sexta-feira, agosto 31, 2007

Guerra cultural (6)

O AMBIENTALISMO COMO PRINCIPAL MOTOR DO TOTALITARISMO

Nos posts anteriores defendeu-se que a proposta da modernidade iria, por um lado, deixar o indivíduo sem capacidade introspectiva e, por outro, dissociado da própria família, neste caso em nome de uma família universal. Mas depois do indivíduo deixar de saber como se relacionar consigo próprio e com os que lhes estão mais próximos, coloca-se a questão de saber a posição a ter face ao meio ambiente. A visão mais extremista diz que o homem só entrará em harmonia com a Natureza quando deixar de fazer quase tudo o que hoje faz. Porque, vendo bem, quase toda a acção humana modifica o ambiente em redor. Desde a utilização de matérias-primas à poluição, o homem parece só estar cá para destruir tudo à sua volta e exaurir o planeta. Até as sociedades mais primitivas não são isentas de pecado. A agricultura modifica os ecossistemas, desvia os cursos de água e até a criação de gado contribui para o aquecimento global através da flatulência das mimosas.

Estas visões mais ou menos ingénuas provocam um desejo de voltar a uma maior pureza do passado, quando o homem consumia uma fracção ínfima do que hoje dispõe e se voltava para uma deusa Mãe e todos os seus valores telúricos. Para a maior parte das pessoas são apenas ideias fugazes, a que voltam de tempos a tempos como esboço de exercício de renascimento espiritual. Outros organizam movimentos mais complexos, pequenas seitas à volta de Gaia, apesar de não dispensarem certos confortos da vida moderna. Mas tudo isto são causas minoritárias que não alteram o curso da humanidade. E uma boa forma de colocar o colectivo em sentido é incutir-lhe medo. Nas últimas décadas foram vários os alertas sobre os grandes perigos para a humanidade para além dos grande conflitos, a sobrepopulação, o arrefecimento global, o buraco do ozono, o aquecimento global, agora cuidadosamente baptizado de “alterações climáticas”.

Os temores passados referidos nunca chegaram a “pegar de estaca” . Várias são as razões para a “consciência ambiental” ser hoje maior que nunca. Por um lado a menor presença do sagrado tradicional criou uma maior apetência para novas crenças. Temos também os deserdados do muro de Berlim e outros revolucionários que vêm no ambientalismo uma nova causa. E que causa! Uma ameaça a nível planetário, não a poluição de um rio qualquer ou a extinção de um bicharoco numa floresta que ninguém sabe onde fica. Voltamos a ter um excelente pretexto para refazer a sociedade de alto a baixo. A mensagem é cristalina, a actual configuração da sociedade conduzirá a um apocalipse num futuro distante mas previsível. Face a isto, só resta entregar as rédeas aos novos planeadores que evitarão a catástrofe.

MC
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quinta-feira, agosto 23, 2007

Guerra Cultural (5)

ACABAR COM O MITO DA FAMÍLIA

Pois bem, os cidadãos do mundo, que querem estar em harmonia com o meio ambiente, com as plantas e os animais, com todas as raças e credos (menos um…), têm alguma dificuldade em conceber essa coisa da família. É certo que alguns até dizem ter uma relação excepcional com os pais, consideram-nos amigos, nada aquela coisa antiga onde havia autoridade e castigos. Foram os pais que os levaram à discoteca pela primeira vez, que lhes falaram de sexo sem complexos. Se todos tivessem uma educação perfeita como esta só existiriam pessoas equilibradas e o mundo viveria em paz. Uma opinião que dizem ser abalizada por outros amigos de longa data, apesar de oficialmente desempenharem a função de psicólogos e psicanalistas.

