quarta-feira, dezembro 22, 2004

A solução Portugal III

Tinha ficado na redução da despesa pública, que implicaria despedimentos e saída do Estado de várias áreas a que agora se dedica. Porque razão é isso difícil de aplicar? Vamos por partes.

Começa logo pelas elites partidárias. Todos os partidos portugueses, sem excepção, são mais socialistas que liberais. Como tal, quando não têm uma aversão doutrinária clara às soluções liberais, têm pelo menos algum desconforto em lidar com elas. Contudo, as elites dos partidos de poder, PS e PSD, poderão ter alguma clareza de espírito e perceber da necessidade de aplicar medidas liberais. E qual é o primeiro obstáculo? É o próprio partido, as suas bases.

Esta primeira barreira, a do próprio partido tem justificações fáceis. Os partidos de poder destacam-se dos restantes por terem uma vasta gama de apoiantes, incluindo grupos de pressão, que albergam expectativas de recompensas em caso de vitórias eleitorais (lugares, ajudas, facilidades aqui e acolá). Estas ansiedades, legítimas ou não, têm uma consequência simples. Claro que quem espera obter benefícios do Estado não fica contente com políticas que visem a redução do mesmo. Menos bolo, menos boys.

É uma atitude estúpida, porque acabam por matar a galinha dos ovos de ouro. Mas esta gente não deve ter tido pais que lhes lessem os contos de fadas. Em relação aos outros partidos, bem se lhes reconhece a repugnância ideológica ao liberalismo, e deles mais não se pode esperar que propaganda apocalíptica e sem tréguas, naturalmente contra.

Mas admitindo que um destes partidos avançaria com medidas eficazes de descida da despesa pública (redução do estado). Bastava o seu anuncio para provocar uma revolta no país. O outro partido de poder naturalmente seria contra, por mesquinhas razões eleitorais. Sindicatos, grupos de pressão e tudo o mais iriam ameaçar com corte de estradas, parar o país com greves, cortar os pulsos. Mas admitamos que se conseguiria uma amplo consenso partidário para um conjunto de medidas, sossegando também alguns sindicatos. A próxima etapa seria o Presidente da República. Neste cenário, em teoria também faria parte do consenso.

O próximo passo seria vencer a própria Constituição, que actualmente apenas permite mudanças de cosmética. Novamente seria necessário um amplo consenso PS e PSD, para fazer a sua alteração. O último passo decisório (ainda não na fase da implementação, que teria toda outra série de bareiras a vencer) seriam os próprios portugueses. Cerca de metade dos portugueses vive directa e indirectamente da actual configuração do Estado. Naturalmente seriam avessos à mudança. Esta barreira também só poderia ser vencida por um consenso partidário. Não é muito bonito de dizer, mas só deixando os portugueses sem escolha. Dizendo-lhes claramente que, quer ganhe PS ou PSD, algumas medidas fundamentais seguiriam sempre para a frente.

Chego, então, à conclusão que seria fundamental em quase todos os passos, de um amplo consenso político. Bem se vê que no actual estado dos partidos tal não é possível. Há demasiada sensação de estabilidade, os apuros parecem ainda poucos e alguns pensam mesmo que existem outras soluções. Mas devemos ter atenção. Consensos em democracia não devem ser a regra, que essa deve ser a disputa entre várias propostas. Consensos nunca são uma coisa saudável, serão uma solução de último recurso.

E penso que só mesmo como último recurso eles irão ocorrer em Portugal. Muito temos falado de crise nos últimos anos, mas a maior parte das pessoas continua a fazer a vida de modo normal, com alguns apertos à mistura. Por enquanto, queremos apenas mudar de ares, que as coisas melhorem um pouco, enquanto nos divertirmos a gozar com os políticos.

Só quando haver uma consciência real de que foram cometidos erros muito graves por todos, e que o actual paradigma, mais que esgotado, leva ao caos, há condições para mudar e existirem os tais consensos. Mas é imprevisível, porque se decide no desespero e pode haver a tentação de ganhar apenas disputas verbais com acusações mútuas e lançar de culpas. Assim, mais vale darmos a gestão do país a um grupo de trabalho, não eleito, de burocratas de Bruxelas, ou sermos ocupados pelos espanhóis ou mesmo pelos marroquinos.

