiosa passe a ser como a sexualidade, apenas tolerada se afastada dos olhares de todos ou, no máximo, como uma curiosidade folclórica, inócua, para turista ver.
O fim último é restringir qualquer poder de influência que o cristianismo possa ter. A missão do Estado está praticamente concluída neste aspecto, o cristianismo é visto pela maior parte das pessoas como uma curiosidade não muito diferente da astrologia. A maior parte dos cristãos envergonha-se de assumir a sua condição. Para os ateus fanáticos tratam-se de grandes conquistas mas os agnósticos e ateus conscientes deviam estar atentos aos perigos desta nova configuração. Mesmo que não lhes agrade o sentimento religioso, devem perceber que este não se vai esvair eliminando o cristianismo. Essa necessidade de religiosidade será cooptada pelo radicalismo islâmico, pelas religiões biónicas criadas por bilionários ou ainda por uma versão moderna do déspota iluminada, quem sabe um futuro presidente do Governo Mundial. Apesar do cristianismo ter sofrido várias deturpações ao longo da sua história, é uma religião que se baseia no amor ao próximo e na separação de poderes. Já as suas alternativas que esperam ardentemente pela derrocada final da Cruz são na sua essência movimentos totalitaristas. O ódio aos padres acabará por criar novos sacerdotes da morte.