quinta-feira, setembro 28, 2006

O interesse geral

Lost in the crowd

Faço aqui uma curta interrupção sobre a série de posts dedicados a Jean-François Revel. “Justiça Social” ou “Interesse Geral” são dois chavões dourados para o burocrata de carreira e para o político. Em nome dos dois justifica-se a manutenção do status quo, a atribuição de subsídios, o erguer de barreiras económicas, a construção de obras faraónicas ou até mesmo a proibição de fumar em locais privados. Naturalmente que, se necessário for, a justiça social e o interesse geral também justificarão facilmente o oposto de tudo isto. Mas os dois chavões não se equivalem. Justiça social tem um certo travo ideológico que lhe limita o espectro de acção. O interesse geral, pelo contrário, pode ser defendido por todos.

O mais curioso no interesse geral é ser definido habitualmente apenas por um pequeno grupo de iluminados, no limite apenas por um Grande Timoneiro. Mas em muitas situações nem chega a ser necessário definir com precisão o interesse geral. Aquilo que é apenas uma ideia vaga e nebulosa torna-se particularmente difícil de rebater. Um bom comunicador apresenta determinada proposta e remata dizendo ser do interesse geral. A plateia fica bloqueada, quem se atreve a ser contra o interesse geral? Os poucos que têm essa audácia, que na verdade não é contra o interesse geral mas contra a proposta anunciada, não se vão livrar de acusações de egoísmo ou de estarem a defender interesses poderosos e obscuros. O apelo ao interesse geral acaba por ser um estratagema para evitar um debate aberto e construtivo, criando um atalho rápido para a aprovação/reprovação do que está em cima da mesa.

Pensemos um pouco sobre o interesse geral. Não haverá uma determinada obra ou uma moldura legal específica que beneficie grande parte da população? Certamente que sim, leis que protegem a vida ou a liberdade de expressão, infra-estruturas rodoviárias ou o saneamento básico. Acontece que o interesse geral é invocado quase sempre num contexto bem longe desta génese civilizacional. Quase nunca está em causa a obtenção destas condições mínimas que qualquer sociedade devia ter mas outras, bem mais dispensáveis, mas que são apresentadas como se o fossem. Por exemplo, não está em causa saber se Portugal deve ter um aeroporto, se não tivesse nenhum, mas se deve avançar para a OTA. Contudo, o empreendimento OTA é apresentado como se fosse tão fundamental para o país como ter o seu primeiro aeroporto.

Mas há ainda outro elemento invariavelmente ligado ao apelo do interesse geral, que é o Estado. Quem defende algo com o pretexto do interesse geral, ou ocupa o aparelho do Estado ou pretende servir-se dele. A questão é esta, numa democracia estabilizada, com um conjunto de infra-estruturas básicas operacionais, que legitimidade tem o Estado para definir o interesse geral? Dizer que a legitimidade advém do voto é risível porque a cruzinha no boletim não é uma declaração de transferência de poderes completa.

Penso que seria acertado dizer que o Estado tem o direito de tomar medidas de interesse geral, para além da gestão corrente, quando se verificam em simultâneo três condições: 1) A medida em questão beneficia a maior parte da população, tendo consequências secundárias negligenciáveis; 2) Não inviabiliza a prossecução de outras acções mais importantes; 3) Não pode ser implementada pela sociedade civil de forma espontânea num intervalo de tempo razoável.

A primeira condição é linear, mera questão de seriedade. Infelizmente nem sempre há um clima de serenidade suficiente para chegar a um razoável consenso que devia ser fácil. Na segunda condição a maior parte das pessoas despista-se. O impulso natural é de que se uma dada medida é positiva deve-se avançar para ela sem mais delongas. Raramente alguém se detém a pensar se não haverá uma alternativa superior. A questão da eficácia é ainda considerada um preciosismo irrelevante para a maioria, e mesmos os economistas “esquecem-se” com frequência de avaliar os custos de oportunidade, quando tal devia ser um rotina elementar.

A terceira condição é a mais complexa. A maior parte das pessoas não se apercebe que o seu trabalho, por mais irrelevante e monótono que pareça, acaba por ser a resolução de problemas para outras pessoas, por isso não conseguem conceber que a sociedade civil consiga resolver os seus problemas espontaneamente. Não é por acaso que se ouve dizer que alguém quer ser médico, mas podia ser bombeiro ou polícia, para poder ajudar os outros. Só em casos como este, em que há contacto directo, há a noção de se estar a ajudar.

Mas como poderiam “ajudar o outro” médicos, bombeiros e polícias se não tivessem quem lhes fornecesse os instrumentos que utilizam, as instalações de que dispõem, as viaturas, e toda uma infinidade de outras coisas como roupa, alimentação ou electricidade? Por sua vez, quem fornece estes bens intermédios também tem que se suportar de outros sectores de actividade para poderem produzir. E o círculo continua virtualmente até ao infinito porque se liga a si mesmo, não só num país mas espalhando-se além fronteiras numa rede invisível que permite à Sociedade resolver os seus problemas espontaneamente, mesmo que a maioria das pessoas nunca possa ter uma vaga ideia dos fins últimos que os serviços que oferece possibilitam.

