quinta-feira, agosto 12, 2004

Gafes

A recente gafe do presidente Bush causou um sucesso que, se vivêssemos tempos de alguma sanidade, nunca teria razão de ser. As suas palavras foram:

"Our enemies are innovative and resourceful, and so are we. They never stop thinking about new ways to harm our country and our people, and neither do we."

Trata-se de um erro insignificante e qualquer pessoa minimamente inteligente percebe o sentido que se pretendia dar. No entanto, teve honras de aparecer nos jornais televisivos de todo o mundo. Os opositores de Bush, se forem inteligentes, percebem que isto funciona contra eles. Porque para além das simples acusações de idiotice (e esta gafe até parece apropriada), a gafe não se ajusta para as outras acusações mais sérias que se lhe fazem, do conteúdo nefasto das suas políticas, da malvadez do seu carácter, dos interesses obscuros, etc.

Mas a atenção dada a esta gafe é semelhante à que se devia dar à cor das meias ou ao nó torto da gravata. É apenas um aspecto estético, no sentido lato. Depois disto, torna-se muito difícil entrar numa análise do conteúdo do discurso. Além do mais, para o cidadão comum (que não costuma ter ódios infinitos por pessoas que apenas vê na televisão), o erro de Bush torna-o mais humano. Ele errou onde qualquer um pode errar, até podemos ter alguma simpatia por isso. É quase caso para dizer que os críticos de Bush deviam rezar para ele acertar e não para errar.

Mas este tipo de destaque dado a insignificâncias é sintomático da enorme mediocridade que temos nos nossos média, pensando agora a um nível nacional. Por exemplo, no discurso de tomada de posse de Santana Lopes como Primeiro Ministro, uma das críticas mais ouvidas foi sobre a pouca fluidez do discurso e que saltou algumas folhas. É certo que um discurso de tomada de posse está eivado de banalidades, mas criticar banalidades dizendo barbaridades não me parece muito inteligente.

Percebo que para os comentadores seja mais fácil, e se conseguirem fazer escola irão poupar muito tempo, que antes perdiam ao tentar estudar as matérias envolvidas e na simples compreensão dos factos. De certo ponto de vista, trata-se apenas de mais uma forma de rentabilizar recursos.

Umas das gafes dos últimos anos que ainda retenho bem na memória, foi a célebre ocorrência em que Guterres não conseguiu fazer contas de cabeça em directo, quando questionado por um jornalista. Muitos viram aqui uma falha grave, como se fosse tarefa de um Primeiro Ministro fazer contas de merceeiro. Ao mesmo tempo, passava quase incólume a sua incapacidade decisória e a sua enorme compaixão por todos aqueles que lhe apertaram a mão.


Já bastante mais recuado no tempo, lembro-me de uma gafe de Freitas do Amaral, em campanha eleitoral para as presidenciais, que perdeu frente a Mário Soares. As suas palavras, que eram repetidas nos seus próprios tempos de antena, foram: «Portugal está à beira do abismo. Para a frente Portugal!» Na altura, Portugal era um país mais tímido, a gafe passou em claro. Se tivesse sido hoje seria ridicularizado e talvez tivesse ganho as eleições.

MC

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terça-feira, agosto 10, 2004

Marcelo Rebelo de Sousa

Algumas semanas atrás, o professor Marcelo Rebelo de Sousa avaliou, como só ele sabe, a constituição do novo governo. Basicamente, arrasou todas as decisões tomadas, mas fê-lo mantendo, aparentemente, “o nível”. A sua admirável capacidade intelectual permitiu-lhe falar mais de meia hora sem guião à frente, sabendo o nome dos ministros e o seu historial, sem uma única falha de memória, sem uma pausa comprometedora. Além disso, tudo o que diz é justificado e sem falhas de raciocínio aparentes.

Marcelo é, sem dúvida, alguém de capacidades impressionantes, e num país em que os notáveis são caracterizados por uma brutal falta de cultura, isso deixa-o muitas vezes demasiado deslumbrado consigo mesmo. Para tal, também contribuirá ser professor de alunos mal preparados, como acontece frequentemente em Portugal. Marcelo não se coíbe de fazer apelo às suas memórias, de lembrar as suas chamadas de atenção que se revelaram profética. De forma bastante cordial e amigável, tornou-se um pouco o “professor de todos os portugueses”.