Não é possível destruir por completo a consciência do indivíduo se não lhe afectarmos também as suas relações com o exterior, em especial com outros seres humanos. São raras as pessoas que conseguem ter uma mente ordenada se trabalharem num espaço caótico. Nunca encontram nada, não conseguem definir prioridades, não conseguem dar um rumo ao que fazem e por isso acabam por fazer tarefas insignificantes ou simplesmente a fazer parte dos planos de alguém. Em termos de consciência individual algo semelhante também ocorre. Se o indivíduo não reconhece qualquer noção de autoridade, se não tem ninguém a quem respeitar, se não distingue conhecidos, amigos, parentes e colegas, acaba por não ter qualquer exemplo ordenado no exterior que possa emular no seu anterior. Esta indiferenciação com que vê tudo à sua volta acaba por ser o espelho da sua alma, vazia, indecisa, sem luz, apesar do que possa aparentar.

O principal alvo, com o objectivo de destruir esta ordem exterior, é a família. A modernidade diz que já não há diferença entre pai e mãe, que aquilo que nos diziam ser natural eram apenas modelos impostos por culturas machistas e irracionais. De uma penada deita-se abaixo toda uma série de conhecimentos práticos acumulados durante milhares de anos, declarando que novos modelos têm a mesma validade, apesar de pouco ou nada experimentados. Mais do que pedir o benefício da dúvida, é exigido que se penalize abertamente a família tradicional, a começar pela eliminação de conceitos como pai e mãe.

Sobre a educação, recria-se o mito do bom selvagem ou, melhor, a noção platónica de que a alma renasce e não precisa aprender mas apenas recordar. Obviamente que os pedagogos modernos não têm a mesma sofisticação do sábio grego. Pensam que a chave de tudo é o estímulo da imaginação e inculcar uns quantos preceitos do totalitarismo correcto (conceito que substitui o politicamente correcto). Não é difícil prever que uma criança que cresce com pais que não querem desempenhar o seu papel irá sentir esta carência e tentará colmatá-la de alguma forma. Os desígnios da modernidade não deixarão isto a cuidado do acaso, como anteriormente. Candidatos naturais são os educadores profissionais. Pela vida fora o papel será desempenhado por burocratas especializados nessa função. Serão eles os únicos que darão alguma noção de ordem e autoridade.
As revoluções anteriores precisavam de indivíduos que emocionalmente nunca saíssem da adolescência e que utilizassem a revolta interior para justificar actos terroristas de sabotagem da sociedade. O totalitarismo democrático, pelo contrário, necessita de indivíduos que nunca cheguem a adolescentes e se mantenham crianças toda a vida.
MC
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sexta-feira, agosto 17, 2007

Guerra cultural (4)

TODO O PROJECTO REVOLUCIONÁRIO COMEÇA PELO FIM DO INDIVÍDUO

Neste e nos posts seguintes serão abordadas algumas das características da modernidade. A consciência individual é algo que perderá o seu sentido. O indivíduo vai deixar de prestar contas a Deus porque a educação dominante será anticlerical. Também não prestará contas à verdade porque o relativismo dominante garante que tal coisa não existe. Existe ainda uma interpretação “liberal” da questão que garante que todos têm direito a que a realidade se adapte às suas opiniões.

Mas este elidir da consciência individual é complementado pelo trabalho dos burocratas, que a troco de concessões “insignificantes” da nossa liberdade, vão garantir que todos terão uma vida saudável e feliz. O exemplo mais patente está na proibição de fumar que vai progressivamente se estendendo a mais locais, já se falando nas próprias habitações particulares. Já motivo de discussão é o combate à obesidade, com programas forçados para os gordinhos. Alguém pode duvidar que é tudo com boas intenções? Depois de vencidas as resistências das forças reaccionárias e atávicas da sociedade não há virtualmente limites para a regulação da vida privada de cada um. Depois dos gordos serão naturalmente os magros os visados, ninguém vai deixar de ter o peso correcto. Mas importante não é só a quantidade do que se come mas também a qualidade, por isso serão elaboradas listas dos produtos permitidos na culinária e fortes recomendações de como devem ser confeccionados e em que quantidades terão de ser servidos.

Mas se a aparência é assim tão importante, porque não obrigar todos a tomar pelo menos um banho diário? E a vestir-se de acordo com os padrões estéticos da sociedade. Mas não só de aparências vive o ser humano, há que alimentar-lhe o espírito, obrigá-lo a ler determinados livros, a não deixar de estar atento a certo jornal que tenha sido aprovado por um qualquer comité de sábios. Todos terão de ir a regulares sessões de grupo onde comprovem que seguem os ditames que lhe garantem a felicidade suprema.