Pode-se argumentar que se isto é verdade para a maior parte das questões, há um número restrito de problemas que nenhuma sociedade poderá resolver de forma espontânea. É um assunto que não está fechado e já Adam Smith defendia que apenas os Estados podiam construir caminhos-de-ferro, que eram bens de inegável utilidade estruturante. Mas tudo dever questionado porque não nos podemos esquecer de múltiplos serviços que se dizia só poderem ser fornecidos pelo Estado, mas as privatizações vieram desmentir isto de forma categórica.

Mas a questão nem devia ser sobre o que deve fazer o Estado mas sim se já foi dada oportunidade à sociedade civil para tratar do assunto. É o Estado o maior impedimento para que a sociedade civil descubra o seu “interesse geral”. Na realidade, o interesse geral é uma concepção colectivista, apenas com significado naquele conjunto mínimo de organização e de infra-estruturas já referido. Para além disso, a sociedade não tem um interesse geral mas múltiplos, que só ela consegue descobrir a forma de os alcançar e qual a melhor atribuição de recursos para o fazer. Se alguém lhe falar em interesse geral, pergunte-lhe antes se não será um seu interesse bem particular.

MC
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quarta-feira, setembro 27, 2006

Jean-François Revel (5)

A IDEOLOGIA

Montagem de John Heartfield

Fala-se com frequência da reduzida importância na actualidade em falar de direita ou esquerda. Contudo ainda faz todo o sentido avaliar aqueles que se consideram de direita e, sobretudo, os de esquerda. Se inicialmente a esquerda significava a defesa da liberdade, do direito e da paz, actualmente qualquer regime despótico e repressivo pode chamar-se a si mesmo de esquerda que poucos se prestam a assinalar qualquer contradição. Mesmo os regimes ditatoriais com pouca vocação ideológica descobriram que se chamarem assim o rótulo esquerdista irão imediatamente ganhar um beneplácito geral.

O declínio eleitoral dos partidos comunistas poderia fazer supor que era apenas uma questão de tempo até estes enviusamentos ideológicos estarem corrigidos. Poucos parecem ter reparado que a chamada esquerda moderna, apesar de ter um discurso completamente diferente dos grupos marxistas tradicionais e muito mais adaptado aos tempos actuais, na sua essência defende as mesmas receitas socialistas de sempre. É esta esquerda que agora mais se empenha em defender os regimes totalitários. É também ela que mostra maior talento para o extermínio moral dos adversários e é também a campeã das causas justas (e haverá alguma causa que não o seja para quem a defende?) que lhe justificam quaisquer procedimentos injustos, o que contraria os fundamentos da democracia que apenas autoriza os métodos justos.

Não são as ideias a fonte de tudo isto mas o mecanismo bastante mais refinado e eficaz da ideologia. Não há qualquer objectivo de conhecer a verdade na ideologia mas apenas manter um sistema de crenças que tenta abolir todos os que não partilham da mesma fé. A simples mentira, oportunista, táctica, não basta. É necessária uma mentira bem mais complexa e exigente de forma a mudar «a imagem do mundo em função da visão que se quer dele.» A ideologia vai implicar uma suspensão do sentido moral e das faculdades intelectuais

Jean-François Revel descreve a ideologia como uma tripla dispensa: dispensa intelectual, prática e moral. A dispensa intelectual tenta condicionar todo o fluxo de informação, retendo apenas os factos que forem favoráveis, inventá-los se for preciso, e omitir o que é desfavorável e se possível impedir a sua divulgação. A dispensa prática retira toda a relevância à eficácia, pelo que no limite não existem fracassos. É mesmo uma das tarefas mais honrosas do ideólogo a fabricação de explicações que absolvem a ideologia. A dispensa moral é talvez a mais terrível de todas, porque coloca os actores ideólogos fora do alcance de qualquer critério de bem e de mal. Não se nega a moral, pelo contrário, ela confunde-se com a própria ideologia, e os actos mais bárbaros feitos em seu nome passam a ser virtuosos.

Face a isto, não é de estranhar que tantos intelectuais e jornalistas tenham descrito como terras de abundância e prosperidade lugares onde populações inteiras corriam o risco de morrer à fome. Mas o fenómeno não é só do século XX. Quando o mito do bom selvagem de Rousseau era tido como paradigma, os exploradores descreviam sociedades idílicas no Tahiti, quando o que deviam ter relatado eram roubos, sistemas de castas, prostituição, infanticídio, idolatria e até sacrifícios humanos. Outro fenómeno interessante passa-se com alguns progressistas americanos (estranhamente chamados lá de liberais), que sendo a favor da emancipação da mulher e contra a pena de morte, conseguem depois elogiar regimes islâmicos onde as mulheres não têm quaisquer direitos e as execuções são aplicadas rotineiramente. Este exemplo dado por JFR é bastante curioso porque, quase 20 anos depois, vimos um fenómeno semelhante a passar-se com as esquerdas de todo o mundo que se mostram bastante condescendentes com os piores regimes islâmicos que violam todas as suas “causas justas”.