Mas se ainda temos algum orgulho como povo, a determinada altura, teremos que colocar a mão na consciência, admitir os erros e procurar um novo caminho. Que isso aconteça a tempo.

MC
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A solução Portugal II

É do senso comum, apesar de não ser prática comum, que os melhores pais não são os que providenciam todos os desejos aos filhos e que um bom ralhete poderá ter efeitos muito benéficos. Portugal, em relação à União Europeia, podia dizer o mesmo. Talvez tenhamos mais a agradecer os ralhetes da União Europeia em relação ao défice que os dinheiros fáceis que nos foram oferecidos. Infelizmente, tivemos pouca habilidade em aproveitar o melhor que a União Europeia tem (mercado livre), preferindo estruturar antes a nossa preguiça e mediocridade com os fundos comunitários.

A UE não está em condições de aparar os disparates lusos, com a entrada de novos membros, o preço do petróleo e a fraca dinâmica da economia internacional. Mesmo se tivesse condições, talvez não o devesse fazer, mas o facto é que não tem. Portugal está entregue a si. Temos que agradecer à União europeia o facto de nos ter avisado, sobretudo de ter chamado à atenção que em certos aspectos estamos no vermelho, como o défice. Mas daqui para a frente é apenas connosco. E Iremos ver se temos solução para nós mesmos.

Penso que quase tudo se pode reduzir a dois pontos. Diminuir a despesa e dinamizar a economia. Isto inclui tudo, saúde, educação, justiça. A economia, que hoje é essencialmente privada, não pode se desenvolver com as amarras que o Estado lhe coloca (por ser ineficiente, ter má justiça, distorcer mercados, cobrar demasiados impostos, etc.). Portanto, quase tudo se pode resumir à redução da despesa pública como o essencial.

Contudo, a despesa pública é essencialmente fixa, o que quer dizer que só é possível diminui-la despedindo e saindo o Estado de várias áreas onde agora detém o monopólio ou uma participação importante. Mas isto não é conversa de neo-liberal? Bem, é por aqui que tudo começa a não se desenvolver.

MC
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A solução Portugal I

Durante décadas, discussões sobre o papel do Estado apenas se faziam, com profundidade, em alguns círculos reduzidos. A história recente era bem clara. De um socialismo de direita cristã (salazarismo), passou-se para um socialismo de radical esquerda (PREC), depois para um socialismo de centro (início do Cavaquismo) e finalmente um socialismo meramente oportunista, que temos hoje.

Em todas estas variantes, uma vontade paradoxal se manteve. Mais importante que ter um estado eficaz era ter um estado grande e pesado. Num país onde os ideólogos do liberalismo apenas foram lidos por uns quantos curiosos, o máximo de clarividência que alguns aconselhavam era de alternância entre direita e esquerda, para compensaram os excessos uma da outra.

Os debates em que entravam algumas ideias liberais sempre chegavam às mesmas conclusões. As ideias liberais eram demasiado frias e cruéis para se darem bem com o modelo social europeu. De facto, a Europa já tinha cedido em demasia ao neo-liberalismo e aos avanços do capitalismo selvagem, pensavam. O que precisávamos era de mais socialismo. Inúmeros exemplos avulso dos EUA serviam para provar as posições europeias.

Contudo, também a Europa tem que lidar com a realidade. Há indicadores impessoais que não dependem da vontade, o défice do Estado, por exemplo. Curioso ver que o défice é um problema de há muito tempo em Portugal, mas apenas com ameaças da UE é que passou a ser reconhecido como um problema relevante. Como se fosse mais importante para a UE, Portugal ter um baixo défice do que para os próprios portugueses.

As vozes dominantes criticaram a obsessão do défice, essa coisa menor. Os limites fixados pela EU, ridículos. Pretextos apenas para os neo-liberais quererem privatizar tudo e acabar com os subsídios. Ou dito de forma mais populista, apenas um pretexto para direita retirar direitos aos trabalhadores, acabar com práticas sociais, voltar a práticas salazaristas. Estávamos na fase da negação, não há problema e se há, os políticos que estão no governo o resolvam sem nos chatear.

