sexta-feira, abril 28, 2006

Fazer Futuro – Irá passar do formato digital?

A moção “Fazer Futuro”, que João Pinho de Almeida vai apresentar no XXI congresso do CDS-PP é um documento impressionante em termos de pujança, clarividência, ambição descomprometida e, devido a estas virtudes, condenado à inconsequência. Subscrita por um conjunto de jovens democratas cristãos, sem vícios partidários ainda notórios, sonham ainda com uma possível alteração de paradigma.

De forma realista, assume-se que um projecto liberal nunca poderá ter uma aderência de grandes massas, mas ainda assim pode construir uma base de apoio crescente, que quando superar os dois dígitos nos resultados eleitorais torne o CDS um partido indispensável à formação de governos. Para isso, a moção defende que “os valores da democracia-cristã se reúnam com a iniciativa do liberalismo e a prudência do conservadorismo.” Mais que uma orientação doutrinária, a moção defende uma nova atitude, que quebre o cinzentismo do partido e o leve a defender sem complexos uma vocação liberal e que não deixe o PS monopolizar a discussão sobre a redefinição das funções do Estado, que terá como objectivo único a salvação do Estado Social e deixará tudo na mesma. Nem o PS nem o PSD poderão ser uma força de real mudança quando a sua vocação é a de conquistar o “centrão” e 55% da população depende do Estado e naturalmente se opõe a qualquer mudança.

Depois de falar para dentro do partido, a moção faz a apresentação do projecto. Acreditar em Portugal e na integração europeia que, por ser inclusiva, não se baseia no anti-americanismo, nem tem vergonha de se orgulhar por pertencer ao ocidente, nem da sua história e por isso defende o reforço dos laços com países lusófonos.

A moção critica o modelo estatista, que defende a redistribuição coerciva de riqueza, afirmando que tal, ao invés de combater as desigualdades só causa mais pobreza. A função do Estado deverá ser a de fiscalizar o cumprimento das regras jurídicas, no plano económico. A influência da doutrina social da igreja impede que a moção defenda um estado mínimo, porque a eficiência e a racionalidade não devem impedir a existência de alguma protecção social e de um nível mínimo de serviços essenciais. O Estado será uma âncora para os mais necessitados, mas o grosso da iniciativa deverá partir da sociedade civil para que possa ocorrer a sua organização natural. A saúde e a segurança social deverão ser menos coercivas, permitindo a escolha entre público e privado.

A política fiscal deve ser um instrumento para aumentar a competitividade, e para isso é pedida a sua simplificação e aplicação da taxa plana, tornando o sistema mais justo e menos sujeito a fraude. Alguns parágrafos são dedicados à justiça, mas talvez por meu desconhecimento sobre a área, pareceu-me apenas um conjunto de intenções, algumas delas unânimes, mas com pouco matéria de aplicação prática.

Na educação é defendida a descentralização e dar às escolas, públicas e privadas, a responsabilidade de “formatar os seus projectos educativos”. Não sei se por isto entendem a responsabilidade de elaborar programas escolares e contratar professores, como seria desejável. Os pais devem poder escolher a escola dos filhos e o Estado ao invés de financiar o estabelecimento de ensino financiaria o estudante através do cheque ensino.

Em relação à segurança, a moção fala da situação actual, onde paira o risco de terrorismo e de conflitos religiosos e étnicos. Assume uma ruptura ideológica com a ideologia esquerdista dominante, em que a liberdade é associada a mais segurança e não a menos. Em termos práticos isso implica uma maior coordenação entre serviços de segurança internacionais e o não rejeitar de medidas de excepção contra situações de terrorismo, desde que não limitem de forma arbitrária direitos adquiridos.

O ambiente é encarado no contexto das liberdades negativas e deve ser tido em conta em quase todos os contextos que impliquem decisões públicas. É defendida a existência de mercados de recursos naturais onde sejam contabilizadas as externalidades ambientais de cada área de actividade. O objectivo é também que o ambiente não seja apenas uma das bandeiras da esquerda.

Em termos políticos, é defendido o reforço do parlamento e não do presidencialismo. O debate no parlamento com o Primeiro-ministro deverá ter periodicidade semanal. O pendor liberal da moção leva a pedir o reforço do municipalismo, uma vez que na óptica liberal os problemas devem ser resolvidos por quem mais próximo deles se encontra. Ao invés da regionalização é defendida a livre associação entre municípios. Por último, não poderia de ser referida a Constituição, que merece uma revisão que a coloque sem qualquer cunho ideológico a não ser o da democracia e lhe retire as obrigações económicas.


É este o resumo que faço das 23 páginas da moção. Não é meu objectivo fazer propaganda ao CDS-PP até porque penso que o partido não irá aprovar a moção e, mesmo se o fizer, não agirá em conformidade. A minha desconfiança começa logo por saber que muitas destas ideias são ditas em privado por muita gente que está no PS e no PSD. Mas também não estou muito crente porque o CDS-PP, apesar de afirmar que está livre dos espartilhos ideológicos de outros partidos e de não ter na sua base de apoio os dependente do orçamento do estado, está longe de ser um partido coerente. Longe disso, tem oscilado como nenhum outro, nacionalista ou europeísta, abrir mercados ou fechá-los. Mas também tem tido a dependência de um líder, que a quase tudo submete. É por isso que tenho sérias dúvidas que o CDS-PP terá nas suas fileiras várias personalidades capazes de defender com competência as ideias apresentadas, como diz a moção. Quando se trata de obter poder, muito facilmente se entram em concessões tácticas que se revelam ser má estratégia.