Marx e Engels foram os primeiros filósofos a compreender que o grosso das ideias erradas não advém de vícios de raciocínio, de deficiências de método ou de outras razões técnicas, mas sim do desejo de mentir a si mesmo, do apetite pelo falso e do prazer de enganar. A partir daí sentiram-se à vontade para delinear uma ideologia em que a objectividade prática substitui a objectividade teórica, a acção passa a ser tudo. Foram mesmo eles que alteraram o significado da palavra ideologia, que inicialmente dizia apenas respeito ao estudo da formação das ideias, passando a ser «o conjunto das noções e dos valores destinados a justificar a dominação de uma classe social por outra.» A ideologia daqui resultante diz-se baseada na ciência, mesmo quando contraria de forma flagrante os seus resultados. É um modelo explicativo global que não se queda apenas nas questões políticas e económicas. Para abraçar todas as suas contradições, o ideólogo não se apresenta como um sábio mas como um profeta ou reformador religioso.

O prestígio da ciência é colocado muitas vezes ao serviço da ideologia, mas nunca se admite que a ciência possa colocar em causa a ideologia. São inúmeros os casos de cientistas que defenderam as opiniões mais tendenciosas e contrárias aos factos. Não está em causa o direito dos cientistas em ter a sua opinião mas a impostura de tentarem colar o seu mérito científico a opiniões que à ciência e ao seu rigor nada devem. A generalidade das questões colocadas ao grande público sofre de uma apresentação grosseiramente simplista, sem mostrar quaisquer raciocínios de suporte, talvez para evitar contestação. Por isso o público moderno continua a viver largamente como o da Idade Média, sob o regime do argumento da autoridade.

Para actuar sobre as massas, a ideologia não tem que ser racional mas apenas compreensível. Parte da sua eficácia recai no poder de incentivar crenças colectivas que levem a uma mobilização generalizada, a partir de ideias que levem à acção. Pretende-se despoletar determinados comportamentos através de ideias simples e emoções fortes. A ideologia é intolerante porque não suporta que algo exista fora dela. É contraditória porque não sente que trai os seus princípios quando age de maneira oposta a eles, e cada fracasso é apenas um estímulo para a radicalização e não serve para colocar alguma coisa em causa.

A ideologia floresce porque a necessidade de tranquilidade e segurança mentais superam largamente o desejo de conhecer, explorar, descobrir. A uma nova informação os indivíduos reagem questionando-a se vai reforçar ou enfraquecer o sistema de crenças. Por isso as ideias mais interessantes são as rotineiras. A ciência sempre lutou, mesmo no seu seio, contra esta indiferença pelo saber. Parece que apenas uma ínfima parcela dos homens possui uma inclinação distinta. O que a ideologia faz é envenenar este «medo natural dos facto», intensificando bastante a rejeição natural ao que é novo.


MC
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terça-feira, setembro 26, 2006

Jean-François Revel (4)

SOBRE O RACISMO


O declínio ideológico da esquerda europeia ocorre quando esta atinge o poder. A realidade obriga ao abandono de muitas promessas progressistas e à aplicação de políticas liberais. Para compensar esta ausência de prática ideológica criou-se um programa alternativo baseado no racismo. Os problemas com a emigração são vistos como se estivesse em marcha uma ampla conspiração fascista, que mais não seria que um endurecimento natural do liberalismo. A obsessão pelo igualitarismo leva a que qualquer processo que possa fazer distinção entre pessoas, nem que seja um exame de admissão à universidade, seja comparado ao apartheid ou à perseguição nazi de judeus. Diz-nos Albert Memmi que o anti-racismo é uma aquisição cultural, que como todas, resulta de uma conquista longa, difícil e sempre ameaçada. A utilização do racismo como uma arma de arremesso tem servido, de forma consciente ou não, para agravar muitos problemas relacionados com a emigração.

Este anátema lançado acaba por ser uma demissão em relação à análise séria dos problemas da emigração. Cria-se espaço político para fenómenos como a ascensão de forças como a Frente Nacional de Le Pen. O fenómeno é curioso e, contrariando o mito esquerdista, vota maioritariamente em Le Pen quem antes votava à esquerda. Inquéritos mostram que a votação na Frente Nacional não se faz por motivos racistas. Acontece que os partidos de esquerda negam que possam existir problemas de emprego e delinquência relacionados com a emigração e nunca admitem que as culpas não estão só nas populações de acolhimento. Amplas populações não se revêem, portanto, nestes partidos, mas não é à direita democrática que encontram alternativas. Aqui reina o pavor de apresentar quaisquer propostas que os levem a ser comparados a Le Pen. Este último não se faz rogado e apresenta-se como o salvador.

O movimento anti-racista preocupa-se unicamente com o racismo da raça branca em relação a outras. Jornalistas, políticos e académicos querem nos fazer crer que não há racismo em sentido inverso nem entre tribos africanas diferentes. Escondem-nos também que existiu escravidão no mundo islâmico até bem tarde (oficialmente na Arábia Saudita até 1962 e na Mauritânia até 1981). Os activistas anti-racistas que vociferam violentamente contra os seus governos quando um grupo de emigrantes ilegais é deportado, ficam mudos, completamente inertes, face a actos racistas cometidos por negros. O apartheid da África do Sul foi amplamente censurado, e bem, mas no Burundi vigou um apartheid negro bem mais violento que não suscitou quaisquer protestos, chegando mesmo a existir colaborações com este regime sanguinário com vários governos de direita e de esquerda.

