sexta-feira, maio 25, 2007

A decadência moral dos portugueses

Até que ponto Maquiavel teve razão quando defendeu que ao governante era preferível que fosse temido em vez de amado? Para ter escrito isto podemos supor um contexto em que se verifica uma versão da tragédia dos comuns. A tragédia dos comuns ocorre quando um comportamento similar é causa de um dano geral, mas se uma das unidades decidir mudar a sua prática, não só não conseguirá melhorar a situação como irá colocar-se numa situação muito desfavorável. Sendo os incentivos contrários à mudança, atinge-se um ponto de estabilidade negativo.

A formulação de Maquiavel opõe o temor à adoração. Contudo, ao invés de se excluírem, um é frequentemente causa do outro. O indivíduo que não tem coragem para se indignar, esconde essa cobardia de si mesmo convencendo-se que ama quem o mal trata. Esse mecanismo pode ainda ser potenciado em situações de grande impotência, como o rapto, ou quando ocorre de forma colectiva, como no caso do maoismo, que mesmo no ocidente provocou histeria a muitos.

Num contexto democrático as coisas decorrem de forma um pouco diferente. Não é possível impor um terror permanente sobre os governados e também não é concebível uma adoração unânime ao líder. Por isso o Príncipe aposta na degradação moral dos súbditos. A indignação só é possível quando existe uma forte concepção de justiça, caso contrário resta a ira momentânea, como nos animais, que se dissipa rapidamente. Ao contrário da indignação, a ira não potencia uma reacção de grupo consistente, porque apenas se manifesta naqueles que se sentem afectados. A degradação moral tem também outras consequências, sendo uma delas a quebra de confiança entre as pessoas, o que as torna mais dependentes de quem as governa. Quando se deixa de sentir os outros como irmãos surge a necessidade de ter um pai que a todos imponha a sua mão autoritária.

Esta degradação moral é por demais evidente no Portugal em que vivemos. Os portugueses não só não gostam uns dos outros como perderam qualquer noção de certo ou errado. Os dislates do ministro Mário Lino sobre o deserto a sul do Tejo foram alvo de tentativa de aproveitamento por muitos, na esperança de capitalizar a indignação que daí poderia resultar. Não perceberam que não pode haver indignação quando deixou de existir a consciência ética que a suporta. No caso da licenciatura de Sócrates, para além do imbróglio propriamente dito, o mais grave foram as pressões para silenciar as vozes incómodas utilizando directamente os meios do Estado, com ameaças de “regular” a blogoesfera, telefonemas para as redacções dos jornais e, mais recentemente, a suspensão de um professor por exprimir a sua opinião fora da sala de aula. A indignação foi quase nula porque não existe um mínimo denominador comum de consciência de algum valor ter sido atropelado.

Mesmo aqueles que falam acaloradamente sobre estas matérias, em blogs e outras mesas de café, parecem ter fraca noção do que se está a passar. Os assuntos sucedem-se e cada um é como uma onda que bate na areia da praia e apaga o rasto do passado. São quase inexistentes as vozes que falam de um mal mais geral. O máximo que vi até agora foi a elaboração de um pequeno historia sobre os casos relacionados e um alertar sobre o domínio que este governo exerce sobre a comunicação social. Mas falta um olhar ainda mais distante e uma retirada de conclusões. Enquanto a coragem de fazer isto não existir iremos oscilar entre a ira pontual, infantil, e considerações genéricas desligadas da realidade e totalmente inconsequentes. Já fomos alertados que a sobrevivência da democracia depende da vigilância constante. Esquecemos que essa missão deve ser por nós desempenhada e não por aqueles que devem ser os alvos da vigilância.

MC
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sexta-feira, maio 18, 2007

Nem sempre previsível

MINI ENSAIO, SEM APOIO BIBLIOGRÁFICO, SOBRE POLÍTICA E RELIGIÃO

O que torna a discussão política desinteressante em Portugal é a sua previsibilidade. Dir-se-ia mesmo que o debate político e respectiva prática estão vedados àqueles que não se sabe, de antemão, o que irão dizer ou fazer. Apesar da constante lamúria sobre o estado da nação e das inevitáveis medidas sempre adiadas, quando algum governante propõe alguma alteração concreta a contestação supera sempre o desejo de mudança. O povo português é como uma criança que pede um brinquedo de forma insistente e, quando lho dão, diz que não gosta.

