quarta-feira, setembro 06, 2006

Para quando o pacifismo económico?

É curioso serem os pacifistas, em larga escala, proteccionistas em relação à economia. Não percebem aqui qualquer contradição, certamente porque em ambos os casos se regem por “valores” e não por esse mecanismo reaccionário que é a racionalidade. O pacifista diz agir em nome da paz mas em termos concretos não é a paz que pede mas apenas que uma das partes em conflito ceda. O pacifismo é um fenómeno quase exclusivo do mundo ocidental e é a esse mesmo ocidente que dirige unicamente os seus apelos. O pacifista não vê necessidade em se manifestar contra um ditador africano ou sul-americano, nem contra os radicais islâmicos e, em caso algum, contra algum regime socialista. O pacifista apenas acha relevante manifestar-se contra aqueles que se opoem a estes.

Não faltam argumentos ao pacifista. Diz-nos que o desarmamento unilateral ou o fim de actos de retaliação irá dar um sinal positivo e apaziguador ao outro lado, que a violência apenas gera violência, que a estratégia de dissuasão provoca um acumular cada vez maior de armamento de parte a parte e um conflito a ocorrer seria bastante mais perigoso. Por fim, como se tivesse um peso na consciência por não defender nada disto junto do lado não-ocidental, surge com o argumento de que as democracias têm uma obrigação moral superior, que não se pode pedir às ditaduras e, por isso, as primeiras têm de dar um primeiro passo sem terem garantido que as últimas dêem um segundo no mesmo sentido.

Todos os argumentos pacifistas podem ser contestados isoladamente, por exemplo, não é bem verdade que a estratégia da dissuasão provoque necessariamente um maior acumular de “potencial destrutivo”, porque a evolução do armamento tem ido no sentido de trocar o poder de destruição pela precisão. Tal como não é verdade que a violência gere apenas violência, assim se passa em muitas situações, mas a violência, paradoxalmente, é uma força bastante apaziguador quando aplicada de forma “sábia”, o que acontece nos regimes totalitários com desenvolver do terror, mas também em actos justos e na altura certa que eliminam de forma decidida projectos loucos de poder e servidão. Contudo, há algo em comum nos vários argumentos pacifistas, precisamente o da sua aplicação não contribuir para o fim a que se destinam, a paz.

Percebo em parte a motivação do pacifista, porque o assunto é delicado, a guerra e todo o horror associado e é positivo que existam pessoas que se empenhem em evitar tais coisas, só sendo de espantar existirem tão poucos. O que falha no pacifista, e refiro-me apenas àqueles que realmente acreditam no que dizem, é não perceberem o lado não-ocidental, porque imaginam que do outro lado está alguém que pensa e sente da mesma forma que o próprio pacifista, porque só assim as medidas que propõe poderiam contribuir para a paz. Não compreende que o lado não ocidental (e falo dos dirigentes) vê estas acções não como gestos de boa vontade mas de fraqueza, o que, por ironia, pode tornar a guerra inevitável.

O pacifista acredita ainda quase sempre no mito de que a guerra ou situação de tensão ocorre por culpa exclusiva do lado ocidental. Diga-se de passagem que para esta percepção muito contribui a actuação da imprensa ocidental, que está sempre pronta a defender as causas dos países antidemocráticos onde, por sinal, a própria imprensa livre nem pode existir. Mas é da própria natureza dos regimes totalitários estarem sempre preparados para a guerra ou, pelo menos, dar essa ideia.

Perceba-se que o totalitarismo não só usurpa as liberdades individuais como é desastroso para a economia, agricultura e demais sectores produtivos. O regime nunca admitirá que a falha está na sua própria arquitectura e começa a procurar culpados. Assim acontecem as retratações públicas, as purgas e, inevitavelmente, o apontar o dedo para uma causa exterior, nomeadamente a alegada sabotagem feita pelas potências ocidentais. O regime totalitário, que em grande parte mantém o seu poder pelo controlo da informação, tem de fingir que acredita nas suas próprias mentiras e agir em consonância, armando-se para combater o inimigo exterior que elegeu. Mesmo que se trate em grande parte de bluff para consumo interno, em alguma altura o ocidente terá de reagir, até porque a liderança totalitária pode mudar subitamente e tornar-se mais agressiva, talvez porque passou a acreditar nas mentiras anteriores que agora reitera acreditando piamente na sua autenticidade. Como se não bastasse, os países vizinhos do regime ditatorial, que mantinham antes uma atitude essencialmente neutral, ao ver uma potencial local emergir e ganhar poderio militar, irão ficar naturalmente receosos e isso pode originar uma corrida ao armamento. Escusado será dizer que a opinião publicada dominante no ocidente nos dirá que o culpado de tudo isto é o próprio ocidente, e para o provar até nos indicam a escandalosa venda de armamento aos países vizinhos daquele que, de facto, deu origem a tudo.

O pacifista não vê grandes riscos no desarmamento unilateral, porque vê nisto um gesto de boa vontade apaziguador. Contudo, se em causa estiver a economia, vai achar que o seu país deve ser o mais proteccionista possível. É realmente trágico que o ocidente desconheça os mecanismos mais básicos que permitem a sua existência, quando não chega mesmo a achar que são aberrantes. Como é possível que o pacifista ache que o livre comércio, que mais não é que a troca voluntária entre pessoas e agentes que chegaram ambos à conclusão de ser benéfica para si mesmos, encerre em si mais perigos que uma situação de tensão militar onde tantas vidas podem estar em risco? Como é possível o pacifista não ver quaisquer riscos no desarmamento unilateral, ao passo que classifica a eliminação de subsídios aos produtores nacionais um autêntico suicídio porque o seu país deixa de poder “lutar com as mesmas armas”? Como pode, ainda, o pacifista ser tão compreensivo em relação a ditadores e terroristas que pedem abertamente o nosso extermínio, ao mesmo tempo que o seu coração se enregela quando em causa está ajudar milhões de desfavorecidos com a simples eliminação de benesses a alguns dos seus compatriotas mais protegidos?

MC
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