Criticar um regime socialista africano provoca dois receios, o de ser chamado racista e também de reaccionário. Por isso, quaisquer problemas que ocorram são atribuídos às condições climatéricas ou a intervenções exteriores ou ainda a guerrilhas anti-marxistas. Este lavar de mãos com explicações simplistas acaba por ser o acto mais racista de todos porque conduz ao desinteresse que permite que déspotas cruéis e incompetentes governem milhões de africanos. Dos muitos exemplos que se poderiam dar, talvez o mais gritante tenha-se passado nos anos 80 na Etiópia de Mengistu. Seguindo a receita de Lenine na Grande Fome de 1921, o regime provocou ou deixou alastrar uma crise de fome, quando ela teria sido perfeitamente controlável. Em pouco tempo as imagens chocantes percorrem o mundo, distribuídas pelas grandes cadeias televisivas. O ditador que provocou a situação lançou acusações ao ocidente por não ter respondido a tempo e a esquerda em peso apoiou-o incondicionalmente. Começam a chover as ajudas públicas e privadas. Não chegará quase nada aos carenciados, sendo tudo repartido pelo exército, pela Nomenclatura e destinado ao acelerar da revolução. Bob Geldof foi dos que mais se esforçou para contrariar isto mas foi facilmente ludibriado. Longe de ter aprendido alguma coisa, recentemente voltou a insistir na mesma receita. Cerca de 1,2 milhões de etíopes morreram em consequência desta encenação, que levou Mengistu a ser considerado um herói pelo Movimento dos Não-Alinhados (que agora se quer fazer renascer), Internacional Socialista, Teólogos da Libertação e Conselho Ecuménico das Igrejas.

Não está em causa deixar de ajudar os países carenciados mas sim responsabilizá-los pelos seus actos. Para quê aplaudir uma reforma agrária que não transferiu terras para os agricultores mas criou cooperativas geridas por citadinos ignorantes e corruptos, conduzindo à descrença generalizada, a ponto de se ter de importar produtos alimentares? A luta contra o apartheid teria sido justíssima se não tivesse sido apenas uma estratégia de arremesso que serviu para desculpar todo o tipo de atrocidades cometidas noutras paragens. Este movimento anti-racista, tornado nas últimas décadas ideológico e logo ineficaz e contraproducente, conseguiu também agravar o ódio que o ocidente tem a si mesmo.

O relativismo cultural que o ocidente criou foi deturpado. Originalmente Platão e Aristóteles, depois retomados neste aspecto pelos filósofos iluministas que incluíram os founding fathers americanos, definiam o princípio relativista na imparcialidade do julgamento de todos os costumes e não na sua equivalência à partida, porque quem assim pensa já não acredita em valor algum. O ocidente sofre um fenómeno estranhíssimo, porque pretende abandonar esta imparcialidade de julgamento não de forma chauvinista, como seria de supor, mas quase considerando que todos estão certos menos nós. Não há aqui qualquer desenvolvimento do sentido crítico mas apenas o seu completo abandono.


Pode-se comprovar isto de diversas formas. Há o lado da “salvação”, uma ânsia enorme em procurar coisas do exterior, quanto mais longe melhor. Parece que só práticas exóticas podem dar benefícios, só a comida de locais distantes fosse saudável ou só as viagens a locais remotos tivessem interesse. Tudo isto pode ser interessantíssimo e enriquecedor se não fosse feito quase por agonia a tudo aquilo que está próximo dos ocidentais. Se em causa estiverem conflitos entre o ocidente ou uma parte dele e qualquer outra parte do mundo, atropelam-se as vozes a tentar encontrar culpas sempre e apenas no ocidente. O processo é também facilitado por alguns bodes expiatórios rotineiros que, mesmo quando não estão minimamente envolvidos, alguém lhes consegue assacar sempre as responsabilidades. O tema será desenvolvido alguns posts mais à frente, mas não é muito difícil perceber onde se vai chegar.

MC
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terça-feira, setembro 19, 2006

Jean-François Revel (3)

A MENTIRA E O GRANDE TABU


Tabu, Mark Nugent.

A mentira, a má-fé e a ideologia têm a função de corromper a informação e impedir que ela circule. A mentira é sempre consciente e não se deve confundir com a má-fé, que é a dissimulação da verdade de nós mesmos, o que nos dá uma grande segurança perante os outros. A má-fé e a ideologia são utilizadas quando a mentira não resulta, o que não é assim tão frequente como se julga, por serem soluções mais complexas, que requerem mais tempo, energia e até inteligência. A mentira não tem vida duradoura nas ciências exactas a não ser que se torne numa verdade oficial de um regime totalitário, como foi o caso da biologia de Lyssenco na União Soviética. Mas em democracia são frequentes as mentiras nas ciências sociais. São bem conhecidos os casos em que vários sociólogos quiserem demonstrar as desvantagens das sociedades liberais. Essas teorias, baseadas em grande parte em informação falseada, chegaram a ser consideradas verdades demonstradas.

