sexta-feira, setembro 21, 2007

Guerra cultural (9)

AS TRINCHEIRAS (I)

É necessária uma profunda motivação para fazer guerra cultural, superior até à requerida para a guerra convencional. Não é complicado perceber as motivações do lado revolucionário. Para os revolucionários genuínos, que são relativamente poucos, é a própria mentalidade da revolução, do acreditar num devir histórico inevitável que tem o divino implícito, que lhes dá uma prodigiosa energia e sentido da vida. Para estes a guerra cultural é uma actividade permanente, uma filosofia de vida. Aproveitam todas as facilidades que as sociedades ocidentais conferem, a liberdade de expressão à cabeça, para se implantarem nas universidades, nos meios de comunicação social e instituições culturais.

Depois de obter alguma influência mínima vem a fase da conquista da hegemonia. A liberdade de expressão, que tinha sido uma ferramenta útil na obtenção do poder, vai agora ser negada aos opositores ideológicos e mesmo a cépticos. Há várias formas de o fazer, sendo uma delas impedir ou criar grandes dificuldades no acesso à profissão de não alinhados. Simples e eficaz. Para os incómodos que já se encontram em actividade há que lhes restringir cada vez mais o campo de actuação, ao microfone, à pena, ao púlpito e ao palco. O cúmulo do cinismo é vir depois acusar estes incómodos ostracizados de irrelevância porque ninguém os lê, os ouve, os cita. Para os incómodos mais resilientes, que não se querem conformar a este agrilhoamento, existem soluções mais agressivas, em especial o extermínio de carácter. Trata-se de um processo que, só por si, merecia um livro inteiro dedicado, recheado de exemplos que a História nos dá.

Ao fim de algumas décadas o processo revolucionário encontra-se num estado completamente diferente. Os revolucionários são também agora conservadores. Já quase não têm de defender as suas ideias uma vez que estas se encontram implícitas na totalidade do sistema de ensino, na actividade académica, no discurso jornalístico, na mensagem artística e no discurso político. O paradigma revolucionário tornou-se dominante, servindo de bitola para tudo o resto. É sentido como sendo a organização básica da realidade e a sua contestação é fortemente combatida de forma instintiva por quase todos. A contestação é sentida pela mentalidade revolucionária como um vírus que se tem de extirpar no imediato. Só assim se explica o paradoxo da liberdade de expressão ser apenas negada aos espíritos realmente livres, pois apenas estes combatem o cerne da mentalidade revolucionária.
Outra característica da mentalidade revolucionária é a sua imensa variedade, pois faz parte da sua natureza albergar todo o tipo de sonhos. Para quem só olha para o acessório e para o aspecto exterior da realidade será impossível perceber a unidade aqui presente. Irá ver a luta entre facções revolucionárias como uma disputa entre projectos com essências muito diferentes. Não percebe que se trata apenas uma batalha pelo poder que não querem partilhar, porque os revolucionários acabam sempre por vir a detestar todos aqueles que são como eles.
MC
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