MC
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sexta-feira, abril 21, 2006

O que vamos comemorar?

FESTA DA MÚSICA NO CCB

Lá estarei amanhã. Pena só ter disponibilidade para ver 3 dos 115 concertos. Purcell e Bach, este último nas suites para violoncelo e com adaptações para piano. Gostaria também de ouvir os compositores portugueses do barroco, bem como os de vários outros países europeus da altura. Levanto este assunto não para entrar em confidências mas para chamar atenção para algo. Por incrível que pareça, houve alturas na História em que a Europa estava na vanguarda da criatividade, da iniciativa e da liberdade. Parece mentira, não é? Porque hoje em dia a Europa rasteja pelo chão, cobarde e amorfa, só se sustendo com ajuda externa na forma emigração, turismo, mas também o guarda-chuva militar norte-americano, que ainda liberta o velho continente de alguns encargos financeiros e, não menos importante, com a ajuda invisível de países como a Índia e a China, que ao invés de roubar postos de trabalho, inundam os mercados europeus de produtos mais baratos, evitando níveis brutais de inflação. Mas amanhã vou esquecer isto e apreciar algumas coisas boas que a Europa deu ao mundo.


25 DE ABRIL, A ILUSÃO CONTINUA

Recebo em c asa um programa de festas sobre o 25 de Abril. Uma autarquia comuna tinha de se esmerar, afinal. Jogos de damas e de chinquilho, mas lá pelo meio aparecem eventos (que de memória não consigo precisar) que metem resistentes anti-fascistas. Muito haveria para dizer sobre o assunto e nos últimos anos a cortina ideológica esquerdista foi-se atenuando e houve oportunidade para se ir lendo e escrevendo alguns artigos mais lúcidos sobre o assunto. Quer por falta de tempo e de grandes conhecimentos sobre a matéria, não o farei agora. Contudo, tenho que denunciar algo. Boa parte das pessoas que conheço vota, ou já votou, no Partido Comunista. Então não é que são estas mesmas pessoas que de forma cíclica oiço dizerem que isto só se endireita com outro Salazar? Os comunistas ainda não perceberam que a estima que tiveram e ainda têm por parte de algum eleitorado não se deveu à resistência “anti-fascista” mas sim por terem vendido uma ilusão paternalista, que não na forma mas no conteúdo promete voltar aos tempos do regime salazarista.


ROCK IN RIO, POR UM MUNDO MAIS HIPÓCRITA

Será que alguém acredita que alguns milhares de “xonos” reunidos para ouvir umas “cenas” e beber umas ”jolas” provoca algum acontecimento cósmico insólito que influenciará de forma decisiva os acontecimentos do mundo? Irá isto resolver os problemas energéticos, o terrorismo, o nuclear iraniano ou a fome em África? Será que alguns dos organizadores, que defendem o slogan “Para um mundo melhor”, alguma vez pensou 2 minutos (ler propaganda não conta como pensar…) sobre a origem dos problemas? Será que alguma vez lhes veio à mente que as iniciativas angariadoras de fundos, tanto ao seu gosto (não sei se o Rock in Rio é desse género) servem apenas para alimentar elites corruptas? Se o slogan fosse “Rock in Rio, para acabar com a PAC” ainda apoiava.

Ainda por cima, será que um slogan tão ingénuo vai cativar mais pessoas? É preciso justificar o evento com uma nobre causa, como se uns quantos concertos de música “ligeira” só por si fossem algo condenável? Penso até que esta arrogância toda à volta do Rock in Rio faz até abafar alguns méritos musicais que o evento tem. O mais positivo em tudo isto é que 99% das pessoas que vão estar presentes não ligam nenhuma para esta questão e só querem mesmo é divertir-se.

MC
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quinta-feira, abril 13, 2006

A semana antecipada

O título do post pode dar a entender que se fará uma revisão da semana, mas o objectivo é apenas referenciar a antecipação de um dia do post semanal. Nada de ver a semana em perspectiva, dos maus tratos infantis, das barafundas com António Costa, nem o escândalo monumental no programa “Petróleo por alimentos”, que revela as razões “altruístas” de muitos que se opuseram à invasão do Iraque. Nada disto é relevante. Nada. O passado só é relevante quando se tem condições éticas, para não dizer morais, para se extrair as devidas conclusões. Caso contrário, tudo é possível, pode-se cometer um massacre justificando que foi um acto cometido para evitar outro massacre no passado. Sem um nível mínimo de ética, não há reconhecimento da obscenidade presente nos dois actos, mascarada por pormenores insignificantes.

