sexta-feira, julho 20, 2007

Foram os liberais que perderam as eleições

Após e até antes cada desaire eleitoral dos partidos mais à direita do espectro eleitoral português, aqueles que se consideram liberais aparecem a falar na crise da direita, que esta não se reforma, que não tem novas ideias, que não incorpora em si os princípios liberais. Mas, questiono, porque haveriam os partidos ir ao encontro do liberalismo? É certo que as ideias têm consequências mas as de cariz liberal, por melhores que sejam, têm de combater outras de sinal oposto bem como adaptar-se ao constrangimento democrático. É fácil criticar os políticos por serem populistas, demagogos e não arriscarem num discurso e, sobretudo, numa prática que coloque em causa algumas das premissas fundamentais do Estado social. Nas condições actuais, o jogo político acaba por ser uma tragédia dos comuns em que o primeiro a propor seriamente o fim do “statu quo” irá inevitavelmente perder as eleições. E mesmo depois das eleições ganhas com maioria absoluta, a margem de manobra para efectuar rupturas é escassa.

Penso que chegou a altura de liberais e conservadores assumirem a responsabilidade por não terem feito o suficiente para quebrar a hegemonia socialista no pensamento corrente. Cabe em grande parte aos liberais, porque verdadeiros conservadores parecem ser ainda mais raros que estes, trabalhar no sentido de criar uma corrente de fundo suficiente para que não seja suicida a estratégia dos partidos de direita e até da esquerda moderada a adopção de práticas liberais.

Pior que o pecado de omissão foram três atitudes que alguns liberais assumiram e que contribuíram activamente para a consolidação do paradigma socialista. A mais evidente foi o empenho na causa abortista, quando foram atempadamente e repetidamente avisados que não estava verdadeiramente em questão uma despenalização da IVG, que na prática já era quase total, mas a estatização do acto. Os comunistas odeiam mais o PS que os partidos da direita. De forma idêntica os liberais preocupam-se com toda e mais pequena falha nos partidos na direita sendo incomparavelmente mais benévolos para a esquerda, em especial o PS. Por isso Sócrates teve um estado de graça durante meses a frio, passando semanas sem que os blogs liberais lhe dirigissem uma crítica e, de repente, todos parecem surpreendidos com a péssima gestão do executivo os tiques pidescos. Outra atitude gravosa é o distanciamento da realidade que alguns liberais se forçam. É certo que a maior parte das questões que urge trazer a lume para o grande público são elementares e pouco estimulantes em termos intelectuais. É um verdadeiro trabalho de sapa que não cativa certos liberais, que gostam apenas de debater pormenores intrincados e orgulhando-se até de dizer que são assuntos que pouco sentido têm fora do círculo de debate liberal.

Várias vozes já se levantaram a pedir uma maior consequência das ideias liberais, o que levou há uns meses o surgir duma discussão em torno da criação de um partido liberal. Não tendo o assunto ficado fechado, a maior parte das posições tendeu para o lado de ser preferível influenciar os partidos existentes. Mas, sendo assim, o que foi feito nesse sentido? Para alguns o progresso tem sido notável. Alguns blogs liberais têm um apreciável número de visitas diárias e, através disso, têm sido fonte de recrutamento para os media tradicionais. Temos também uma publicação, a revista Atlântico, que se consolidou e está aí para ficar. Mas terá isto quebrado a hegemonia das esquerdas? Na realidade penso que se conseguiu afirmar um espaço frequentado sempre pelos mesmos e que tem um impacto quase nulo fora deste círculo.

A conclusão é que se torna necessário fazer muito mais e de forma substancialmente diferente. Algo óbvio é a criação de um “think tanks” liberal, como já em tempos aqui escrevi. Perguntam alguns para que serve a criação de mais um centro de estatísticas, apesar de se poder conceber um espaço mais vocacionado para análises qualitativas, senão mesmo filosóficas. Se as ideias liberais estão correctas então os números irão mostrar concordância. E é preciso assumir claramente o objectivo de “produzir” alguns números que sejam apelativos o suficiente para os jornalistas os transformarem em “sound bytes”, ao mesmo tempo que os mais curiosos também possam ter à sua disposição estudos credíveis que suportem as ideias chave avançadas.

A revista Atlântico surpreendeu-me por não ter desaparecido rapidamente, face à sua natureza. Sou leitor assíduo e tenho bastante consideração por algumas pessoas que para lá escrevem. Mas fica aquela sensação de ser apenas o possível. A revista precisava do triplo das páginas, com secções de investigação sobre situações concretas e espaço para artigos realmente de fundo com uma dúzia de páginas, para além de uma miríade de pequenas coisas que pudessem cativar vários públicos. Trata-se de um nível completamente diferente do actual, que necessitaria de um forte impulso que não faço ideia de onde possa vir.

As iniciativas “olhos nos olhos” deviam também ser rotineiras. Só conheci duas de origem liberal, o Café Blasfémias e as noites da Direita Liberal. Foram ambas abortadas, não tendo conhecido as razões mas penso que foi a constatação de que não vale a pena tanto esforço para resultados tão parcos. Iniciativas como esta pouco transpiram para a comunicação social e o pouco que surge trai o que de fundamental lá se passou. Este tipo de iniciativa será potenciado pelos pontos enunciados nos dois parágrafos acima, mas isso não deve ser desculpa para ficar à espera das condições ideais.

Finalmente, penso que há que colocar alguma estratégia no funcionamento dos blogs. Para além da análise breve da actualidade, há matérias mais intemporais que merecem ser revisitadas vezes sem conta. Ora, o funcionamento dos blogs faz com que seja muito difícil distinguir entre diferentes tipos de posts. Alguns merecem ser bem reflectidos, relidos, outros basta apenas uma vez. Assim os blogs correm o risco de ser um “brainstorming” permanente, sem tempo de assentar ideias, o que explica a maior parte dos comentários evidenciar um total desconhecimento das noções mais básicas do liberalismo. A questão não está nos blogs deixarem de ser o que são mas passarem a ser mais. Encontrarem formas de mostrar que pretendem chegar a algum lado e quem os lê poderá ter material suficiente para tirar algumas conclusões mais abrangentes. Outra possibilidade está em utilizar os blogs como forma de potenciar projectos paralelos. Esta recomendação pretendo eu mesmo aplicá-la, de forma necessariamente modesta, mostrando os primeiros resultados até ao final do ano.

MC

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