terça-feira, janeiro 04, 2005

Esquizofrenia

A catástrofe natural no sudeste asiático tem sido um óptimo pretexto para falar mal dos americanos. Não sei como ainda não tentaram relacionar a recente vitória de Bush para a presidência com o maremoto, nem que fosse de forma metafórica. A estratégia da crítica é simples, preso por ter e não ter cão. Primeiro, os EUA não ajudavam o suficiente, como se fosse competência exclusiva da administração Bush conceder auxílio. Mas quem está habituado a uma república das bananas (e a deseja, no fim de contas), nem pensa que os 350 milhões de dólares aprovados para auxílio tiveram que ser votados pelo congresso, imagino eu que com um plano explicitando como essa verba seria aplicada.

Depois, não se podia negar, os EUA eram mesmo um dos maiores contribuintes. Os malvados! Como se atreveram, a lançar mais uma manobra imperialista, que explora a miséria daquelas pobres pessoas e vai tornar o seu futuro mais negro que nunca. Mas será isto apenas mais slogan sem conteúdo? Não senhor, porque ele consegue ser mais explícito, no brilhante espírito chomskyano, que tudo sabe e tudo consegue prever e nunca teve necessidades de dizer que se enganou. Aliás, quando as previsões desta gente saem falhadas, ou é porque alguém (um espírito revolucionário, com certeza) as deteve a tempo, ou então é apenas porque os malvados dos gringos se estão a resguardar para algo muito pior.

Confesso que não consigo apanhar todo o sentido à argumentação desta gente, defeito meu, só pode ser. Consta que há um paralelo entre Cuba e os países afectados. Esses países, tal como Cuba antes da gloriosa revolução, são centros de jogo e de turismo sexual, controlados pelas multi-nacionais e, claro, o grande satã, EUA. Depois esta “ajuda” dos americanos, já se sabe o que é. Ajudam agora e depois mais tarde vão pedir tudo e mais alguma coisa. Pedir não, exigir, porque esta gente é mesmo ruim. Entretanto, a única preocupação dos americanos é restituir as infra-estruturas essenciais, para os capitalistas poderem voltar lá em peso e comer todas aquelas criancinhas que se vendem por tuta e meia.

Este tipo de raciocínios, que já vi ser desenvolvidos à minha frente, não sei bem o que espelha. Chamei a este post esquizofrenia, porque acho que é o que mais se aproxima, é uma doença e já aprendi por minha conta que não vale a pena tentar argumentar em sentido contrário. São pessoas que acham impossível alguém ajudar só por um impulso de querer ajudar, e são bem claras. O dinheiro delas não sai do bolso, porque já sabem muito bem para onde vai, e não é para ajudar os pobres coitados.


Longe de mim pensar que todas as ajudas são desinteressadas, que não há corrupção e desperdício. Mas o que seria se todos fossemos cínicos e achássemos que não vale a pena? Voltaríamos ao início, os “esquizofrénicos ideológicos” seriam os primeiros a apontar o dedo. Aliás, são sempre os primeiros a apontar o dedo, seja em que situação for.

MC
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