segunda-feira, janeiro 31, 2005

Últimos dias da ideologia

Sócrates vai assumir a governação (mais correcto do que lhe chamar Poder), mas será um dia irrelevante para a esquerda ideológica. Apesar de Sócrates dizer que vai governar à esquerda, com mais preocupações sociais e sem nunca renunciai ao “welfare sate”, tal não chega para estes ideólogos, que só se satisfariam com novas nacionalizações da banca e das grandes indústrias. Mas sabem eles que tal é impossível, nem que seja por boa parte destes grupos já serem trans-fronteiriços.

Contudo, estas lutas desesperadas e perdidas são apenas a ponta do iceberg da desilusão. A queda da União Soviética foi compensada, em parte, por terem conseguido que boa parte da opinião pública e, sobretudo, a publicada, se ter tornado anti-americana. Neste capítulo, os 4 anos da primeira administração Bush podem ter sido os últimos anos de ouro, em que boa parte das pessoas papagueou as frases criadas pela esquerda ideológica. Mas a re-eleição de Bush causou uma tremenda desilusão e estes ideólogos parecem ter-se esquecido que de pouco valeu fazer uma campanha fora dos EUA quando os votantes estavam lá dentro.

Mesmo prevendo que os EUA intervenham militarmente no Irão, não se afigura como possível voltar a criar mobilizações anti-americanas como as vistas anteriormente. As pessoas estão saturadas de uma contestação inútil (porque sem efeitos práticos), e mesmos os próprios actores políticos, como os da Administração Bush e os “líderes” europeus, já parecem ter percebido que ganham mais procurando pontos de convergência e não de divergência. Até porque existem outros actores no plano internacional a ganharem relevância. Também o relativo sucesso das eleições iraquianas parece ajudar a esta acalmia.

Mas olhando um pouco para o globo, a esquerda ideológica continua a contabilizar desilusões e mortes anunciadas. Fidel Castro não se aguentará eternamente, Chavez não tornou a Venezuela num paraíso, Lula desistiu das medidas mais à esquerda, a própria Coreia do Norte dá timidamente mostras de querer abrir-se um pouco e a China, pois então, não levará muito a tornar-se num dos principais países capitalistas do mundo.

Resta à esquerda ideológica pegar em algumas bandeias e fazer sua posse. Ecologia, direitos das minorias, aborto, abertura à emigração. Em geral, a técnica para tornarem estas bandeiras suas é propor coisas tão radicais e, se possível, inaceitáveis, que todos os restantes grupos as repudiem. E repudiando as medidas propostas pelos grupos de esquerda ideológica parece que repudiam as causas, que por elas não mostram preocupação. Contudo, ecologia, direitos das minorias e emigração são questões a tal ponto fundamentais, diria mesmo que para a Europa serão questões de sobrevivência, que a esquerda ideológica não conseguirá por muito tempo manter a ilusão que só eles se preocupam com estas coisas.

Estarão, então, os ideólogos de esquerda condenados a desaparecer? Creio que não, mas tenderão para duas soluções opostas. Uma delas é o radicalismo, passar à clandestinidade. Mesmo poucos indivíduos conseguirão manter por tempo indefinido vidas duplas, em que a maior arma será o terrorismo. Não creio que seja provável mas parece-me possível.

A outra solução é a pragmática. Os ideólogos de esquerda serão integrados em outros partidos (como sabemos, existem socialistas em todos os partidos) e irão tentar, na medida das suas forças, ser pedras na engrenagem, sabotar medidas que levem a uma maior liberalização económica. Serão os ultra-conservadores com saudades do passado.
MC
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terça-feira, janeiro 25, 2005

Campanha Eleitoral VIII

José Sócrates disse que «Neste partido [PS] ninguém tem vergonha do seu líder», referindo implicitamente Santana Lopes. São daquelas afirmações que não dizem nada de novo, tentam passar por uma gracinha. Mas ao mesmo tempo também mostram bastante do que é Sócrates e o PS. Sócrates mostra que tem medo da solidão (Santana já tinha sugerido que ele era cobarde por evitar debates).

E a partir daqui fica a porta aberta para mais especulação. Então para Sócrates é determinante um líder se adorado por todos no seu partido e já agora no país. Faz-me isto logo lembrar o estilo de Guterres, de dialogar até a exaustão para todos ficarem contentes. E quando não ficam, dá-se o dito pelo não dito e volta-se atrás. Sócrates mostra que não terá coragem para tomar medidas difíceis, ainda podem ficar com vergonha dele...