No entanto, tal como acontece a tantas pessoas que nunca meteram “as mãos na massa”, a sua capacidade de ponderação e de perceber as limitações do poder do raciocínio é fraca. Lembro-me de um comentário que fez em tempos, e que em 2 minutos deu conselhos a Bush, Blair, Chirac e Aznar sobre as decisões que deviam tomar a propósito dos destinos do mundo. Esquecerá o professo que estas pessoas têm acessores bem melhor preparados que ele para o auxiliarem? Ou quererá o professor dar a ideia que os poderosos tomam todas as decisões em solidão, em função de qualquer capricho momentâneo e que é necessário chamar-lhes a atenção para algumas trivialidades?

O professor parece esquecer com facilidade algumas opiniões disparatadas que deu. Por exemplo, a determinada altura no campeonato passado, o SLB (sim, estou a meter futebol no assunto) encontrava-se num período de resultados menos favoráveis. A explicação de Marcelo foi simples: O Benfica não tinha um centro de estágios e sofria muito da instabilidade de treinar uns dias aqui, outros ali. Enquanto isso não se resolvesse, a equipa não teria consistência e os bons resultados não chegariam. Seguindo este raciocínio, o Sporting, com o seu centro de estágios de condições excepcionais, iria deixar facilmente o Benfica para trás. No entanto, o que vimos foi bastante diferente. O Benfica conseguiu sair da situação desfavorável e atingir o segundo lugar, bater o Sporting no seu próprio terreno, vencer a Taça de Portugal e ter uma prestação razoável nas competições europeias. O Sporting teve a chamada época para esquecer.

Obviamente que muitos factores influenciaram os resultados e é esse o meu ponto. As explicações do professor tornam-se absurdas quando ele quer fazer que tudo seja determinístico e que as causas por ele avaliadas vão desembocar nas consequências por ele previstas. Quem tem algum conhecimento da realidade do estudo de fenómenos físicos saberá que as coisas mais elementares são muitas vezes de uma grande dificuldade de análise. É frequente não existir descrição intelectual ou matemática possível, tendo-se recorrer a simulações numéricas para obter alguns dados.

Mas porque razão Marcelo cai num erro básico destes? Por um lado a sua inteligência permitirá algumas vezes tirar conclusões acertadas. Por outro, em certas situações, as conclusões que ele prevê para o futuro, na realidade já estão em marcha, o que se trata de um logro porque se está a descrever o presente. E na maior parte das vezes, os resultados são tão ambíguos que sempre se pode descobrir alguma verdade nas previsões.

Talvez haja razões mais mesquinhas. Ao invés de raciocinar sobre o futuro para saber como ele será, a intenção poderá ser a de lançar previsões para o tentar condicionar. Recuemos às últimas eleições legislativas para ilustrar este ponto. Nas semanas anteriores, as sondagens não davam uma vitória clara a PS ou PSD. Na sua habitual prelecção televisiva, o professor fez um discurso admirável. Deu tudo como adquirido, Ferro Rodrigues estava derrotado. Com mestria, usou o seu próprio exemplo, também ele como Ferro tinha mostrado confiança na vitória nas eleições, apesar de saber que elas já estavam perdidas, mas a política era mesmo assim, havia que dar a cara e mostrar a confiança que não se tinha. Na verdade, a analogia que Marcelo fez entre as duas situações é intelectualmente desonesta. No entanto, a sua eficácia foi grande em termos emocionais, porque Ferro Rodrigues foi considerado um derrotado por antecipação e ninguém quer se juntar aos derrotados.

De facto, o PS ficou um pouco atrás do PSD, e nunca saberemos se a pequena diferença deverá a esta “pequena” artimanha de Marcelo. Ele certamente se encherá de vaidade e pensará que os destinos do país por ele foram decisivamente influenciados, sem que alguém tenha dado por isso.

A língua de Marcelo fere agora os ouvidos de Santana, e o professor não esperou para ver e atacou quase todas as frentes. Fê-lo, em minha opinião, para mostrar a Santana que dele exige alguma vassalagem. Presumo que Santana fingirá que a presta...

Mas contrário de todos aquele que manobram no escuro e exercem a sua influência de forma escondida, Marcelo faz tudo isto aos olhos de todos. Merecerá uma vénia por isso.