Pretendo com isto fazer uma breve reflexão sobre a difusão de informação pelas redes de computadores e, em particular, na blogoesfera, a sua vertente mais orgânica e pulsante. E sobre as suas duas faces opostas. A blogoesfera marca o fim das hegemonias, das filtragens editoriais castradoras. Num pequeno meio como Portugal, com escassa massa crítica, medo de pensar e décadas de propaganda socialista (cristã, marxista e, recentemente, niilista), o aparecimento dos blogs constituiu uma novidade sem precedentes. De alguns blogs, claro, alguns que começaram a raciocinar sobre o óbvio, a apontar falhas no Deus Estado, a analisar as consequências de medidas até aí dadas como indiscutíveis, que não embarcavam num carneirismo anti-capitalista totalmente acéfalo e baseado no ódio.

Quando falo dos blogs a pessoas que têm pouco conhecimento sobre o meio, quase sempre colocam uma dúvida alarmante. Mas se os blogs não têm meios de controlo, não se tornarão totalmente incontroláveis, meros depósitos de insultos gratuitos, denúncias anónimas sem qualquer credibilidade, veículos destrutivos da reputação de qualquer um? A realidade diz que não. Aqui e ali há casos de evidente má fé cobarde, com fins puramente destrutivos. Mas são casos raros e muito menos frequentes que na imprensa tradicional, dita séria mas que raramente o é. Porque um bloguer procura também ser respeitado pelos seus pares. Mesmo quando há confrontos ideológico renhidos, os bloguers raramente se digladiam muito para além do plano das ideias.
Contudo, em termos de comentários não é bem assim, especialmente os anónimos. A ausência de confronto directo, olhos nos olhos, tem consequências evidentes. Tem uma consequência muito positiva, do debate não estar restringido apenas aos mais eloquentes e com “poder de choque”. Qualquer pessoa com boas ideias pode ver o seu mérito reconhecido. Contudo, qualquer pessoa com má fé também tem o seu caminho facilitado. Ninguém o pode barrar, muito menos a sua escassa consciência. São pessoas que até se adivinham pacatas no seu trato directo, mas na ausência de barreiras, nem de ter de enfrentar “o outro” directamente, disfarçam a sua falta de coragem com o insulto fácil.
MC
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sexta-feira, abril 07, 2006

Justiça até às nulas consequências

Tantos anos a ser um cidadão exemplar, a não pisar um canteiro, não enganar o próximo nem mesmo se for o Estado, com uma condução quase isenta de falhas gravíssimas, com preocupação de não perturbar a liberdade de terceiros e toda uma série de virtudes, chego à conclusão que tenho feito o papel do idiota inútil. Portugal é um paraíso para quem comete pequenos delitos (e cada vez mais também os grandes), para aqueles que se comprazem por estragar as liberdades alheias (com ruído, ocupação de espaços indevidos e todo o tipo de assédios mais ou menos mascarados).

Chego mesmo à conclusão que o que impede que Portugal ter 11 milhões de criminosos não é o medo da aplicação da lei mas a vergonha. Mas esta vergonha é um garante pouco estável. A perda da vergonha é como um vírus que se propaga sem grandes discriminações. Muitas pessoas que aparentemente são incorruptíveis, numa situação em que determinado delito seja comum (tipo roubar laranjas na mercearia), não terão medo da humilhação de ser apanhados, quando já todos os seus amigos, familiares e conhecidos também já passaram pela mesma situação.

Durante décadas houve uma tendência “humanista” que pensou serem grandes conquistas da humanidade a abolição da pena de morte, a diminuição da justiça popular substituída por tribunais que possibilitam uma defesa justa e a tentativa de compreender as causas da criminalidade. Não nego que sejam coisas positivas, mas em tudo isto as vítimas foram sendo cada vez mais postas em segundo plano. O criminoso foi humanizado, por vezes até mais que a própria vítima, que frequentemente se sugere ser a causa de tudo. Não se percebeu que a compreensão das causas do crime devia servir para evitar o crime e não para o estimular, desculpando o criminoso.

Por detrás de tudo isto está uma justiça, sobre a qual desconheço os seus meandros quase por completo, mas ainda assim sei ser lenta, com falta de meios, cheia de figurinhas incompetentes que se julgam intocáveis e com a possibilidade de toda uma série de procedimentos que evitam chegar a uma conclusão de culpa ou inocência por tempo indeterminado. A classe política não resiste à concessão de perdões rotineiros, como se isso fosse prova da sua humanidade e não de estupidez. Mesmo quando se aprova legislação adequada a muitas situações, raramente se criam condições para sua aplicação.

Ainda poucas pessoas se aperceberam que vivem num país que não lhes dá a mínima segurança, onde podem ser roubados, ameaçadas, agredidas com cada vez maior facilidade e quem faz isso quase certamente não sofrerá consequências de maior, mesmo que seja apanhado em flagrante. Os portugueses exigem do Estado segurança a outro nível, de terem um trabalho para sempre ou de uma série de serviços “gratuitos”. Os estatistas venderam esta ilusão de segurança em domínios que não lhe competem e ao fazerem isso esqueceram a deterioração da verdadeira segurança e justiça, essas sim reais competências do Estado.
MC
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