Sócrates mostra ainda que se preocupa tanto ou mais com a sua imagem que Santana Lopes. Santana repete eu, eu, eu por todo o lado. Sócrates também já lhe começa a apanhar o gosto. Vejo também um cartaz do PS a anunciar um cartão único, para evitar a burocracia. Talvez seja uma boa ideia, se bem pensada. Ou talvez seja apenas uma forma encarapuçada de garantir que o Estado esteja presente de forma mastodôntica nas nossas vidas para todo o sempre.

MC
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segunda-feira, janeiro 24, 2005

Campanha Eleitoral VII

De certa forma, estou rendido à maioria que me rodeia. Essa maioria é aquilo que eu chamo de salazaristas de extrema-esquerda. Querem o pior dos dois mundos, conservar o que é mau, revolucionar o pouco que está bem. Se o PS ganhar as eleições irei ouvir um menor número de barbaridades por dia. Se fossem os partidos da dita direita iria continuar a ser o inferno. Também espero que a administração Bush não faça mais intervenções militares, porque outra campanha de desinformação e de histeria compulsiva seria impossível de suportar.

Mas voltando à campanha... Sócrates e Santana sofrem do mesmo problema. São ambos boas pessoas, querem o melhor para o país e gostam de tomar decisões. É a receita infalível para a desgraça. Santana é uma incógnita e a prova que a direita não existe em Portugal. Boa parte das suas medidas seria vista, em teoria, com bons olhos por partidos de esquerda. Outra parte até os liberais podiam aplaudir. Sócrates é mais constante, é invariavelmente mau nas suas propostas. Tenho ficado aterrado com esta campanha. Cada vez que ouço alguém do PS falar espero sinceramente que esteja a mentir, a dizer coisas bonitas apenas para vender ilusões ao povo.

Os portugueses ainda não se desfizeram das ilusões dos contos de fadas. Ainda dividem os bons dos maus. Ainda acreditam numa complexidade mínima do mundo, que boas intenções têm bons resultados e naturalmente as más intenções levam à catástrofe. Contudo, a vida não é assim, a realidade é mais complexa. As pessoas não agem motivadas apenas pela razão, nem tal seria possível. A incerteza faz parte da vida e muitas vezes são vezes os mentirosos, invejosos e os cobertos de ódio que marcam o passo para os restantes.

Por isso ainda se acredita que basta alguém com boas intenções consegue fazer um trabalho fantástico. As promessas de distribuir riqueza ainda convencem muitos. E os que não são convencidos acham que as promessas não são cumpridas apenas pela má fé. Mas haverá coisa mais fácil que ser Robin dos Bosques? Roubar aos ricos é fácil, mas tornar-se um por mérito próprio é bem mais difícil. Mais difícil ainda é saber governar e abdicar do poder conscientemente por forma a que todos fiquem um pouco mais ricos.
Assinar um papel é fácil. Tantos milhões para os idosos ou mais uma auto-estrada sem portagens. Há dinheiro? Claro que sim, mais impostos, hipoteca-se o futuro, tudo em nome da solidariedade, haverá de dar frutos. Como é fácil distribuir, especialmente quando nunca se sofreu para criar riqueza. Como é fácil ser justo e altruísta com o dinheiro alheio. Como é bom ver os outros alegres quando se tem um saco sem fundo a onde se pode recorrer.
MC
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A arte da dúvida

Porque razão alguns intelectuais querem fazer crer que o liberalismo não é solução para os problemas que a falta de liberalismo causou?
MC
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sábado, janeiro 22, 2005

Campanha eleitoral VI

Vou se curto e grosso. Acabo de ver que o programa Eleitoral do PS diz que para cada e funcionários públicos que saiam apenas 1 entra. Haverá locais em que para cada 2 que saiam deviam entrar 2 ou 3. mas para a esmagadora maioria dos casos deviam sair 2 e não entrar nenhum, porque há gente a mais.

Só com uma grande dose de ingenuidade se pode achar que não há excesso de gente na função pública. Além do mais estamos à beira de uma situação gravíssima, que o PS se prepara para agravar também à custa dos meus impostos. Esta gente pelo que já fez e planeia fazer devia estar presa e não a preparar-se para governar!
MC
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quinta-feira, janeiro 20, 2005

Campanha eleitoral V

Sócrates promete o que acha que todos querem, porque também acha que o que todos dizem querer não é bem o mesmo que aquilo que acham que querem. Ou de forma mais compassada. Sócrates promete porque sente o anseio dos eleitores. Mas como sabemos, a democracia não serve para escolher os melhores para nos governarem mas para jogar fora aqueles que já não suportamos. O jogo é algo como “eu não digo a verdade e tu não admites a mentira”. Confuso? Sim, por isso não voto, para manter a sanidade mental.