Em suma, retirando ao indivíduo adulto algo transcendente a que tenha de prestar contas, Deus ou a Verdade, ele vai tornar-se numa criança. Será inseguro e com uma necessidade permanente de protecção contra a incerteza e por isso irá ansiar por mais e mais regulação e que a burocracia lhe diga exactamente o que tem de fazer em cada situação. E isto não só é possível em democracia como irá por ela ser potenciado.
MC
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Guerra cultural (3)

A MODERNIDADE COMO PROJECTO REVOLUCIONÁRIO

Nos dois posts anteriores escrevi, a propósito da situação laboral, sobre o discurso “economês macro”, tão genérico que só é apelativo aos tecnocratas, e de algumas situações concretas que o indivíduo comum depara ante a perspectiva do desemprego. Seria quase expectável enveredar agora por uma síntese dialéctica, mas não o farei porque o verdadeiro objectivo destas reflexões está contido no título desta série. O problema de iniciativas como o Compromisso Portugal não é apenas a reduzida adequação do discurso à realidade das pessoas que votam. É um movimento que se pode classificar de combate de ideias mas que não faz qualquer guerra cultural nem sequer dá mostras de saber o que isso é. Pior do que ser presa fácil do populismo, iniciativas aparentemente liberalizantes podem ser facilmente incorporadas no movimento revolucionário.

Para a maior parte dos analistas a queda do muro de Berlim acabou com as utopias e os projectos de revolução. Os partidos marxistas vão-se tornando residuais em termos eleitorais, a China já é mais capitalista que comunista, Cuba espera apenas a morte de Fidel e Hugo Chávez é apenas um epifenómeno que irá desaparecer num ápice devido às contradições no sistema que vai criando. Ora, isto é uma visão simplista que tem dois erros de base. Por um lado parte do princípio que só são projectos comunistas os que tentam implementar no imediato a ditadura do proletariado e a socialização dos meios de produção, quando o próprio Marx achava que a transição levaria muitas gerações. O outro erro é achar que só existe projecto revolucionário se este for declaradamente marxista e tudo o resto não passa do natural devir da modernidade. Mas o que é essa modernidade se não um enorme projecto revolucionário já que pretende construir toda uma nova sociedade desde a raiz?

MC
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sábado, agosto 11, 2007

Guerra cultural (2)

Como encara o cidadão comum a hipótese de ficar sem emprego? Um despedimento compulsivo, por justa causa, será sempre visto como uma profunda humilhação. É natural que assim seja, um misto de culpa, de revolta, de solidão, de enfrentar algo para além das suas forças. Contudo, durante décadas criou-se a mentalidade de que o trabalho era um direito e tudo devia ser feito nesse sentido, o que incluía a manutenção de postos de trabalho artificiais e até impedir os despedimentos de pessoas que têm uma incompetência militante. Por isso, a perspectiva de perder o emprego é sentida, antes de mais, como a retirada de um direito e, sejam quais forem as circunstâncias, isso constitui uma afronta inadmissível. Diria até que impensável.

Mas, se o emprego está garantido para todo o sempre, nada impede que se façam planos a muito longo prazo. Abriu-se aqui uma oportunidade de negócio que bem aproveitaram os profissionais do crédito. Ao fim de pouco anos gerou-se mesmo uma pressão social para entrar no mesmo ciclo. Ninguém quer ter um carro antigo e desconfortável quando todos à sua volta têm um último modelo. E quem quer viver numa casa minúscula ou, blasfémia das blasfémias, com os pais se todos os restantes ganharam já a sua emancipação numa casa própria? E ninguém vai gostar de ficar calado quando se gera uma conversa em redor a férias em locais exóticos. Tendo em conta os baixos salários em Portugal, mesmo entre os licenciados, o que resta para a poupança é quase nada.

