sexta-feira, setembro 14, 2007

Guerra cultural (8)

A OUTRA GLOBALIZAÇÃO

A globalização é normalmente entendida de forma primária como um fenómeno essencialmente económico e de tentativa de hegemonia do modelo cultural ocidental, em especial a vertente americana. Quem nos diz isso são precisamente aqueles que representam o lado mais negro da globalização, isto é, progressistas de toda a ordem e terroristas. Perceber que a globalização é uma grande “oportunidade de negócio” para o terrorismo é elementar. Basta pensar nas sociedades abertas, nas facilidades de deslocação para qualquer parte do mundo em apenas algumas horas e no medo global que se pode criar através dos meios de comunicação social.

Em relação aos progressistas a coisa não é tão evidente, paradoxalmente também por a sua acção ser omnipresente. A maior parte dos projectos revolucionários sempre teve vocação internacionalista. As correntes marxistas sempre apostaram na expansão da revolução, é certo que através de estratégias diferentes, mas sempre com o objectivo de realizar o império ideológico. Antes da queda do muro de Berlim, metade do mundo tinha regimes socialistas e a restante era composta por países cujas elites eram na sua quase totalidade progressistas (marxistas-leninistas, estalinistas, maoistas, trotskistas, etc.)

Quando o muro desabou foi como um dique que rebentou e trouxe, do outro lado da cortina e ferro, uma corrente que por momentos parecia levar algum realismo às elites ocidentais. Caindo o descrédito sobre o socialismo real, vaticinou-se o fim da história sem se perceber que a mentalidade revolucionária continuava intacta, precisando apenas de fazer uma travessia no deserto para se voltar a encontrar a si mesma. Este retiro espiritual serviu para reconhecer os erros do passado. O capitalismo era ainda o inimigo a derrotar mas não da forma brutal tentada no passado com a eliminação da propriedade privada sem ter o “homem novo” ainda preparado. O capitalismo teria agora de ser tratado como se trata uma mulher que não presta mas é gostosa. Primeiro a gente usa e só depois joga fora.

A vantagem desta estratégia era que todos podiam continuar a ter a mesma vida de sempre porque as mudanças iriam ser graduais e aparentemente espontâneas. A ideia em voga nos anos 90 do século passado da Aldeia Global colocava uma pressão de novos desígnios. Mas havia ainda que rever um erro do passado. As pessoas andavam um pouco desconfiadas de quem lhes prometia sistemas perfeitos, por isso optou-se pela estratégia do medo para criar um verdadeiro movimento planetário. Esse desígnio é encabeçado pela luta contra o aquecimento global. Este problema, se realmente existisse, só poderia ser combatido de forma concertada tendo o Protocolo de Quioto sido o primeiro passo nesse sentido.
As ideias de criar um governo mundial não vingaram há umas décadas atrás, o momento não era o certo. Agora já existe um pretexto melhor. Promete-se a salvação em troca da transferência de poder da periferia para o centro. Desta forma as autarquias perdem poder em relação aos estados e estes em relação às uniões. A ONU gentilmente oferece-se para ser o repositório último. As fronteiras vão ser abolidas, se não formalmente pelo menos na prática. As identidades nacionais também, entretidas em democracias que apenas regulam poderes inócuos. Em troca oferece-se uma nova identidade global, uma espiritualidade “new age” e um projecto de religião única, um misto de paganismo e cientismo, com reminiscências das antigas tradições espirituais para que a adesão de novos fiéis seja voluntária. Nem Marx sonhava fazer tanto em tão pouco e quase sem esforço algum.
MC
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