Os jornais televisivos são uma coisa curiosa. Sabemos que ao ver ficção nos estão a vender uma ilusão. Contudo, facilmente esquecemos que os jornalistas fazem-nos o mesmo. Há partidos e figuras que são enaltecidos e outros denegridos. Há formas mais ou menos subtis de o fazer. Claramente BE e PS, neste momento, são favorecidos. CDS depende das amizades.

Antes de sair de casa assisti a duas peças de propaganda, em duplicado. Porque ambas mostravam reportagens de propaganda, no PSD e PCP, e por cima de cada peça os jornalistas faziam propaganda negativa. Em relação ao PSD não é preciso grande requinte. Neste momento basta lançar umas bocas para fazer soar uns “sininhos” na cabeça das pessoas. O partido que sai do poder tem sempre tudo contra ele, não há nada que tenha feito bem, nenhum mérito lhe assistiu. As esperanças que um dia viram depositadas em si são agora pertença do outro partido de poder.
Em relação ao PCP, é um “case study”. Inevitavelmente as reportagens mostram gente envelhecida, com ar enfastiado, pouco enérgico. Se possível, apanham-se rostos em expressões caricatas ou partes do discursos que soam a repetitivos e sem interesse. A mensagem é clara, o PCP tem de parecer velho e a caminho da inexistência, não se juntem a ele. Vejam o BE, tão mais enérgico, engraçado, com tantas raparigas giras, com sexo e drogas. Não é tão excitante?

MC
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segunda-feira, janeiro 17, 2005

Campanha Eleitoral IV

O CDS lançou os seus cartazes. Retive na memória aquele que diz algo como “voto útil”. Como se vê, não foi a mensagem que retive na memória mas sim os desígnios semióticos do cartaz. Ou seja, a cara de Paulo Portas mesmo no centro do cartaz e o que isso significa. Centrar o objecto principal numa fotografia é algo que se desaconselha a todos os principiantes, porque a imagem fica monótona, pouco dinâmica, o olhar fica fixo num só ponto, causando pouca interactividade com quem está a ver. Mas há excepções, por vezes isso dá jeito. Ora, quando se quer precisamente que o olhar se fixe num local e não saia de lá, ser esse ponto todo o fulcro da atenção.

Não restam dúvidas da mensagem a passar: Paulo Portas é o centro do partido. Mas a foto está ainda com uma exposição acima do correcto, ou dito de outra forma, tem mais luz do que o normal. Isto quer dizer que Paulo Portas não só é o centro, como o centro luminoso. Por razões eleitorais, há uma necessidade (é uma crença...) de colocar tudo dependente de um indivíduo. Um rosto para os eleitores se identificarem. Contudo, no CDS isso faz com que tudo o resto seja asfixiado, por ser levado ao extremo. O que é mau para a democracia, porque isso implica a ocultação de outros membros do partido, assim como as suas próprias ideias. Num país como o nosso tão inclinado à esquerda, é mau que não haja um pouco de direita a sério.

Confesso que no resto da campanha (que ainda não começou, é claro), a minha atenção é quase só dedicada ao que diz Sócrates e outros membros do PS. Porque realisticamente é quem vai ganhar e é preciso saber com o que contamos. Confesso que me tem horrorizado. Sócrates promete 200 milhões de euros para os idosos. Sim, “apoiadíssimo”, se isso significasse cortar em subsídios, em gastos supérfluos, em retirada do estado de funções que não lhes cabe, e até mesmo de outras prestações sociais. Mas não, esse dinheiro virá de uma melhor cobrança fiscal, afirma-nos. Quer pagar um promessa com um acto de fé, fica-lhe bem, somos um povo que gosta de acreditar.

Mas ao menos os portugueses não são enganados. O PS promete mais despesa pública, mas também deixa claro que as fontes de receita não estão garantidas. Fiam-se num crescimento económico de 3%, numa melhor cobrança fiscal, numa melhor gestão. Provavelmente também se fiam em subidas encobertas de impostas (chamados de reajustes, sobe-se uns e descem-se outros ), mas isto não dizem. Também se fiarão na memória curta das pessoas, e têm sempre as desculpas internacionais. Se correr mal, é porque a Europa não dá dinheiro suficiente e não nos deixa gastar muito, ou os chineses destoem a nossa industria, ou os americanos fazem petróleo subir de preço. Mas a melhor desculpa já se está a ver qual será. Receberam uma pesada herança da coligação PSD/PP.