Felizmente que nas democracias modernas não existe censura, mas ainda assim há um substituto que quer estar à sua altura: O Tabu. O tabu é uma interdição ritual que limita a liberdade de expressão, sendo instituído pelo ideólogo de quem todos têm medo da reacção. Para Jean-François Revel, o Grande Tabu das sociedades ocidentais é a crítica aos regimes de esquerda. Se por acaso essa crítica acontece, terá de ser imediatamente compensada com crítica tão ou mais contundente a uma sociedade capitalista democrática ou a uma ditadura de direita.

Uma forma de desviar as atenções sobre os regimes comunistas é manter vivo o receio de existir actualmente, a nível mundial, um perigo de um totalitarismo de direita como o que se verificou nas décadas de 30 e 40 do século XX. Apesar do nazismo e do fascismo terem sido derrotados há várias décadas, à custa de muito sangue, a esquerda insiste em manter a vigilância. Conseguem ver a essência nazi na ditadura de Pinochet, no apartheid ou mesmo numa simples deportação de estrangeiros ilegais (Esta passagem reflecte em especial as condições vividas na época em que o livro foi escrito. Actualmente a ênfase está posta sobretudo no antiamericanismo e na luta contra a globalização. Estes assuntos serão abordados em outros posts baseados em outro livro de JFR “A Obsessão Antiamericana”. Contudo, em Portugal a retórica antifascista encontra-se bem viva ainda, onde questionar as funções do Estado, o modelo de Segurança Social ou os direitos adquiridos só pode revelar uma mentalidade salazarista).

Com o Grande Tabu instituído, as críticas ao gulag de nada serviam porque nos lembravam logo dos campos de concentração nazi. Os defensores do regime soviético diziam que o ocidente não podia criticar o comunismo enquanto existisse o apartheid mas nunca ninguém ousou dizer o inverso. A luta contra as injustiças do mundo foi transformada numa batalha contra os novos nazismos. Há uma tentativa paradoxal de recusa em conhecer a História mas ao mesmo tempo tentar revivê-la em forma de encenação. O resultado imediato é que as causas das injustiças presentes são totalmente olvidadas, ou seja, a ignorância voluntária sobre o passado facilita a maior fraude possível no presente.

Daqui foi um passo para a banalização do insulto supremo, apenas possível no sentido de criticar as democracias liberais e os regimes de direita. Para a esquerda, tudo o que sejam ideias contrárias às suas é fascismo. Isto obrigou a direita a não só a aplicar políticas de esquerda como a adoptar grande parte do seu discurso.

MC

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sexta-feira, setembro 15, 2006

Jean-François Revel (2)

CIVILIZAÇÃO E INFORMAÇÃO




Parece abusivo dizer que a humanidade, na sua situação actual, comporta uma única civilização. De certo que essa única civilização não se caracterizaria pela homogeneidade, já que é composta por uma enorme diversidade de sistemas políticos, económicos e legislativos, assim como por diversas mentalidades e religiões. O elemento comum é um fundo de informação mundial a que ninguém se consegue subtrair totalmente, que resulta das interacções económicas, geopolíticas e geoestratégicas que se tornaram inevitáveis.

Naturalmente que a informação não é a mesma em todas as culturas, sendo controlada quase em exclusivo por uma elite nos regimes totalitários, e difundida quase sem barreiras legais nas democracias liberais, passando por um grande conjunto de regimes intermédios onde a informação é semi-livre. Mesmos os regimes totalitários, que tentam privar os seus cidadão de qualquer informação não oficial, não podem evitar que os seus dirigentes se subtraiam ao fluir informativo mundial. Por outro lado, mesmo o ditador mais inimigo da liberdade de expressão não deixa de tentar ele mesmo de contribuir para o grande caldo informativo global e é notável a preponderância que conseguem por vezes assumir.

Este insólito protagonismo de regimes e figuras aberrantes é grandemente favorecido pela relativização cultural proclamada pelo Ocidente, que nos dá a entender que todas as culturas são moralmente equivalentes. Esta atitude diverge daquela que o resto do mundo vem tomando, que é um exacerbar do etnocentrismo e um aumentar da intolerância face a outras culturas, especialmente a ocidental.

Se o controlo da informação num regime totalitário é quase uma ciência exacta, uma vez que a sua manutenção depende mais disso do que de um exército poderoso, aquilo que se passa nos regimes livres é bastante mais complexo. Em teoria não seria assim tão difícil de avaliar a situação, isto se acreditássemos que o Ocidente passou a ser dominado pelo pensamento científico, pelo que o conhecimento e a informação ir-se iam acumulando paulatinamente, naturalmente com alguns erros, que no entanto seriam detectados e corrigidos num curto espaço de tempo. Mas não é nada disso que acontece. Apesar de estarmos rodeados de ferramentas que derivam da ciência, o pensamento científico é tão raro hoje como há vários séculos atrás. E isto verifica-se mesmo entre os cientistas quando não estão a exercer a sua especialidade.

