sábado, agosto 11, 2007

Guerra cultural (2)

Como encara o cidadão comum a hipótese de ficar sem emprego? Um despedimento compulsivo, por justa causa, será sempre visto como uma profunda humilhação. É natural que assim seja, um misto de culpa, de revolta, de solidão, de enfrentar algo para além das suas forças. Contudo, durante décadas criou-se a mentalidade de que o trabalho era um direito e tudo devia ser feito nesse sentido, o que incluía a manutenção de postos de trabalho artificiais e até impedir os despedimentos de pessoas que têm uma incompetência militante. Por isso, a perspectiva de perder o emprego é sentida, antes de mais, como a retirada de um direito e, sejam quais forem as circunstâncias, isso constitui uma afronta inadmissível. Diria até que impensável.

Mas, se o emprego está garantido para todo o sempre, nada impede que se façam planos a muito longo prazo. Abriu-se aqui uma oportunidade de negócio que bem aproveitaram os profissionais do crédito. Ao fim de pouco anos gerou-se mesmo uma pressão social para entrar no mesmo ciclo. Ninguém quer ter um carro antigo e desconfortável quando todos à sua volta têm um último modelo. E quem quer viver numa casa minúscula ou, blasfémia das blasfémias, com os pais se todos os restantes ganharam já a sua emancipação numa casa própria? E ninguém vai gostar de ficar calado quando se gera uma conversa em redor a férias em locais exóticos. Tendo em conta os baixos salários em Portugal, mesmo entre os licenciados, o que resta para a poupança é quase nada.

Contudo, pior que ficar sem emprego o pior são as reduzidas perspectivas de voltar a ter um posto de trabalho a curto prazo com características idênticas. A rigidez do mercado de trabalho faz com que a maior parte das pessoas tenha-se dedicado a um conjunto limitado de tarefas anos a fio, como se costuma dizer, não sabem fazer mais nada. A baixa formação profissional e os constantes incentivos para não levantar ondas tornam a perspectiva de fazer algo diferente simplesmente irreal. Nas pessoas mais velhas isto agrava-se ainda porque a desabituação à mudança é mais prolongada, a escolarização mais baixa e a rigidez mental naturalmente mais elevada.

A queda no infortúnio, a perspectiva do desemprego de longa duração, as contas para pagar, a poupança quase nula. Num desespero como este é mais fácil acreditar nos populistas que falam mal dos patrões, dos bancos (lembram-se de Sampaio?) ou pura e simplesmente no infortúnio. E além disso há sempre um facto que é muitas vezes desvalorizado mas que penso ter uma importância substancial. Falo daquela quantidade de seres rastejantes cujo único talento que se lhes conhece é a capacidade de se manterem sempre à tona de água. Em qualquer instituição, empresa, instituto, agremiação, há sempre um conjunto de indivíduos que pouco faz, que pouco sabe fazer, mas que se manobra com eficácia nos meandros do poder local. São aqueles que escapam aos grandes despedimentos e quando são forçados a sair fazem-se pagar bem caro, que saem beneficiados nas reestruturações. Mesmo que se tratem de excepções, em termos de exemplo são a regra. Todos os conhecem, falam deles nas costas e os mostram como o exemplo acabado de que o sistema não funciona por mérito ou pelo trabalho realizado mas apenas pela imagem e por manobras de bastidores.

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