Santana Lopes questionou sobre as incoerências do discurso de Sócrates. Tem toda a razão, sim senhor. E Jorge Coelho respondeu de forma bem elucidativa. Santana é o rei das trapalhadas. Ou seja, a confiança é tanta que basta atacar o homem, nem vale a pena argumentar. Esta arrogância do PS, de já não lhes restar qualquer dúvida da vitória ,também não é bom augúrio. O PS acha que vai governar em estado de graça, começar a distribuir dinheiro fácil, agradar a todos. Porque será que pressinto que, daqui a uns anos, Sócrates vai ser uma das pessoas mais odiadas em Portugal?
MC
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sexta-feira, janeiro 14, 2005

Campanha Eleitoral III

Tinha dito anteriormente que o cartaz do PS estava bem feito. Escolhi mal as palavras. O que achava eficaz no cartaz era a mensagem referida. De facto, as pessoas esperam sempre uma alternativa salvadora do próximo governo, para uns meses depois desse governo ser eleito, já ter caído em desgraça. Há 30 anos que andamos nisto. Contudo, tecnicamente é um mau cartaz em termos visuais. A fotografia de Sócrates parece tirada para o BI, vista de frente com um “chapanço” de luz frontal. Há demasiado corpo e a expressividade é pouca. As cores utilizadas são também mortiças e não entusiasmam.

Já o cartaz do PSD, com a figura do Santana Lopes, é incomparavelmente superior. A fotografia foi pensada e cuidado, num estililo clássico. Um lado do rosto à luz, outro à sombra. Santana aparece só com parte do rosto, cabeça cortada, apenas o essencial para mostrar a expressividade. Delineia-se um fundo com as cores da bandeira, Santana sobre o verde, já que sobre o vermelho o resultado não seria o mesmo. O próprio fundo não é regular, a transição verde/vermelho é oblíqua, o que confere mais dinamismo e há um ligeiros ondulados que provocam sombras, conferindo assim uma aparência bem mais orgânica e agradável. Percebe-se o sentido da mensagem, tudo e todos estão contra Santana. Contudo, a mensagem é ineficaz por uma simples razão. As pessoas que estão a ver o cartaz em geral também são do grupo dos que estão contra, por isso imediatamente se fizeram múltiplas versões do cartaz a parodiar a situação do governo.

Por isso, entre o mau cartaz do PS, mas que tem uma mensagem que diz bastante às pessoas e um bom cartaz do PSD que não convence pela mensagem, conclui-se que a imagem não é tudo.

O cartaz do PCP é mais subtil do que parece. É certo que quase ninguém liga ao que o PCP diz, preferindo o estardalhaço do BE pela presumível “irreverência”. Mas acho que merece uma análise. É dito que o voto na CDU é o que promove as mudanças a sério. Um pouco de sentido crítico vê aqui uma grande incongruência entre a mensagem e a prática. Como podem eles falar em mudar quando repetidamente se opõem a todas as mudanças? No entanto, esta análise é simplista. A mensagem do PC tem de referir sempre algo mostre a sua essência. Falar em revolução, nos dias que correm, é algo excessivo. Por isso, fica-se pelo conceito mais suave das mudanças a sério. Contudo os PC é conhecido essencialmente por não querer mudar. A razão é simples. As ideias e práticas do PC estão fortemente implantadas em Portugal, especialmente devido ao PREC. Por isso, mudar significa deitar abaixo algo que o PC construiu por imposição. Claro que a versão oficial diz que é preciso mudar para combater a ofensiva de direita neoliberal fascista.

Ainda não vi nenhum cartaz do CDS/PP. Vi sim Paulo Portas num dos seu números fazendo CDS o acrónimo de Competência, Dedicação e a do S não me lembro (Solidez, Solidariedade, Sabujice, Sandice?) Acho que estes jogos de palavras estão a ficar anacrónicos. Eram bons para um tempo em que as pessoas de divertiam com pouco e achavam piada a qualquer infantilidade. Paulo Portas é um político indefinido, indeciso entre voltar ao estilo anterior, populista mas enérgico, ou entre um nova postura de Estado, mas amorfa.

MC
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Pobres e ricos III

No primeiro post desta série abordei características gerais da sociedade, dizendo que, em geral, tínhamos um desempenho razoável. Podia também abordar pela óptica dos corolários invocados, na sequência: igualdade entre sexos, ausência de discriminação por raça ou credo, privilégio da racionalidade sobre a crendice. Estes corolários na nossa sociedade também serão cumpridos em parte. Dou especial ênfase às mudanças ocorridas, porque há poucas décadas atrás estávamos bastante mal nestes itens. Prevejo também que o futuro ainda reserve uma maior aproximação ao “ideal”, de forma gradual, porque são mudanças de natureza lenta e com possibilidade de refluxos.