Pode-se argumentar que não há nada de extraordinário em esta atitude científica ser tão rara já que a maior parte das questões que a humanidade enfrenta não fazem parte do seu domínio, ou seja, não se prestam a uma demonstração irrefutável mas apenas a uma reunião de feixes de verosimilhança. Mas Platão já nos tinha dito que mesmo neste sector conjectural devíamos manter a mesma atitude de seriedade e rigor para tentar chegar à “opinião verdadeira”. A quantidade de informação disponível actualmente deveria aumentar bastante a probabilidade de ter êxito nesta tentativa. O que o livro tenta mostrar é que esta probabilidade não tem sido aproveitada. O homem tem tendência a afastar-se da razão sempre que espera fazê-lo impunemente.

A própria razão veio servir de pretexto para separar, quando não opor, ciência a religião. Para Descartes ou Leibnitz não eram domínios em conflito porque “Deus é Razão”. Contudo, a partir de determinada altura os partidários do racionalismo eram ao mesmo tempo os maiores inimigos da religião. Por incrível que pareça, isto não contribui para substituir as crenças infundadas pelo conhecimento. O objectivo último era ligar qualquer actividade do espírito à sua componente lógica, o que veio desvalorizar a intuição, a poesia, a mitologia. A invasão do racionalismo em domínios que não eram os seus teve como consequência ser mais difícil efectuar uma distinção entre o racional e o irracional. Isto abriu caminho para o relativismo sob o qual temos vivido desde então, em que todo o tipo de conhecimento e de comportamento passaram a ser considerados de igual valor, sendo validados pelas escolhas passionais e ideológicas. Não é por acaso que o sector ideológico é aquele que mais espaço concede à irracionalidade.

MC
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quinta-feira, setembro 14, 2006

Jean-François Revel (1)

O CONHECIMENTO INÚTIL – INTRODUÇÃO



Que informação não é conhecimento já todos o sabemos. Jean-François Revel (JFR) vai um pouco atrás e faz a distinção entre comunicação e informação. Não só questiona se divergem por vezes, o que não é difícil de supor, JFR sugere mesmo que são o contrário uma da outra. Fá-lo num livro de 1989, publicado em Portugal pela Europa-América com o título “O Conhecimento Inútil”. Inicio assim uma série de posts dedicados JFR, desaparecido este ano. Mais do que participar nos debates de ideias do nosso tempo, penso que a relevância de JFR foi ter mostrado que esses mesmos debates, em grande parte, nem chegaram a acontecer tendo sido substituídos por um ruído de fundo nada aleatório.

As grandes questões a que a humanidade teve que enfrentar, ao invés de terem gerado um debate racional, naturalmente com erros à mistura, pelo contrário engendraram um movimento de regressão para a barbárie intelectual. Foi a vaga de fundo perfeita para a tomada das decisões mais erradas que a humanidade já adoptou. Os erros de base continuaram a ser cometidos vezes sem conta. Não foi apenas uma questão de não ter percebido o que aconteceu, mais que isso, o erro foi justificado, glorificado. Esta atitude, longe de ser aquela que uma minoria radical escolheu, foi e é, pelo contrário, a essência do pensamento dominante em tudo o que não são assuntos técnicos. Apesar da quantidade de conhecimento e informação armazenados serem maiores que nunca, bem a como a facilidade em lhes aceder, nada disso contribuiu para a tomada decisões mais acertadas.

Neste livro JFR analisa o papel que tiveram no estabelecimento e manutenção desta plataforma politicamente correcta os meios de comunicação social, o sistema de ensino e os intelectuais. Antes esclarece sobre os mecanismos mais elementares utilizados, a mentira, a má fé e, sobretudo, a ideologia.

Naturalmente que estes posts não dispensam a leitura dos livros que abordarei. Pela sua curta dimensão, os artigos não podem ter a mesmo poder explicativo que os livros nem a sua profusão de exemplos, aqui apenas referidos ocasionalmente. Espero apenas não ter desvirtuado a obra de JFR, uma vez que o encadeamento de ideias que escolhi diverge por vezes bastante daquele que se encontra nos livros, além de ir acrescentando vários outros elementos quase sem me aperceber.

MC
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quarta-feira, setembro 13, 2006

Prós & Contras

Se o óptimo é inimigo do bom, o mau arrasa com os doise é muito mais apelativo. Já foi quase tudo dito sobre o último Prós & Contras a propósito desses malvados dos americanos do 11 de Setembro. Que Mário Soares esteve deplorável, demagogo, senil, que Pacheco Pereira esteve muito melhor (e quem conseguiria não estar?) mas não conseguiu sair com nenhuma frase forte que galvanizasse o público, que Helena Matos no pouco tempo que teve conseguiu introduzir alguns pontos de extrema relevância, que aquele senhor alegadamente especialista no Islão, na verdade é mais bolos. Contudo, nada disto é de espantar, tudo até bastante previsível. Saliento, no entanto, três passagens que me pareceram introduzir alguma novidade.