O que os pais modernos desconhecem nos seus filhos são os seus verdadeiros anseios, que não passam por um sucessivo realizar de desejos imediatamente materializáveis. O que as crianças realmente querem é que alguém da sua confiança lhes traduza as suas motivações e inquietações, já que eles não têm ainda as ferramentas intelectuais e emocionais para o fazer. No fundo, as crianças necessitam que os pais a introduzam no mundo da filosofia. Igual anseio tem o povo adulto, nada mais espera que uma figura de referência lhes aponte o sentido da vida. Por isso as pessoas acabam por desprezar os políticos que descem “ao seu nível”, já que isso lhes furta a expectativa de transcendência, e acabam por respeitar aqueles que lhes batem o pé, como José Sócrates, Cavaco Silva ou António de Oliveira Salazar.

Claro que a função da política não é apontar para o sentido da vida, é definir soluções para a «coisa pública» e não para a “coisa íntima”. Esta dupla função que os governantes acabam por assumir advém do nascimento do Estado moderno, que concentrou todo o poder na figura do déspota iluminado. A formação do Estado moderno baseou-se numa inversão de prestação de contas entre órgãos de poder. O soberano passou a prestar contas directamente a Deus e só a Ele, deixando de se sujeitar a quaisquer ditames do Vaticano ou de outras ordens religiosas.

Contudo isto não configurou uma separação de poderes. Foi Cristo o primeiro a separar o que era de Deus do que a César pertencia, esperando divulgar a doutrina do primeiro sob a protecção terrena do segundo. Se bem que o papado não tenha sempre se guiado por estes ditames, nunca conseguiu ter verdadeiramente sobre a sua alçada o poder secular. Na formação do Estado moderno, o poder religioso apenas conseguiu sobreviver se fosse um instrumento do poder secular. Esta “real politik” do Vaticano mas também das forças protestantes, acabou por ditar, a prazo, a descredibilização da religião cristã. Ainda hoje a Santa Inquisição é vista como sendo algo gerado e gerido unicamente pelas ordens religiosas, quando foi um poderoso instrumento das forças temporais na subjugação da alma humana para seu próprio proveito, com uma cobertura de religiosidade. O odioso caiu unicamente sobre Deus, mas os proveitos foram inteiramente para César. E assim, César passou a ser Cristo.

Que evidências temos de que esta versão está mais próxima da verdade que a comummente assumida? Desde logo, a protecção deixou de se pedir à divina providência mas ao Estado, que passou a ter o exclusivo. A fé também já não está numa vida maior depois da morte mas na validade do assistencialismo prestado pelo Estado. E quem define hoje em dia os dogmas, as heresias e as formas de expiar os pecados são os políticos e não os padres. Quando os estatistas actuais pugnam veementemente pela separação entre Estado e Igreja, o que realmente querem é o monopólio da simbologia religiosa. Defendem que o Estado deve ser laico, o que é desejável, mas interpretam isso como a necessidade de uma série de medidas anti-clericais. O objectivo é que a vivência religiosa passe a ser como a sexualidade, apenas tolerada se afastada dos olhares de todos ou, no máximo, como uma curiosidade folclórica, inócua, para turista ver.

O fim último é restringir qualquer poder de influência que o cristianismo possa ter. A missão do Estado está praticamente concluída neste aspecto, o cristianismo é visto pela maior parte das pessoas como uma curiosidade não muito diferente da astrologia. A maior parte dos cristãos envergonha-se de assumir a sua condição. Para os ateus fanáticos tratam-se de grandes conquistas mas os agnósticos e ateus conscientes deviam estar atentos aos perigos desta nova configuração. Mesmo que não lhes agrade o sentimento religioso, devem perceber que este não se vai esvair eliminando o cristianismo. Essa necessidade de religiosidade será cooptada pelo radicalismo islâmico, pelas religiões biónicas criadas por bilionários ou ainda por uma versão moderna do déspota iluminada, quem sabe um futuro presidente do Governo Mundial. Apesar do cristianismo ter sofrido várias deturpações ao longo da sua história, é uma religião que se baseia no amor ao próximo e na separação de poderes. Já as suas alternativas que esperam ardentemente pela derrocada final da Cruz são na sua essência movimentos totalitaristas. O ódio aos padres acabará por criar novos sacerdotes da morte.

MC
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sexta-feira, maio 11, 2007

Unidos perderemos

O que têm em comum a discussão sobre o aborto, a crise na câmara de Lisboa e a aprovação da nova lei sobre o fumo? Na minha opinião, o que há em comum é uma subserviência implícita dos grandes partidos ao politicamente correcto. Acontece que o politicamente correcto é como o Diabo, a sua maior artimanha é fazer-se passar por inexistente. Já se viu alguém a defender o politicamente correcto de forma explícita?