Contudo, no segundo post desta série, quando passei para as características mais institucionais, o optimismo que poderia ter, desvaneceu-se completamente. Em quase todos os itens referidos, estamos longe do ideal e em alguns casos parecemos regredir. Na altura não mencionei, mas o autor refere também alguns corolários para esta série de características “institucionais”, caso fossem cumpridas. Esses corolários falam duma sociedade honesta, com uma elevada mobilidade geográfica e social, que dá mais valor a quem arrisca do que a quem joga pelo seguro, que não tem cotas mas é equitativa, que tem uma classe média numerosa, quase sem fronteiras de classes.

Parece-me que estamos bastante longe de cumprir estes corolários. Talvez o único que cumprimos será o de termos uma classe média numerosa, mas até isso pode ser uma ilusão. Porque a nossa classe média, na qual se englobam quase todas as famílias, será mais média baixa. Além disso, apesar de não termos castas, as fronteiras entre classes são bem perceptíveis.


Achei interessante fazer estas transcrições porque, apesar de não dizerem nada que seja grande novidade, a sua organização fez-me tirar uma conclusão que, de certa forma, me surpreendeu. O que concluí é que as razões fundamentais do nosso atraso estão quase todas relacionadas com questões institucionais, quer com o sua organização e âmbito, que com o seu desempenho, quer com o respeito que temos por elas.

Mais à frente, Daniel S. Landes afirma que «Nenhuma sociedade alguma vez atingiu esse ideal na Terra.» Poderia também dizer que este “ideal” é considerado por muitos uma coisa medonha, a evitar a todo o custo. A primeira série de características e seus corolários tornaram-se num “must” do politicamente correcto, apesar da sua prática não ser assim. Já a segunda parte, que implica uma reforma das instituições e da forma como para elas olhamos, é um caso bem mais complicado. Talvez uma das características mais irritantes dos portugueses, e que lhes retira quase toda a credibilidade, é estarem constantemente a lamentar-se e a clamarem por mudanças, apontando inúmeras soluções alternativas. Contudo, quando se anunciam algumas mudanças, por mais ténues que sejam, logo todos se apavoram e temem pelo apocalipse. E aquilo que anteriormente era mau e a evitar, passa a ser algo que estava bem e não se devia mudar.

MC
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quinta-feira, janeiro 13, 2005

Pobres e ricos II

No post anterior foram enunciadas algumas características que iam para além das instituições. É certo que delas não são totalmente independentes, mas não são uma sua emanação natural. Neste post continuo a citar David S. Landes, no seu livro “A Riqueza e a Pobreza das Nações”, na prosseguimento anteriormente transcrito, agora voltando para questões mais institucionais, que comentarei caso a caso.

«Tal sociedade teria também o tipo de instituições políticas e sociais que favorecem a realização desses objectivos mais ambiciosos; por exemplo,

1. Garantiria os direitos da propriedade privada, a melhor para encorajar a poupança e o investimento.»


Em geral os direitos da propriedade privada são respeitados em Portugal.

2. «Garantiria os direitos da liberdade pessoal – garantias contra abusos da tirania e contra a desordem privada (crime e corrupção).»

Aqui começamos a piorar. Não temos nenhum tirano que nos subjuga, mas a vida privada é algo que os jornalista começam a colocar em causa, e lentidão da justiça nada faz para contrabalançar isso. As mesmas falhas da justiça faz com que oc rime e a corrupção raramente sejam punidos a tempo, se é que o chegam a ser. Mas convém não exagerar, não somos um país dominados por “gangsters”.

3. «Imporia a obediência aos direitos de contrato, explícitos e implícitos.»

Aqui mais uma vez a justiça falha. Mas é difícil contabilizar aquilo que se perde, porque não se tenham dúvidas que se perde. Penso sobretudo em termos de empresas, em quantas não se desenvolvem mais ou abandonam o país. Ou daquelas que não põem cá os pés porque sabem que se forem burladas nunca mais verão o seu dinheiro.


4. «Proveria à instalação de um governo estável, não necessariamente democrático, mas ele próprio dirigido por regras de conhecimento (um governo mais de leis do que de homens). Se democrático, isto é, baseado em eleições periódicas, a maioria vence mas não viola os direitos da minoria derrotada, ao passo que os perdedores aceitam a sua derrota e aguentam que uma nova oportunidade se lhes ofereça da próxima vez nas urnas.»

Por aqui também não estamos bem. Tivemos muitos governos desde o advento da democracia, basta lembrar dos 3 últimos que foram abortados. Claramente, os governos são mais de homens do que de leis. Há uma clara relação amor/ódio com os governantes, um desprezo pelo parlamento. Os próprios governantes se assumem como salvadores e os deputados do seu partido como seus capachos.

