quarta-feira, outubro 27, 2004

Batalha mediática e americanismos

Muitos se têm preocupado com as pressões que o actual executivo de Santana Lopes fez e se prepara para fazer nos media. Talvez poucos tenham reparado que o oposto já existia, os media sempre pressionaram os governos, pouco se importando em informar, e agora acossados dizem de forma arrogante, “o governo que não se meta connosco porque vai levar forte”. É difícil para mim tomar parte nesta guerra, porque se por um lado me repugna o peso do estado e as suas tentativas de controlar a informação, não me enoja menos aquilo a que se chamam de jornais de referência. Felizmente que se pode ser neutro ou contra ambos.

Não tem isto muito a ver com “americanismos”. Mas podia-se fazer um paralelo. Eu também já fui daqueles que se divertia a chamar os americanos de imbecis. Agora percebo que quem fez figura de imbecil fui eu. Anda por aí uma ideia peregrina de eleger o próximo presidente dos EUA a partir das sondagens do resto do mundo, como forma de correr com Bush. O que tenho visto é que a mentalidade política dos americanos é muito superior à nossa, e teria mais sentido serem eleges a eleger os nossos dirigentes que nós os deles (é para provocar...).

Vejamos uma caso já algo distante. Li os editoriais dos jornais “Washington Post” e “New York Times” no dia seguinte ao discurso de Bush na convenção republicana. São jornais que apoiam declaradamente a campanha de Kerry, no entanto os editoriais muito longe se encontram do tom fanático que temos por cá. Eram críticos, sem dúvida, mas elogiava-se o que havia para elogiar e as críticas eram minimamente fundamentadas.

Saliento ainda outra questão. As sondagens mostram que a maior parte dos americanos acha que actuação de Bush em relação à luta contra o terrorismo é positiva, no entanto, quando se passa para a questão iraquiana, o julgamento é diferente, havendo um apoio muito menor. De certa forma, os americanos no seu conjunto seguem as suas próprias ideias e não vão cegamente atrás do que os candidatos lhes dizem.

A ignorância faz-nos ver o sistema eleitoral americano como defeituoso. É certo que as leis conduzem a que na prática só existam dois partidos, mas por outro lado, torna-se também inevitável que esses partidos não tenham a homogeneidade que exista por cá, abarcando quase todo o espectro eleitoral. Seria impensável nos EUA a castradora disciplina partidária, em que todos dizem o mesmo. Quem rejeita a complexidade das questões e que pode não ser fácil tomar uma boa decisão somo nós. A Europa moribunda é que ainda tem a mentalidade inquisidora, em tudo é preto ou branco.

Fico também espantado como as pessoas por cá engolem explicações que se desmontam como um castelo de cartas. Ontem os jornais televisivos apresentavam uma reportagem sobre o estado do Texas. Não escondiam que Bush ganha folgadamente neste estado (não disseram por quanto), no entanto só conseguiram entrevistar pessoas que apoiavam Kerry. Depois alguém fazia uma análise que pretensamente explicava porque Bush ganhava no Texas. A razão é que o Texas é um estado rural, e subentendia-se que os campónios burros e ignorantes logo teriam tendência para votar no candidato assim. Não acho eu que este argumento é fraco porque me sinto mais próximo do campo e acho que o pessoal da cidade são uns totós. É fraco porque o Texas é um dos maiores estados e nos EUA apenas 2% da população se dedica à agricultura actualmente. Mesmo que a percentagem de pessoas dedicadas à agricultura seja superior no Texas do que nos outros estados (até pode ser 3 ou quatro vezes mais), nunca teríamos o domínio das foices e das ceifeiras. Já esse argumento por cá explicaria coisas completamente distintas.

Uma vez vi um professor universitário explicar a razão dos portugueses terem uma espantosa capacidade de aprender em tempo record e sob pressão. Segundo eles, era porque os portugueses engoliam tudo e não perdiam tempo em se questionar. Se isso ajuda em algumas áreas, já em outras torna-nos bastante deficitários.
MC
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segunda-feira, outubro 18, 2004

Trabalhar é a nossa salvação

Na semana passado passei pela A5 na direcção de Cascais, onde se realizavam obras de expansão da via. Lembrei-me de fazer uma contagem de quantos trabalhadores efectivamente trabalhavam. Em 24 pessoas, apenas 3 jogavam mãos à obra, sendo dois deles operadores de escavadoras, o que imagino que seja algo divertido de fazer.

Gostamos nós portugueses de recordar feitos que obtemos, no estrangeiro os portugueses serem considerados dos melhores trabalhadores que há, de certos cursos de formação que lá por fora têm que ser dados em 2 anos e por cá conseguem-se melhores resultados em apenas 9 meses e coisas do género. Apreciamos ser considerados bons, sendo certo que há uns preguiçosos aqui e ali e se somos pouco produtivos é tudo culpa da má organização. Mas será esta uma forma correcta de avaliar a situação?