O politicamente correcto aparece como um imperativo social e quem a ele se opõe passará por retrógrado, ignorante e sem consciência social. Dessa forma, defender o aborto livre, a eutanásia, a liberalização de drogas duras, a proibição crescente do fumo, discriminar positivamente mulheres, gays e minorias étnicas, desvalorizar a religião e as instituições tradicionais, tornam-se acções só por si merecedoras de valor. O debate em seu torno é cada vez mais difícil e quanto mais mediático for o meio de comunicação, mais estreita é a gama de opiniões que podemos assistir.

Mesmo aqueles que se opõem a tanto «progressismo» adoptam uma postura em que, a cada intervenção, antes de expressarem os seus pontos de vista, concedem algum tempo para elogiar o ponto de vista contrário. Tentam assim apagar a má imagem que acham que as suas posições «conservadoras» lhes associa inevitavelmente. Este jogar à defesa provoca uma reacção do lado oposto que é, naturalmente, o jogar ao ataque. Não é difícil aos «progressistas» ridicularizar os «conservadores» que já se encontram de cócoras.
O povo não perceberá os pontos mais elaborados da discussão, nem conseguirá detectar as falácias, quando não mentiras deliberadas do processo, mas perceberá este jogo de forças. Percebe logo que há uma parte que está derrotada à partida e por isso aceita, com naturalidade, que o conjunto de medidas «progressistas» é mesmo inevitável. Portugal, que alguns dizem reger-se por uma democracia liberal que serve um povo ainda bastante conservador, é na verdade um rectângulo em revolução permanente, que destrói a cada dia que passa as suas realizações sociais em nome de uma proposta de futuro nunca escrutinada. O problema lusitano é o medo de ficar mal na fotografia. É realmente cobardia de discordar de viva voz. Pior ainda, é nem ter a decência de duvidar.

MC
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domingo, maio 06, 2007

Viagem ao Japão

Alguns resultados da minha ida ao Japão podem ser vistos aqui.

MC
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sexta-feira, maio 04, 2007

Distorções morais

Chantal Delsol fala no seu livro “Icarus Fallen” que actualmente a moralidade baseia-se unicamente na emoção, estando totalmente separada do seu fundamente essencial, que é a verdade, em geral alguma verdade religiosa. A partir daqui acrescento que a relação é complexa uma vez que as próprias reacções emocionais derivam, em parte, das concepções morais. Mas, uma vez perdida essa ligação à «verdade», tudo passa a ser possível. Mais pernicioso que a total perda do sentido da moralidade é a sua deturpação completa. Os indivíduos amorais estão ainda constrangidos pelos instintos que não só têm em vista a auto-preservação egoísta mas também fornecem algumas ferramentas para harmonização social. Não constitui isto uma defesa do «bom selvagem» mas apenas notar que um «selvagem» no meio da civilização é bem menos nefasto que um indivíduo com a moral deturpada.

Isto acontece porque a moral deturpada consegue derrubar todas as barreiras, cometer todos os crimes e, ainda assim, ter um sentimento de superioridade sobre tudo e todos. O que se torna dramático em termos sociais é a influência que apenas alguns elementos «transtornados» conseguem induzir na “consciência global”. Não é por moral a cristã ter vindo a perder peso que deixa de haver necessidade do sentido da moralidade. É caricato que aqueles que criticavam a aceitação da moral cristã sem qualquer sentido crítico, venham agora propor morais alternativas, irritando-se de sobremaneira quando alguém tenta avaliar as suas propostas. Justificam a sua intolerância com as intolerâncias passadas, mesmo que estas tenham ocorrido há centenas de anos. A Inquisição servirá de desculpa eterna, inclusivamente para as inquisições que agora tentam fazer e em grande parte já fazem, aproveitando o vazio moral que eles mesmos ajudaram a criar.

Uma notícia do Portugal diário indicava que Paulo Portas recuperava uma máxima nazi (“O trabalho liberta”), que deixou escapar durante comemorações do 1º de Maio. Não que Paulo Portas possa queixar-se de mau tratamento pela comunicação social, pelo contrário, foi uma excepção. Alguns dias antes José Mário Branco usava os telejornais para explanar as suas visões do mundo. Criticava o capitalismo e disse que isto já não ia lá com palavras mas só partindo tudo e construindo depois uma nova sociedade. A forma como estes exemplos são recebidos mostra bem que as palavras de Chantal Delsol descrevem com precisão a sociedade portuguesa. Interessa apenas o efeito emocional do que se diz e não a verdade ou a mentira implícitas. A direita é nazi? Não interessa, mas apenas que dizer isto provoca uma forte emoção de regozijo. Por outro lado, quando elementos da esquerda totalitária (passando o pleonasmo) defendem acções que qualquer neo-nazi aplaudiria de pé, são admirados porque utilizam um discurso com uma simbologia que evoca admiração e respeito.

MC

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