Contudo, pior que ficar sem emprego o pior são as reduzidas perspectivas de voltar a ter um posto de trabalho a curto prazo com características idênticas. A rigidez do mercado de trabalho faz com que a maior parte das pessoas tenha-se dedicado a um conjunto limitado de tarefas anos a fio, como se costuma dizer, não sabem fazer mais nada. A baixa formação profissional e os constantes incentivos para não levantar ondas tornam a perspectiva de fazer algo diferente simplesmente irreal. Nas pessoas mais velhas isto agrava-se ainda porque a desabituação à mudança é mais prolongada, a escolarização mais baixa e a rigidez mental naturalmente mais elevada.

A queda no infortúnio, a perspectiva do desemprego de longa duração, as contas para pagar, a poupança quase nula. Num desespero como este é mais fácil acreditar nos populistas que falam mal dos patrões, dos bancos (lembram-se de Sampaio?) ou pura e simplesmente no infortúnio. E além disso há sempre um facto que é muitas vezes desvalorizado mas que penso ter uma importância substancial. Falo daquela quantidade de seres rastejantes cujo único talento que se lhes conhece é a capacidade de se manterem sempre à tona de água. Em qualquer instituição, empresa, instituto, agremiação, há sempre um conjunto de indivíduos que pouco faz, que pouco sabe fazer, mas que se manobra com eficácia nos meandros do poder local. São aqueles que escapam aos grandes despedimentos e quando são forçados a sair fazem-se pagar bem caro, que saem beneficiados nas reestruturações. Mesmo que se tratem de excepções, em termos de exemplo são a regra. Todos os conhecem, falam deles nas costas e os mostram como o exemplo acabado de que o sistema não funciona por mérito ou pelo trabalho realizado mas apenas pela imagem e por manobras de bastidores.

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sexta-feira, agosto 03, 2007

Guerra cultural (1)

Na última revista Atlântico encontra-se um artigo que expõe alguns pontos de vistas do movimento “Compromisso Portugal”. Creio que não é exagero afirmar que já li as soluções ali apresentadas algumas centenas de vezes, com uma ou outra alteração, indo um pouco mais longe ou ficando aquém. E penso que a maioria dos leitores desta revista poderão dizer o mesmo. Há a ideia generalizada neste círculo de comunhão intelectual de que a mensagem ainda não passou para o grande público, o que não deixa de ser verdade, por isso há que insistir ainda muito mais. Mas a insistência não significa a repetição da mesma coisa vezes sem conta com poucas ou nenhumas alterações na forma.

Na página 20 da Atlântico de Agosto, a propósito da legislação laboral, consta o seguinte: «O objectivo deverá ser o de oferecer aos trabalhadores um outro tipo de segurança – a verdadeira segurança que lhes pode dar um ambiente económico mais dinâmico, mais recompensador das qualificações e do mérito e livre da sombra do desemprego de longa duração, onde seja possível aceder a mais e melhores empregos –, em vez da segurança ilusória da lei, materializada na vinculação ao mesmo posto de trabalho por toda a vida.» É explicado como se consegue isto? Vagamente e pela forma negativa. Um pouco mais à frente aparece: «O aumento das exportações dependerá da melhoria da competitividade dos produtos e serviços produzidos em território nacional. Ora, acontece que os custos unitários do trabalho em Portugal evidenciam uma tendência pouco positiva face aos nossos concorrentes.» E continua nesta linha de discurso, que chamaria de “economês macro”.

É objectivo desta série de posts mostrar que este tipo de discurso é presa fácil dos populismos de esquerda e direita, ecoando apenas junto àqueles que já estão plenamente persuadidos e, pela negativa, sobre os que nunca ficarão convencidos. O discurso populista é mais apelativo precisamente porque fala directamente às pessoas, às suas preocupações e sobre as suas situações concretas. Já o “economês macro” prefere falar em termos agregados, de indicadores globais, de pessoas que são reduzidas a números e de números que se reduzem a médias. As conclusões que daqui são retiradas para o indivíduo são tão genéricas e abstractas que se aplicam um pouco a todos mas ninguém se revê nelas. A efectivação do discurso só será possível se o enfoque passar a ser nas pessoas e nas suas acções. Contudo, a maior parte dos economistas irá fugir disto a sete pés com receio de serem considerados demasiado «austríacos».

MC

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