Já sobre a aceitação das regras democráticas, aparentemente elas são respeitadas por quem ganha e por quem perde. Na noite das eleições o derrotados admitem a vitória alheia e os vencedores chegam a elogiar os derrotados e a dizer que contam com eles para melhorar Portugal. Contudo, a prática do dia a dia não é assim tão cordial. Cada decisão é combatida das mais diversas formas, muitas delas pouco claras, outras através de pressões mediáticas, e por vezes não se percebe bem quem tem mais poder: o governo ou a oposição.


5. «Dotaria o governo de sensibilidade para ouvir queixas e fazer correcções.»

Se pensarmos nos casos singelos, do típico cidadão que tem um problema e se dirige a uma repartição pública, todos sabemos e passamos por inúmera casos em que somos mal tratados. Mas nem tudo é mau. As Lojas do Cidadão concentram em si uma data de serviços que se encontravam dispersos e são uma clara melhoria.

Mas em geral o Estado é uma centopeia com as pernas tão trocadas que por mais queixas que ouça não consegue fazer alterações. Mas isso não acontece para todos os casos. Há queixas que ganham uma maior relevância. O importante não é se algo de fundamental se passa ou de um acontecimento de gravidade extrema possa ocorrer, mas sim se os media a tornaram uma questão determinante. Nesse caso, os membros do governo apressam-se a dizer que tomarão medidas e os da oposição gritam irados por ainda não ter sido nada feito. Muitas vezes perdem-se meses e rios de dinheiro assim, por ninharias tantas vezes abençoadas pelos intelectuais deste país.

6. «Proveria um governo honesto, de modo que os agentes económicos não fossem estimulados a ter vantagens e privilégios dentro ou fora do mercado. Em linguagem económica, não devem existir brechas para alcançar favores e posições.»

O nosso governo não só concede privilégios como vai para Bruxelas mendigá-los. As distorções de mercado são consideradas normais, chamadas de incentivos à modernidade e ao combate ao desemprego. Vários grupos pedem-nos às claras sem verem isso como algo de prejudicial.


7. «Estabeleceria um governo moderado, eficiente e não ganancioso. O propósito seria o de manter os impostos baixos, reduzir a pretensão do governo sobre o excedente social e evitar privilégios.»


Pela dimensão do Estado, a quantidade absurda de funções que desempenha e a inevitável ineficiência, não se pode dizer que o governo seja ganancioso mas antes desesperado por obter fontes de financiamento. Paradoxalmente, sucessivos governos não mostram grande preocupação com o aumento dos gastos. Sabem que subir impostos é impopular, mas não se coíbem de ir aos bolsos dos contribuintes de formas que não sejam tão visíveis.

MC
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quarta-feira, janeiro 12, 2005

Pobres e ricos I

No livro “A Riqueza e a Pobreza das Nações” (Daniel S. Landes), estão enunciadas duas séries de características que uma sociedade teria de cumprir para maximizar a sua capacidade produtiva. No livro elas são introduzidas por alturas da revolução industrial, mas acho que podia analisar essas características para o Portugal de hoje. Neste post abordo a primeira das séries.

«Comecemos por delinear o caso ideal, a sociedade teoricamente mais bem preparada para atingir o progresso material e o enriquecimento geral. Tenha-se em mente que essa não é necessariamente uma sociedade «melhor» ou «superior» (palavras que convém evitar), mas que está simplesmente mais capacitada para produzir bens e serviços. Essa sociedade ideal de crescimento-e-desenvolvimento seria a que:

1. Soubesse como utilizar, administrar e construir os instrumentos de produção e como criar, adaptar e dominar novas técnicas na fronteira tecnológica.

2. Fosse capaz de transmitir esses conhecimentos e know-how aos jovens, quer por educação formal, quer por treinamento de formação.

3. Escolhesse as pessoas para preencher funções por competência e mérito relativo: promovesse e rebaixasse com base no desempenho.

4. Proporcionasse oportunidades para empreendimentos pessoais ou colectivos: encorajasse a iniciativa, a competição e a emulação.

5. Permitisse às pessoas desfrutar dos resultados do seu trabalho e iniciativa.


Esses padrões envolvem certos corolários: igualdade dos sexos (duplicando por conseguinte o leque de talentos); nenhuma discriminação na base de critérios irrelevantes (raça, sexo, religião, etc.), igualmente a preferência pela racionalidade científica (meios-fins) sobre a magia e a superstição (irracionalidade).»