Por razões profissionais, durante alguns anos deslocava-me frequentemente a locais de trabalho. Fui a centenas de locais de todo o género, tendo visto desde as condições mais elementares às mais requintadas, públicos, privados, desde minúsculas empresas a multi-nacionais. Aparentemente nada poderia existir de comum em tantos domínios diferentes. Mas aos poucos fui-me apercebendo de um padrão: Nos locais de trabalho não se trabalha! Convém referir desde já que não falo aqui de trabalhadores apenas no sentido de proletários, porque incluo também funções administrativas, técnicas e de todos os géneros.
Até poderia dizer que o que é mais é falta de vergonha na cara, porque nunca vi alguém a procurar disfarçar e fazer que trabalhava. Mas não, é simplesmente hábito e ingenuidade, alheamento da realidade. As pessoas nem se apercebem que são preguiçosas... Não quero dizer que todos os locais sejam assim, mas quando em 90% dos sítios visitados a pasmaceira é a mesma, que conclusão se pode tirar? Nesta minha explanação, tanto é trabalhador o presidente da empresa como a pessoa que varre o chão, tanto aquele que devia organizar o trabalho como o que o pretensamente o executa. Não pretendo fazer qualquer moralismo, nem alertar de perigos para esta conduta, nem do impasse internacional em que vivemos... Apenas um registo do que fui vendo por aí, que como tanto outros de pouco servirá.

MC
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quarta-feira, outubro 06, 2004

José Sócrates ou Jonh Kerry?

Não é minha intenção falar em detalhe das presidenciais americanas. Para além das questões mais evidentes (segurança, terrorismo, hegemonia americana, anti-americanismo, inveja europeia, relações entre estados...) há um aspecto que me é particularmente interessante no culminar destas eleições. Ganhando Bush, o histerismo internacional em relação ao actual presidente dos EUA irá manter-se? Mas talvez mais interessante será se Kerry ganhar. As opiniões públicas mundiais dizem que Kerry deve ganhar porque é o “no-Bush”. Como irão reagir quando em relação à política internacional Kerry não tiver uma linha de actuação muito diferente da actual adminsitração? Vão tentar ocultar isto inventando diferenças abismais entre presidências consecutivas, quando tal nunca aconteceu nos últimos 100 anos (em relação à política externa dos EUA), independentemente dos partidos? Ou será Kerry um iludido que pensará ser recebido com beijos e abraços por todos os que agora repudiam Bush?

A palavra iludido é o que junta Kerry a Sócrates. Vi algumas críticas sobre as presidenciais americanas, nomeadamente a que tudo não passa de um espectáculo mediático e pouco de substancial se discute. Mas quem viu ontem a entrevista do futuro Primeiro Ministro (José Sócrates) percebe que a realidade portuguesa é bem mais pobre a todos os níveis. Sócrates falou com uma energia e uma convicção impressionantes. Mais impressionado fiquei por tudo ser despido de conteúdo. Sócrates parece mesmo acreditar no que diz. Comete o mesmo erro que quase todos os políticos cometem em relação ao poder. O de pensarem que conseguem alterar algo com intervenções centrais, que basta boa vontade, energia e umas ideias porreiras para o barco atingir velocidade de cruzeiro.

O futuro Primeiro Ministro anunciou um paraíso para Portugal. Ele tem um projecto para o país, um Portugal na Europa que precisa de um projecto mobilizador, que aposte na inovação, na coesão social, que se desenvolva sem deixar ninguém de fora, que nos tire da cauda de Europa, que nos ponha na vanguarda das nações modernas. Sócrates promete investimentos em múltiplas áreas, ao mesmo tempo que anuncia um espírito reformador sem precedentes. Sócrates imagina ter um toque de Midas, com o qual vai tornar tudo dourado. Tudo se encaixa, apaziguar o povo voltando atrás com as medidas duras da coligação PSD/PP, seguir na mesma onda investindo mais na segurança social, na saúde, na justiça, na educação, na economia, contrabalançar os gastos extra com um crescimento económico avassalador, com reformas nos serviços públicos, eliminando a evasão fiscal, reduzindo o despesa pública.

Sócrates voltará aos Estados Gerais, as suas ideias já de si geniais serão enriquecidas com contributos dos melhores portugueses em cada área. Mobilizar as elites, contagiar o povo, espevitar os empresários, fazer brilhar o melhor de nós, fazer a chama de Portugal brilhar como nunca antes. Todos seremos felizes, os pequenos empresários serão grandes empresários, os grandes empresários serão multinacionais, os pobres deixarão de existir, a classe média toda terá Mercedes ou afins, a marca Portugal soará nos quatro cantos do mundo... Bem, até eu já me estou a deixar entusiasmar por um futuro tão radiante, que lágrimas estão prestes a cair pelo rosto fruto num êxtase profundo.

O futuro Primeiro Ministro (já agora, também futuro Presidente da República) está em estado nascente, profundamente enamorado por si mesmo. Pelo menos as suas ilusões não param. Não lhe critico o espírito entusiasta e nem duvido das suas qualidade humanas e nem de querer o melhor para o país. Sócrates nem chega a prometer, vai muito para além disso e leva-nos a visualizar o maravilhoso futuro a nossos pés. O irrealismo de Sócrates só tem paralelo com as fantasias do adolescente que sonha com a sua amada, pura e perfeita. A boca dos portugueses vai sendo adoçada com as iguarias que Sócrates vai proferindo. Uma ilusão partilhada por muitos é sempre bem mais fácil de levar.

MC
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