O senhor advogado muçulmano teve uma intervenção bastante curiosa. De início estava meio ambíguo, por um lado não queria cair no ridículo de dar a entender que acreditava nas teorias da conspiração, mas por outro parecia que se sentia forçado a levantar algumas suspeitas, como se isso lhe facilitasse a vida. Mas depois surpreende por assumir de forma decidida que não quer que o seu modo de vida ocidental seja posto em causa e que acha ele é perfeitamente compatível com a ser-se muçulmano. Nos dias que correm já começa a ser difícil encontrar pessoas que mostrem algum apreço por aquilo que o ocidente é, pelo que acho de assinalar que esta tomada de posição é corajosa e justa.

Outro ponto que me pareceu relevante foi quando Pacheco Pereira disse a Soares para não se preocupar que eles, PP, tivesse mais tempo para falar porque a maior parte das pessoas concorda com Soares. Todos sabemos isto mas há certas que em televisão não se dizem, especialmente em programas para o grande público. Não me parece que Pacheco Pereira se tenha descuidado ou atirado a toalha ao chão. Parece-me apenas um constatar de que os debates de pouco servem a não ser para estancar esta hemorragia de irracionalidade. E talvez já nem para isso, os tempos parecem cada vez mais ser de caminho auto-infligido para o abismo. O que vou dizer de seguida não pretende ter qualquer graça e é apenas aquela que acho ser a melhor forma de descrever a situação. A não ser que Mário Soares, nos debates e entrevistas, comece a babar-se ou a fazer coisas do género, a maior parte das pessoas e a quase totalidade dos intelectuais continuará a achar o homem muito lúcido e carregado de razão. Se Mário Soares começara a fazer coisas dessas, e espermos que não, os que o apoiavam antes incondicionalmente vão-lhe retirar a razão não pelo que tem andado a dizer mas pela figura que passou a fazer. Repito que não há qualquer intenção de fazer humor com isto da minha parte e é com tristeza até que escrevo isto sobre um antigo Presidente da República que teve um papel importante na nossa História.

O terceiro e último ponto que saliento foi uma intervenção de Mário Soares, quase no final do programa. Pareceu uma tirada típica de político, onde afirmava as suas fortes convicções sobre o assunto em debate. Ora, as convicções têm o seu lugar quando não há nada melhor para as substituir, como os factos, raciocínios elementares derivados destes e mesmo o simples bom senso (não confundir com senso comum). Ora isto nada tem a ver com a provecta idade de Mário Soares, porque é uma atitude que se vê em pessoas de todas as idade. A substituição dos factos pelas “fortes convicções” não é apenas uma atitude isolada, é mesmo um método utilizado sistematicamente que permitiu a pessoas inegavelmente inteligentes chegar às mais aberrantes conclusões.

MC
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quarta-feira, setembro 06, 2006

Para quando o pacifismo económico?

É curioso serem os pacifistas, em larga escala, proteccionistas em relação à economia. Não percebem aqui qualquer contradição, certamente porque em ambos os casos se regem por “valores” e não por esse mecanismo reaccionário que é a racionalidade. O pacifista diz agir em nome da paz mas em termos concretos não é a paz que pede mas apenas que uma das partes em conflito ceda. O pacifismo é um fenómeno quase exclusivo do mundo ocidental e é a esse mesmo ocidente que dirige unicamente os seus apelos. O pacifista não vê necessidade em se manifestar contra um ditador africano ou sul-americano, nem contra os radicais islâmicos e, em caso algum, contra algum regime socialista. O pacifista apenas acha relevante manifestar-se contra aqueles que se opoem a estes.

Não faltam argumentos ao pacifista. Diz-nos que o desarmamento unilateral ou o fim de actos de retaliação irá dar um sinal positivo e apaziguador ao outro lado, que a violência apenas gera violência, que a estratégia de dissuasão provoca um acumular cada vez maior de armamento de parte a parte e um conflito a ocorrer seria bastante mais perigoso. Por fim, como se tivesse um peso na consciência por não defender nada disto junto do lado não-ocidental, surge com o argumento de que as democracias têm uma obrigação moral superior, que não se pode pedir às ditaduras e, por isso, as primeiras têm de dar um primeiro passo sem terem garantido que as últimas dêem um segundo no mesmo sentido.

Todos os argumentos pacifistas podem ser contestados isoladamente, por exemplo, não é bem verdade que a estratégia da dissuasão provoque necessariamente um maior acumular de “potencial destrutivo”, porque a evolução do armamento tem ido no sentido de trocar o poder de destruição pela precisão. Tal como não é verdade que a violência gere apenas violência, assim se passa em muitas situações, mas a violência, paradoxalmente, é uma força bastante apaziguador quando aplicada de forma “sábia”, o que acontece nos regimes totalitários com desenvolver do terror, mas também em actos justos e na altura certa que eliminam de forma decidida projectos loucos de poder e servidão. Contudo, há algo em comum nos vários argumentos pacifistas, precisamente o da sua aplicação não contribuir para o fim a que se destinam, a paz.