Penso que cumprimos razoavelmente estes pontos. Claro que estamos longe do ideal. Acho interessante os corolários aqui invocados. Certamente é discutível se as coisas assim se passam. Mas as vertentes económicas de uma sociedade, nomeadamente no maior ou menor liberalismo, costumam ser desprezadas ou vistas como coisas estanques. O que se aqui se afirma é que uma maior abertura em questões económicas conduz a uma maior abertura em termos sociais. De forma idêntica, já muitos ressaltaram que reduzindo a liberdade económica, todas as outras liberdades acabam por ser minadas.
MC
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segunda-feira, janeiro 10, 2005

Campanha eleitoral II

A campanha eleitoral está de volta, para nos alegrar com o fino humor com que nos tem habituado ao longo dos anos. As principais pérolas são os cartazes, agora vulgarizados como outdoors. Espero com ansiedade todo o desenrolar que os criativos políticos nos disporão. E não me enganam, eles não querem o meu voto, apenas o meu riso.

O cartaz do PSD, abortado, foi o bombo da festa. A figura de Santana Lopes no meio de outros primeiros ministros de Portugal sabia a falso. O actual governo queixa-se de não ter tido tempo para realizar as propostas que tinha na calha, e nisso pode se queixar com alguma razão de lhe terem tirado o tapete. Mas sendo assim, Santana Lopes nunca poderia estar no lote das pessoas que fizeram mais pelo país, porque se queixa exactamente de não o terem deixado fazer tal coisa. A recusa de Cavaco Silva em aparecer no cartaz torna a coisa ainda mais caricata. Contudo, com estas críticas, a mensagem do cartaz acaba por não ser contestada. De certa forma, parece que se admite que foram mesmo figuras do PSD que fizeram mais pelo país. Aqui está um exemplo em que a crítica revela falta de sentido crítico.

Mas os partidos ricos, ou seja, os de esquerda, não podiam ficar parados por muito tempo. O cartaz do PS é aquilo que eu acho de uma coisa bem feita mas que, pura e simplesmente, não concordo. Não concordo porque a mensagem é que um partido e um homem trazem consigo a esperança. Assumem-se como salvadores, como se fossem capazes de fazer a diferença. Mas parafraseando Mises, o que os políticos têm de perceber muito bem é aquilo que NÃO devem fazer. Especialmente nesta altura, mais que nunca, os portugueses devem ganhar a consciência que a diferença é feita por cada um de nós, de forma activa. O tempo dos salvadores já devia ter passado, é tema com 2000 anos. Tenho consideração pessoal por Sócrates, mas as suas boas intenções não me deixam nada descansado.

O cartaz do BE mantém o nível a que nos tem habituado. É caso para dizer que não deixam escapar uma. Santana e Paulo Portas a sorrirem e mais 200 mil no desemprego. Não sei exactamente o que isto significa. Cada gargalhada são 5000 novos desempregados? Então a cura dos nossos males é termos governantes tristes e sorumbáticos? Bem sei que não é isto que se quer transmitir, mas o que está implícito tem tanto sentido como este raciocínio.

Espero para ver o cartaz do PCP. O novo líder, que ficou célebre há uns anos atrás por ter bebido uns copos e ter dançado em cima de umas mesas (era candidato Às presidenciais), é agora denegrido por ter sido operário. Contudo, penso que o subestimam. Tem-se mostrado bem mais dinâmico e em cima dos acontecimentos que Carlos Carvalhas. Vamos ver se há alguma novidade por estes lados.

CDS/PP é outra incógnita. O estilo de outras campanhas era tipicamente irresponsável, de quem não metia as mãos na massa e podia falar com toda a naturalidade que a irresponsabilidade permite. Será que a experiência governativa altera algo? Penso que agora vai ser complicado voltar ao estilo “popularucho”. É também uma boa altura para perceber se este continua a ser um partido de uma pessoa só.

MC
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Escolas de jornalismo

Não percebo a razão da existência de escolas de jornalismo. Duas semanas depois da catástrofe no sudeste asiático, a comunicação social continua a usar temos como terramoto, maremoto e tsunami de forma indiscriminada. Esta gente não aprende nada nos cursos de jornalismo, nem que se deve perder 5 minutos a procurar o sentido de termos de uso corrente? Começo a pensar que estes cursos mais não são do que o ensino de propaganda e exploração do sentimentalismo. E nisso não são maus de todo...
MC
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sexta-feira, janeiro 07, 2005

Campanha eleitoral I

Se fosse Sócrates ou Santana Lopes acho que tinha apenas duas opções: Tentar perder as eleições para não enfrentar a verdade; Perder as eleições por dizer a verdade.