Adenda:

Entretanto, passou mais um domingo desde que comecei a escrever este post e o professor voltou a espalhar a sua sabedoria sobre o país. Não serei a pessoa indicada para dizer que a última palestra de Marcelo confirma as minhas suposições. Marcelo divagou sobre as razões estéticas da elaboração do governo, dos atrasos, das folhas trocadas, das confusões. Discutiu ainda as pessoas, os secretários de estado, porque é evidente que lhe agrada fulanizar. Sobre o programa do governo quase nada disse. Na verdade, evitou falar da única coisa que tinha sentido abordar. Mas os sentidos também se criam, e Marcelo é disso um dos responsáveis. Para Marcelo tudo terá que ser posto como: acho apropriado/não acho apropriado; parece-me bem/mal; foi atempado/não foi atempado; é de elementar bom senso/não é de elementar bom senso; o Zé Povinho percebe/O Zé Povinho não percebe...

Mas onde pareci acertar foi que Marcelo exige de facto que lhe seja prestada vassalagem. Claro que não o faz ostensivamente, fala em nome dos comentadores, até em nome de Pacheco Pereira (quando chegam a criticar este governo por razões opostas). Marcelo diz que o governo errou, não é só ele que diz, são todos os comentadores, mas vai a tempo de mudar. Marcelo acrescenta ainda que não é positivo o governo criar uma guerra com os críticos. Marcelo esquece os erros dos comentadores, tantas vezes grosseiros, tantas vezes deliberados, mas a estes não aconselha mudança de rumo. Na verdade, Marcelo limitou-se a dar um ultimato ao governo. As regras do professor são para cumprir. Um governo que se anuncia estético e populista não pode ofuscar comentadores também eles estéticos e populistas.
MC
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segunda-feira, agosto 09, 2004

A Escolha de Jorge Nuno

A 23 de Junho de 2004, Luigi del Neri foi apresentado nas Antas como o novo treinador do F. C. Porto. Na altura, Pinto da Costa, presidente da colectividade, fez as seguintes declarações sobre a contratação do técnico italiano:

«Ninguém me aconselhou. Foi uma escolha minha. Falei com alguns amigos do AC Milan, da Juventus e do Inter e, quando lhes perguntei qual era o melhor treinador italiano, todos, sem excepção, me apontaram o nome de Luigi Del Neri»…«Falámos sobre a filosofia e conceitos do FC Porto e ele demonstrou que conhecia bem o clube. Ao fim de duas ou três horas, tive a certeza que falava com o novo treinador do FC Porto. Estamos sintonizados sobre aquilo que queremos»

Na madrugada de Sábado Luigi Del Neri foi subitamente afastado do comando técnico da equipa, a cerca de duas semanas do início oficial da época futebolística. Não vou comentar sobre os méritos da decisão pois não tenho dados suficientes para me pronunciar. Já o tratamento que os meios de comunicação social em geral deram à notícia merece algumas considerações. A saída de Del Neri foi apresentada durante os vários telejornais a meio do segmento desportivo, nalguns até depois de notícias menores sobre os treinos do Sport Lisboa e Benfica . Aquando da sua apresentação, esta informação foi transmitida num tom formal e sem comentários, contrastando com aquilo que é o padrão na televisão portuguesa. Foi-lhe dado o mesmo tratamento que seria dado a algo do género “Director de Marketing da Transgás afastado”. Como se fosse muito natural uma equipa profissional, campeã europeia de futebol, dispensar o treinador a poucos dias do início das competições. Não encontrei na imprensa desportiva ou geral artigos de opinião e editoriais encartados sobre esta repentina saída.

Não é difícil imaginar qual seria o tratamento noticioso se os técnicos do S. L. Benfica ou do Sporting tivessem tido o mesmo destino. Quantas “notícias” surgiriam dando conta da instabilidade no balneário, da falta de condições de trabalho, da inépcia e inabilidade dos dirigentes para lidarem com o competente treinador? Quantos editoriais e comentários com soluções de algibeira e críticas ferozes à falta de visão estratégica e amadorismo?