Percebo em parte a motivação do pacifista, porque o assunto é delicado, a guerra e todo o horror associado e é positivo que existam pessoas que se empenhem em evitar tais coisas, só sendo de espantar existirem tão poucos. O que falha no pacifista, e refiro-me apenas àqueles que realmente acreditam no que dizem, é não perceberem o lado não-ocidental, porque imaginam que do outro lado está alguém que pensa e sente da mesma forma que o próprio pacifista, porque só assim as medidas que propõe poderiam contribuir para a paz. Não compreende que o lado não ocidental (e falo dos dirigentes) vê estas acções não como gestos de boa vontade mas de fraqueza, o que, por ironia, pode tornar a guerra inevitável.

O pacifista acredita ainda quase sempre no mito de que a guerra ou situação de tensão ocorre por culpa exclusiva do lado ocidental. Diga-se de passagem que para esta percepção muito contribui a actuação da imprensa ocidental, que está sempre pronta a defender as causas dos países antidemocráticos onde, por sinal, a própria imprensa livre nem pode existir. Mas é da própria natureza dos regimes totalitários estarem sempre preparados para a guerra ou, pelo menos, dar essa ideia.

Perceba-se que o totalitarismo não só usurpa as liberdades individuais como é desastroso para a economia, agricultura e demais sectores produtivos. O regime nunca admitirá que a falha está na sua própria arquitectura e começa a procurar culpados. Assim acontecem as retratações públicas, as purgas e, inevitavelmente, o apontar o dedo para uma causa exterior, nomeadamente a alegada sabotagem feita pelas potências ocidentais. O regime totalitário, que em grande parte mantém o seu poder pelo controlo da informação, tem de fingir que acredita nas suas próprias mentiras e agir em consonância, armando-se para combater o inimigo exterior que elegeu. Mesmo que se trate em grande parte de bluff para consumo interno, em alguma altura o ocidente terá de reagir, até porque a liderança totalitária pode mudar subitamente e tornar-se mais agressiva, talvez porque passou a acreditar nas mentiras anteriores que agora reitera acreditando piamente na sua autenticidade. Como se não bastasse, os países vizinhos do regime ditatorial, que mantinham antes uma atitude essencialmente neutral, ao ver uma potencial local emergir e ganhar poderio militar, irão ficar naturalmente receosos e isso pode originar uma corrida ao armamento. Escusado será dizer que a opinião publicada dominante no ocidente nos dirá que o culpado de tudo isto é o próprio ocidente, e para o provar até nos indicam a escandalosa venda de armamento aos países vizinhos daquele que, de facto, deu origem a tudo.

O pacifista não vê grandes riscos no desarmamento unilateral, porque vê nisto um gesto de boa vontade apaziguador. Contudo, se em causa estiver a economia, vai achar que o seu país deve ser o mais proteccionista possível. É realmente trágico que o ocidente desconheça os mecanismos mais básicos que permitem a sua existência, quando não chega mesmo a achar que são aberrantes. Como é possível que o pacifista ache que o livre comércio, que mais não é que a troca voluntária entre pessoas e agentes que chegaram ambos à conclusão de ser benéfica para si mesmos, encerre em si mais perigos que uma situação de tensão militar onde tantas vidas podem estar em risco? Como é possível o pacifista não ver quaisquer riscos no desarmamento unilateral, ao passo que classifica a eliminação de subsídios aos produtores nacionais um autêntico suicídio porque o seu país deixa de poder “lutar com as mesmas armas”? Como pode, ainda, o pacifista ser tão compreensivo em relação a ditadores e terroristas que pedem abertamente o nosso extermínio, ao mesmo tempo que o seu coração se enregela quando em causa está ajudar milhões de desfavorecidos com a simples eliminação de benesses a alguns dos seus compatriotas mais protegidos?

MC
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sexta-feira, setembro 01, 2006

Promessas

Em Setembro e talvez ainda em Outubro irei colocar vários posts dedicados a Jean-François Revel. Não será uma explanação de dados biográficos da vida do sábio francês, falecido há pouco tempo. Vou dar um largo tempo de antena às ideias do mestre da lucidez, que descreveu de forma magistral os processos envolvidos na obliteração de informação, esmagada por doses industriais de comunicação ideológica. Jean-François Revel mostra-nos como os indivíduos constroem todo um edifício conceptual baseado no erro e na mentira e, não se limitando a tentar mantê-lo, criam um regime de ostracismo para todos os que se atrevem a olhar para as coisas imparcialmente.

Ainda este ano tentarei começar a publicar aqui um trabalho de maior fôlego ainda, dedicado simultaneamente a Orwell, Hayek e Mises. Naturalmente que o objectivo não é dar a conhecer o pensamento destes sábios, porque mesmo uma exposição sumária das principais ideias de Hayek e Mises está muito para além dos meus conhecimentos e competências. O objectivo é bastante mais modesto e, espero, fácil de atingir. Partindo do livro “1984” de Orwell, vários pontos serão complementados e corrigidos a partir de contributos dados por Hayek e Mises. Penso que estes últimos não tiveram qualquer intenção de complementar o primeiro, até porque em alguns casos o precedem, além da natureza dos trabalhos ser diferente.

Desta forma comprometo-me com os 5 ou 6 leitores que me lêem com alguma regularidade, sabendo que 1 ou 2 me poderá cobrar pessoalmente se falhar nas promessas.

MC
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