segunda-feira, janeiro 31, 2005

Últimos dias da ideologia

Sócrates vai assumir a governação (mais correcto do que lhe chamar Poder), mas será um dia irrelevante para a esquerda ideológica. Apesar de Sócrates dizer que vai governar à esquerda, com mais preocupações sociais e sem nunca renunciai ao “welfare sate”, tal não chega para estes ideólogos, que só se satisfariam com novas nacionalizações da banca e das grandes indústrias. Mas sabem eles que tal é impossível, nem que seja por boa parte destes grupos já serem trans-fronteiriços.

Contudo, estas lutas desesperadas e perdidas são apenas a ponta do iceberg da desilusão. A queda da União Soviética foi compensada, em parte, por terem conseguido que boa parte da opinião pública e, sobretudo, a publicada, se ter tornado anti-americana. Neste capítulo, os 4 anos da primeira administração Bush podem ter sido os últimos anos de ouro, em que boa parte das pessoas papagueou as frases criadas pela esquerda ideológica. Mas a re-eleição de Bush causou uma tremenda desilusão e estes ideólogos parecem ter-se esquecido que de pouco valeu fazer uma campanha fora dos EUA quando os votantes estavam lá dentro.

Mesmo prevendo que os EUA intervenham militarmente no Irão, não se afigura como possível voltar a criar mobilizações anti-americanas como as vistas anteriormente. As pessoas estão saturadas de uma contestação inútil (porque sem efeitos práticos), e mesmos os próprios actores políticos, como os da Administração Bush e os “líderes” europeus, já parecem ter percebido que ganham mais procurando pontos de convergência e não de divergência. Até porque existem outros actores no plano internacional a ganharem relevância. Também o relativo sucesso das eleições iraquianas parece ajudar a esta acalmia.

Mas olhando um pouco para o globo, a esquerda ideológica continua a contabilizar desilusões e mortes anunciadas. Fidel Castro não se aguentará eternamente, Chavez não tornou a Venezuela num paraíso, Lula desistiu das medidas mais à esquerda, a própria Coreia do Norte dá timidamente mostras de querer abrir-se um pouco e a China, pois então, não levará muito a tornar-se num dos principais países capitalistas do mundo.

Resta à esquerda ideológica pegar em algumas bandeias e fazer sua posse. Ecologia, direitos das minorias, aborto, abertura à emigração. Em geral, a técnica para tornarem estas bandeiras suas é propor coisas tão radicais e, se possível, inaceitáveis, que todos os restantes grupos as repudiem. E repudiando as medidas propostas pelos grupos de esquerda ideológica parece que repudiam as causas, que por elas não mostram preocupação. Contudo, ecologia, direitos das minorias e emigração são questões a tal ponto fundamentais, diria mesmo que para a Europa serão questões de sobrevivência, que a esquerda ideológica não conseguirá por muito tempo manter a ilusão que só eles se preocupam com estas coisas.

Estarão, então, os ideólogos de esquerda condenados a desaparecer? Creio que não, mas tenderão para duas soluções opostas. Uma delas é o radicalismo, passar à clandestinidade. Mesmo poucos indivíduos conseguirão manter por tempo indefinido vidas duplas, em que a maior arma será o terrorismo. Não creio que seja provável mas parece-me possível.

A outra solução é a pragmática. Os ideólogos de esquerda serão integrados em outros partidos (como sabemos, existem socialistas em todos os partidos) e irão tentar, na medida das suas forças, ser pedras na engrenagem, sabotar medidas que levem a uma maior liberalização económica. Serão os ultra-conservadores com saudades do passado.
MC
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