sexta-feira, junho 22, 2007

O desinteresse em relação à política

O actual desinteresse geral pelas questões políticas é uma situação de risco. Apesar de vivermos situações que não auguram nada de bom ou talvez por isso mesmo, a nossa época é bastante interessante para fazer análise política. Até há pouco tempo o desinteresse parecia ser apenas pela vida partidária. Convenhamos que esta não se tem mostrado dignificante. Se retirarmos a estas lides os insultos entre partidos ou entre facções do mesmo partido, a demagogia em relação aos eleitores e as manobras de bastidores ou encenações públicas em busca de poder, não irá sobrar muito mais.

Contudo, têm aparecido indícios de que este desinteresse não só é mais vasto como alvo de militância. Convém lembrar que originalmente a política correspondia tudo o que se referia à “polis”, pelo que a afirmação de Aristóteles de que o homem é um animal político quer dizer, antes de mais, que o homem é um animal social. E se o homem está condenado a viver em sociedade isso leva-o forçosamente a debruçar-se sobre as questões políticas, sob pena de aderir voluntariamente à alienação. Este alheamento deliberado da coisa pública significa a perda de ligação ao outro, no máximo os laços permanecerão dentro de um estreito grupo composto por familiares e amigos. Se é certo que a “mão invisível” pode fazer milagres mesmo entre egoístas e gananciosos, é imprescindível um nível mínimo de confiança para uma sociedade poder funcionar.

A atitude de alienação em relação à política que mais apreensão devia causar prende-se com a ideia de que os governos devem ter poderes quase ilimitados porque foram legitimados pelo voto. Existem aqui algumas reminiscências ideológicas, já que se concede estas veleidades com muito maior facilidade a governos ditos de esquerda do que a outros conotados com a direita. Basta atentar no à vontade que se fala desta legitimidade totalitária conferida pelo voto em relação a Sócrates, Hugo Chávez ou Salvador Allende, enquanto o voto parece ter perdido toda a validade quando consagrado aos anteriores governos PSD/CDS, a George W. Bush ou a Margaret Tatcher. É provável também que esta vontade de dar poderes quase ilimitados a este nosso governo advenha, em parte, de uma saturação em relação a políticos sem coragem, que adiaram constantemente decisões importantes e se encolheram face à pressão das "ruas". Mas tal como o medo não é bom conselheiro, o alívio também não. E quando existe uma confiança ilimitada em relação ao poder é porque a confiança horizontal, entre iguais, se perdeu, o que prenuncia uma derrocada civilizacional. Os sinais de excessiva tolerância em relação aos abusos de poder são preocupantes.

Quando o governo de Sócrates tomou algumas decisões (ou as fez anunciar) em relação à Saúde, à Educação ou à Segurança Social e mostrou que não ia arredar pé, algumas hostes animaram-se e não hesitaram em classificar este governo de reformista. Mas rapidamente se percebeu que a marca deste governo não era o reformismo, uma vez que nada de fundamental se alterou ou está previsto modificar-se, mas sim o autoritarismo. Aqueles que fingem acreditar que este autoritarismo é a única forma de desbloquear o país, e por enquanto ainda estão neste grupo a maior parte dos portugueses, arriscam-se a passar um cheque em branco com consequências imprevisíveis.

Ou talvez não tão imprevisíveis quanto isso. Uma delas é o custo de um novo aeroporto. O governo e o PS sentem, ainda, que podem dizer e fazer o que quiserem sobre isto. Não é só o ministro Lino e as suas contradições e desvarios rotineiros. Esta semana um deputado do PS no parlamento falava na total inviabilidade da solução Portela + 1, numa altura em que se admite que essa solução ainda nem foi estudada com a devida profundidade.

Mas pode haver ainda um preço mais elevado a pagar, a própria liberdade. Ao governo não bastou ter uma comunicação social amestrada. A história do diploma de Sócrates revelou algo bem pior que as eventuais trapaças que possam ter ocorrido. Em qualquer país que tenha respeito por si mesmo, as tentativas que o governo fez de impedir a publicação em jornais de notícias sobre o caso seriam consideradas gravíssimas. Mas a situação que envolveu o autor do blog Portugal Profundo como arguido é paradigmática. É evidente que Sócrates não pretende esclarecer nada em tribunal, quando o caso chegar a esta instância já ninguém se vai lembrar. O que pretendeu foram os efeitos imediatos, ou seja, intimidar não só o autor do blog visado mas todos os outros que não mostrarem respeitinho.

O desinteresse pela política, como não podia deixar de ser, interessa aos maus políticos. Estes não temem acusações generalistas de que “eles são todos iguais”, pois conseguem ainda ter a lata de dizer que estão ali, ao contrário de outros, para servir e não para se servirem da política. Não se deve subestimar um mau político que chegou ao poder. Se ali chegou teve de ultrapassar muitas barreiras, ultrapassar inúmeros revezes, fazer alianças, trair, manipular, mentir com um sorriso cândido no rosto. A ultrapassagem de sucessivas etapas, que a sua inicial e patente mediocridade nunca faria supor serem possíveis, provoca uma estranha admiração e tentação de rendição ao "inevitável". E é nesta altura o ser humano revela o pior de si, a subserviência ao poder apenas porque qualquer outra opção acarreta maiores riscos.

MC
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