Mas o próprio povo, apesar de tudo, mostrou mais sensatez que a intelectualidade bem pensante. No fundo, tinham respeito pela austeridade de Manuela Ferreira Leite. Contudo, começa a ser agora evidente que o défice, originado sobretudo pela despesa pública, é um problema muito grave, e não um mero número que deve ser atingido para não ralharem connosco.
As anteriores discussões abafadas, onde uns defendiam a retirada do estado progressiva de sectores como a Educação, Saúde, economia e prestações sociais, mudaram de tom. Antes era um argumentar que essas funções “do Estado” eram mal desempenhadas, onerosas e podiam ser efectuadas de formas mais eficazes por privados. Agora, ao invés de saber qual a melhor forma de as realizar, estamos a atingir o ponto de rotura.
MC
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terça-feira, dezembro 14, 2004

Direita e esquerda – E o futuro?

Finalizo agora a série de post sobre direita e esquerda. Esta série de posts é marcadamente pessoal. É certo que não entram em grandes intimidades, e pouco revelam do que faço e do que sou. Não dou a conhecer estas mutações que se deram em mim com um sentido evangelizador, de tentar que outros sigam as minhas passadas. Porque sei que não há duas pessoas que sigam o mesmo caminho, nem tão pouco tenho a convicção que sigo para algum local digno de imitação. Tudo se resume a uma questão de expressão da minha liberdade. A fragilidade da liberdade é imensa, apesar de ser uma palavra tão estimada em discursos. Não sei por quanto mais tempo poderei falar num Portugal livre. Não quero ser apocalíptico, mas acho inquietante todos darem a liberdade como algo adquirido para todo o sempre, ao mesmo tempo que o respeito na prática por a liberdade de cada um diminui. O barco afunda e já todos temos os pés molhados, mas ainda assim não nos cansamos de elogiar a robustez da nossa embarcação.

Aquilo que faço com a minha liberdade é assunto que, em geral, não tem sentido tornar público. Ou por não ter qualquer interesse para os leitores, ou por pudor ou por simples bom senso, ficará para outras esferas. Contudo, neste blog penso que tem algum sentido exprimir como uso um pouco da minha liberdade em relações a questões políticas. Nem que seja para explicar que longe estou de filiações partidárias e de simpatias enraizadas por motivos inexplicáveis. Antes de tudo, é um processo exploratório que conduz frequentemente a caminhos difíceis e sem esperança, mas também a outros aliciantes e desafiantes.

Como se costuma dizer que não há caminhos mas apenas o caminhar, como tal sinto-me muito mais impelido a descobrir do que aderir. O futuro não é optar por direita ou esquerda. Muito fácil é hoje em dia através da net reunir milhares de páginas que nos explicam o que é o liberalismo, comunismo, socialismo, anarquismo, fascismo, social democracia, democracia cristã, com todas as suas múltiplas correntes e variantes. Mais do que papaguear slogans sobre estas ideologias, prefiro descobrir por mim o que dizem.

MC
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quinta-feira, dezembro 02, 2004

Bota Abaixo

Das opiniões que tenho ouvido de amigos e conhecidos fiquei com a ideia de que para a maioria das pessoas a dissolução da assembleia foi uma coisa absolutamente normal, já esperada e até desejada. Confesso que para mim foi um choque. Sempre pensei que este tipo de acções aconteciam apenas nos países do terceiro mundo, em particular na América do Sul, e que em Portugal os problemas seriam analisados e resolvidos de forma racional e não através do "bota abaixo". Mesmo quando o Guterres fugiu com o rabo entre as pernas ao fim de seis anos de engorda estatal, achei que tinha sido uma atitude irresponsável e que prejudicou o país. Era preferível ficarem e tentarem de todas as maneiras inverter a subida do défice público.

Independentemente da qualidade do novo governo que venha a entrar em funções (talvez só em Maio!), não me parece que o actual governo tenha tido uma prestação tão má que merecesse tamanha reprovação. A reforma fiscal, a reforma do arrendamento, a continuação do programa dos hospitais SA, do fim dos benefícios fiscais e a introdução de portagens na SCUTs são algumas das medidas que considero corajosas e positivas. Para além das últimas trapalhadas que não me parecem relevantes para o país, penso que o pior momento deste governo foi o atraso no início do ano lectivo. Aí sim, estiveram mal. Mas não é razão para ficarmos seis meses sem governo, nem para estarmos constantemente em eleições. Fico então à espera da explicação do Presidente da República… espero sinceramente que não seja baseada em politiquices mesquinhas ou questões partidárias.
JD
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