A dualidade com que a imprensa portuguesa trata Pinto da Costa e por acréscimo o F. C. Porto e os seus concorrentes é por demais evidente, sendo apenas a saída de Del Neri o episódio mais visível por estes dias. Quando Pinto da Costa acerta, é um homem de visão que revoluciona o futebol nacional. Quando erra, como errou já muitas vezes, parece ter estatuto de inimputável.

JPE
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sexta-feira, agosto 06, 2004

Cardoso sem Cunha

Não percebo o porquê do espanto em relação à demissão de Cardoso e Cunha da TAP. Mesmo sem saber a razão dos conflitos internos da empresa, parece óbvio que o administrador delegado Fernando Pinto tem feito um bom trabalho, que se reflecte nos resultados das contas de 2003 em que a TAP conseguiu quase 20 milhões de euros de lucro. Por outro lado, Cardoso e Cunha já foi Ministro da Agricultura, Comissário Europeu e Comissário da Expo98. Mas de que lhe serve um currículo tão extenso quando tem que defrontar alguém que vale milhões de Euros?

Perante uma decisão tão simples quanto esta, mesmo assim eram poucos os que acreditavam que ela seria implementada. Por alguma razão muitas pessoas já meteram na cabeça que o actual governo é uma desgraça completa, incapaz de tomar decisões correctas ou implementar reformas inteligentes. Claro que não é por esta migalha que se pode dizer que o governo estará à altura. Mas pelo menos é sensato esperar mais um pouco e dar o benefício da dúvida.

JCD
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quarta-feira, agosto 04, 2004

Nova Época

Estamos naquela altura do ano em que a relação dos media desportivos com os clubes de futebol está prestes a azedar. Desde o começo dos trabalhos das equipas, que os clubes vivem em estado de graça com a imprensa desportiva. Os jornais enchem a alma dos adeptos com novos jogadores, treinadores, tácticas e dinheiro fresco a entrar de transferências milionárias. A análise que os comentadores fazem dos jogos de preparação é no mínimo ridícula: dão imenso valor aos pequenos detalhes individuais, procuram justificações para os maus resultados, toleram jogos miseráveis, mimam os jogadores como se eles fossem heróis, no fundo enchem de esperanças os adeptos mais irracionais. Mas essa postura simpática não é mais do que uma armadilha para o que aí vem. Com o começo das competições oficiais nada mudará no que diz respeito ao rendimento das equipas, mas a mão pesada da imprensa desportiva vai começar a ditar as suas leis. Tal como aconteceu em anos anteriores, os comentários vão deixar de ser uma propaganda aos clubes, para passarem a ser regidos pelos resultados. No fundo, os comentadores protegem sempre quem vai à frente, independentemente da qualidade do futebol praticado e colocam imensa pressão às restantes equipas que estão sempre “proibidas de perder”. E visto que a comunicação social desportiva é uma péssima fonte de informação, torna-se essencial ver os jogos de preparação para tentar perceber qual vai ser a melhor equipa neste ano. Foi o que fiz este fim de semana com o Sporting, Benfica e Porto. Não escondo que fiquei contente com o que vi. Não só o Sporting e Benfica mostraram mais futebol do que no ano transacto, como o Porto piorou muito desde Maio. Normalmente seria lógico que a relação de forças entre os três clubes passasse a estar mais equilibrada. Mas ainda falta um factor que pode desequilibrar novamente: Diego. Não é todos os dias que temos na liga portuguesa um candidato a melhor jogador do mundo. Certamente que as próximas semanas darão uma perspectiva mais clara do que irá acontecer. Veremos até que ponto o Sporting e Benfica, com a irreverência da sua juventude e a perspicácia dos seus novos treinadores, conseguem substituir o Porto na liderança do futebol nacional. Até agora perspectiva-se um campeonato melhor que o do ano passado.

JCD
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terça-feira, agosto 03, 2004

Nasceu uma estrela

Olá a todos. Apareço mais tarde que os meus distintos colegas de prosa, mas, tal como no futebol, a contratação dos jogadores mais valiosos envolve por vezes difíceis negociações. Não tenho grande predisposição ou talento para introduções, cumprimentos ou conversas de elevador. Muitos dizem que tenho mau feitio, mas sou um tipo simpático que se indispõe facilmente perante estupidez, especialmente se ela for temperada com petulância arrogante. Por agora é só. Vamos em frente, camaradas!
JPE
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