sexta-feira, maio 18, 2007

Nem sempre previsível

MINI ENSAIO, SEM APOIO BIBLIOGRÁFICO, SOBRE POLÍTICA E RELIGIÃO

O que torna a discussão política desinteressante em Portugal é a sua previsibilidade. Dir-se-ia mesmo que o debate político e respectiva prática estão vedados àqueles que não se sabe, de antemão, o que irão dizer ou fazer. Apesar da constante lamúria sobre o estado da nação e das inevitáveis medidas sempre adiadas, quando algum governante propõe alguma alteração concreta a contestação supera sempre o desejo de mudança. O povo português é como uma criança que pede um brinquedo de forma insistente e, quando lho dão, diz que não gosta.

O que os pais modernos desconhecem nos seus filhos são os seus verdadeiros anseios, que não passam por um sucessivo realizar de desejos imediatamente materializáveis. O que as crianças realmente querem é que alguém da sua confiança lhes traduza as suas motivações e inquietações, já que eles não têm ainda as ferramentas intelectuais e emocionais para o fazer. No fundo, as crianças necessitam que os pais a introduzam no mundo da filosofia. Igual anseio tem o povo adulto, nada mais espera que uma figura de referência lhes aponte o sentido da vida. Por isso as pessoas acabam por desprezar os políticos que descem “ao seu nível”, já que isso lhes furta a expectativa de transcendência, e acabam por respeitar aqueles que lhes batem o pé, como José Sócrates, Cavaco Silva ou António de Oliveira Salazar.

Claro que a função da política não é apontar para o sentido da vida, é definir soluções para a «coisa pública» e não para a “coisa íntima”. Esta dupla função que os governantes acabam por assumir advém do nascimento do Estado moderno, que concentrou todo o poder na figura do déspota iluminado. A formação do Estado moderno baseou-se numa inversão de prestação de contas entre órgãos de poder. O soberano passou a prestar contas directamente a Deus e só a Ele, deixando de se sujeitar a quaisquer ditames do Vaticano ou de outras ordens religiosas.

Contudo isto não configurou uma separação de poderes. Foi Cristo o primeiro a separar o que era de Deus do que a César pertencia, esperando divulgar a doutrina do primeiro sob a protecção terrena do segundo. Se bem que o papado não tenha sempre se guiado por estes ditames, nunca conseguiu ter verdadeiramente sobre a sua alçada o poder secular. Na formação do Estado moderno, o poder religioso apenas conseguiu sobreviver se fosse um instrumento do poder secular. Esta “real politik” do Vaticano mas também das forças protestantes, acabou por ditar, a prazo, a descredibilização da religião cristã. Ainda hoje a Santa Inquisição é vista como sendo algo gerado e gerido unicamente pelas ordens religiosas, quando foi um poderoso instrumento das forças temporais na subjugação da alma humana para seu próprio proveito, com uma cobertura de religiosidade. O odioso caiu unicamente sobre Deus, mas os proveitos foram inteiramente para César. E assim, César passou a ser Cristo.

Que evidências temos de que esta versão está mais próxima da verdade que a comummente assumida? Desde logo, a protecção deixou de se pedir à divina providência mas ao Estado, que passou a ter o exclusivo. A fé também já não está numa vida maior depois da morte mas na validade do assistencialismo prestado pelo Estado. E quem define hoje em dia os dogmas, as heresias e as formas de expiar os pecados são os políticos e não os padres. Quando os estatistas actuais pugnam veementemente pela separação entre Estado e Igreja, o que realmente querem é o monopólio da simbologia religiosa. Defendem que o Estado deve ser laico, o que é desejável, mas interpretam isso como a necessidade de uma série de medidas anti-clericais. O objectivo é que a vivência religiosa passe a ser como a sexualidade, apenas tolerada se afastada dos olhares de todos ou, no máximo, como uma curiosidade folclórica, inócua, para turista ver.

O fim último é restringir qualquer poder de influência que o cristianismo possa ter. A missão do Estado está praticamente concluída neste aspecto, o cristianismo é visto pela maior parte das pessoas como uma curiosidade não muito diferente da astrologia. A maior parte dos cristãos envergonha-se de assumir a sua condição. Para os ateus fanáticos tratam-se de grandes conquistas mas os agnósticos e ateus conscientes deviam estar atentos aos perigos desta nova configuração. Mesmo que não lhes agrade o sentimento religioso, devem perceber que este não se vai esvair eliminando o cristianismo. Essa necessidade de religiosidade será cooptada pelo radicalismo islâmico, pelas religiões biónicas criadas por bilionários ou ainda por uma versão moderna do déspota iluminada, quem sabe um futuro presidente do Governo Mundial. Apesar do cristianismo ter sofrido várias deturpações ao longo da sua história, é uma religião que se baseia no amor ao próximo e na separação de poderes. Já as suas alternativas que esperam ardentemente pela derrocada final da Cruz são na sua essência movimentos totalitaristas. O ódio aos padres acabará por criar novos sacerdotes da morte.

MC
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