A primeira opção é temporal. Ganhar as eleições por uma questão de ter o poder. Com o poder pode-se tentar fazer coisas (criar, gerir ou distribuir), mas também se é alvo de escárnio permanente. Como estamos numa situação quase limite, as possibilidades de fazer algo construtivo são poucas e ninguém quer estar associado ao governo sobre o qual o país abriu banca rota. Por isso, pode ser tentador querer perder e ficar confortáveis na oposição a fazer o papel de santos.

A segunda opção prende-se com dizer a verdade. E a verdade, começando pelo início, é clara. O estado natural de um agregado de pessoas é a pobreza, a miséria e a difícil sobrevivência. Apenas reunidas condições se pode progredir. A segunda parte da verdade é que Portugal não tem condições para manter o actual nível de vida. Como tal, tende para o estado natural, ou seja, a pobreza. Vamos ser pobres, diz o político honesto...

MC
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terça-feira, janeiro 04, 2005

Esquizofrenia

A catástrofe natural no sudeste asiático tem sido um óptimo pretexto para falar mal dos americanos. Não sei como ainda não tentaram relacionar a recente vitória de Bush para a presidência com o maremoto, nem que fosse de forma metafórica. A estratégia da crítica é simples, preso por ter e não ter cão. Primeiro, os EUA não ajudavam o suficiente, como se fosse competência exclusiva da administração Bush conceder auxílio. Mas quem está habituado a uma república das bananas (e a deseja, no fim de contas), nem pensa que os 350 milhões de dólares aprovados para auxílio tiveram que ser votados pelo congresso, imagino eu que com um plano explicitando como essa verba seria aplicada.

Depois, não se podia negar, os EUA eram mesmo um dos maiores contribuintes. Os malvados! Como se atreveram, a lançar mais uma manobra imperialista, que explora a miséria daquelas pobres pessoas e vai tornar o seu futuro mais negro que nunca. Mas será isto apenas mais slogan sem conteúdo? Não senhor, porque ele consegue ser mais explícito, no brilhante espírito chomskyano, que tudo sabe e tudo consegue prever e nunca teve necessidades de dizer que se enganou. Aliás, quando as previsões desta gente saem falhadas, ou é porque alguém (um espírito revolucionário, com certeza) as deteve a tempo, ou então é apenas porque os malvados dos gringos se estão a resguardar para algo muito pior.

Confesso que não consigo apanhar todo o sentido à argumentação desta gente, defeito meu, só pode ser. Consta que há um paralelo entre Cuba e os países afectados. Esses países, tal como Cuba antes da gloriosa revolução, são centros de jogo e de turismo sexual, controlados pelas multi-nacionais e, claro, o grande satã, EUA. Depois esta “ajuda” dos americanos, já se sabe o que é. Ajudam agora e depois mais tarde vão pedir tudo e mais alguma coisa. Pedir não, exigir, porque esta gente é mesmo ruim. Entretanto, a única preocupação dos americanos é restituir as infra-estruturas essenciais, para os capitalistas poderem voltar lá em peso e comer todas aquelas criancinhas que se vendem por tuta e meia.

Este tipo de raciocínios, que já vi ser desenvolvidos à minha frente, não sei bem o que espelha. Chamei a este post esquizofrenia, porque acho que é o que mais se aproxima, é uma doença e já aprendi por minha conta que não vale a pena tentar argumentar em sentido contrário. São pessoas que acham impossível alguém ajudar só por um impulso de querer ajudar, e são bem claras. O dinheiro delas não sai do bolso, porque já sabem muito bem para onde vai, e não é para ajudar os pobres coitados.


Longe de mim pensar que todas as ajudas são desinteressadas, que não há corrupção e desperdício. Mas o que seria se todos fossemos cínicos e achássemos que não vale a pena? Voltaríamos ao início, os “esquizofrénicos ideológicos” seriam os primeiros a apontar o dedo. Aliás, são sempre os primeiros a apontar o dedo, seja em que situação for.

MC
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segunda-feira, janeiro 03, 2005

Em 2005...

... Pretendo falar mal dos seguintes items:

- Portugal, em geral;
- Europa;
- Os franceses, se me lembrar que ainda existem;
- Todo o processo eleitoral;
- Futebol, especialmente por o meu clube não ir ganhar nada;
- Da esquerda;
- Da direita, por ter vergonha de existir;
- Dos jornalistas, por todas as razões;
- Dos americanos, por ainda pensarem que aprendem alguma coisa com os europeus;
- Do terrorismo, para contrapor à maioria que prefere falar mal das vítimas;
- Dos espanhóis, por serem melhor que nós em tudo excepto na gastronomia.

Se tiver algum tempo livre, pode ser que apresente também algumas ideias mais construtivas...

MC
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