quarta-feira, outubro 26, 2005

Falta de assunto

À falta de assunto, volto a pegar nas presidenciais. Há quem se agarre ao argumento débil de que Soares é uma escolha segura na medida em que já sabemos com o que podemos contar. Penso que este argumento está errado por duas razões. Uma delas é que Soares pode ter mudado e de certa forma há evidências disso. Nos últimos anos Soares tem mostrado empenho em ser visto ao lado das correntes mais radicais do anti-capitalismo, anti-americanismo e anti-globalização, o que contrasta que com a postura “realpolitik” tantas vezes assumida.

Depois, Soares pode ter mudado porque está velho... Sim, é um argumento baixo. Quando a candidatura de Soares foi lançada o argumento fácil foi a desvalorização com base na sua já avançada idade. Sempre achei este argumento de mau gosto, quando o caminho certo seria pegar nas obtusas e recentes posições de Soares em relação a tanta coisa. Mas confesso que cada vez que vejo Soares na TV parece-me sempre evidente que a idade não perdoa e Soares está em muito pior forma do que julgava. Tornou-se politicamente correcto enaltecer as virtudes da idade, e muito facilmetne se criticam políticos novos e inexperientes. Mas a verdade é que a idade também tem as suas desvantagens...

No entanto, o principal argumento para não se partir do princípio que com Soares já se sabe com o que contar é outro. Mesmo que Soares continue o mesmo, mesmo que esteja em boa forma, mesmo que numa hipotética presidência mantivesse o comportamento do passado, ainda assim os portugueses poderiam ser apanhados de surpresa. Porque o mundo mudou e os portugueses também mudaram. Basta lembrarmo-nos que na presidência de Soares reinava o paradigma estatista sem contestação, o modelo social era para todo o sempre. Penso que actualmente a maior parte dos portugueses já se apecebeu que há algo de errado com esta visão unilateral da política e da sociedade. É certo que estamos muito longe de ter uma percepção geral de quais as soluções a tomar, e mais longe ainda estamos de abdicar de muitas coisas a que nos habituamos ter de mão beijada sem esforço e sem responsabilidade. Contudo, aquilo que é a visão de Soares do mundo e da política, que era panaceia há alguns anos atrás, hoje em dia já comecerá a parecer um pouco errada.
MC
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sexta-feira, outubro 21, 2005

Um “case study” português

Portugal constitui um caso único mundial. O Partido Socialista, o partido do governo, consegue ter simultaneamente três candidatos às presidenciais. Tem um candidato oficial, que é Mário Soares. Tem o candidato dissidente, Manuel Alegre. Mas o candidato dissidente poderá ainda tornar-se oficial, quando o oficial se tornar dissidente. Finalmente, ficamos hoje a saber que o PS ainda terá em Cavaco o seu terceiro candidato, que já se disponibilizou a aprovar todas as medidas deste governo.
MC
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quinta-feira, outubro 20, 2005

Soares

Mário Soares afirmou que “(...) nem percebe nem gosta de segredos.” Pretendia com isto dar umas alfinetadas em Cavaco Silva. Contudo, já que fez uma afirmação quase filosófica, uma declaração de virtudes exemplares, chama a atenção para si próprio. Mário Soares é um dos poucos Senadores da República e tornou-se politicamente correcto mostrar admiração pública por ele. Considero isto absolutamente vergonhoso, porque em privado pessoas de todos os quadrantes dizem-se as piores coisas de Soares.

Não sei até que ponto tudo o que se diz sobre Soares em privado é verdade. Nem considero que isso é o mais importante. O que acho de todo deprimente é esta encenação monumental da farsa do rei que vai nú. Imaginemos que daqui a 20 anos as verdades sobre Soares se sabem finalmente, sendo apresentadas como factos históricos. Que imagem daremos às próximas gerações sabendo que elegemos esta pessoa como Presidente da República, quando entre dentes sobre ele diziamos as piores coisas? Imaginemos, pelo contrário, que nada do que se diz sobre Soares é verdade. Na verdade, não há grande diferença. Mostra apenas que os portugueses são um povo sem ética, que falam mal apenas por falar e nunca se preocupam em apurar a verdade. Criticar ou elogiar é apenas uma questão de circunstância. Talvez por isso ninguém se preocupou quando Soares disse que era necessário negociar com terroristas.

MC
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segunda-feira, outubro 17, 2005

Coincidências?

Será coincidência que muitas das pessoas que gritam bem alto que não querem ser apenas um número, uma peça insignificante numa linha de montagem, acabam por ser apenas pedras na engrenagem?

MC
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quinta-feira, outubro 13, 2005

Novo blog

O Purgatório é o meu segundo blog, que mantenho em paralelo com o Sobre Tudo e Sobre Nada. Os seus âmbitos são bastante diferentes. O Purgatório é um espaço sobretudo para falar de questões políticas enquanto o Sobre Tudo e Sobre Nada fala de tudo um pouco. Entretanto iniciei funções em outro blog:

Sexo dos Mitos

A ideia é um pouco diferente do que vemos nos blogs, mas não se trata de uma vã tentativa de fazer algo só para parecer original. Escrito por mim e por Olga Lopes, autora do Simples Opiniões, pretende dar sempre uma visão dupla para cada assunto. E cada assunto pode surgir de qualquer uma das partes. Para mais informações é só ir dar uma olhadela...
MC
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quarta-feira, outubro 12, 2005

Direito à indignação

Pacheco Pereira indignou-se com Fátima Felgueiras e Valentim Loureiro ao ver os seus discursos de vitória. Achei piada a Fátima Felgueiras, enquanto Valentim Loureiro causou-me asco, mas isto é um problema meu, que tenho aversão visceral a tal pessoa . Mau feitio meu, concerteza, porque o que ele transmite em público é um modelo de elegância e delicadeza.

Se tivesse a mesma visibilidade de Pacheco Pereira apelaria à indignação em outra direcção. Os sindicatos da função pública ameaçam mais greves, agora com mais visibilidade os do sector da justiça. É verdade que estes não podem alegar que vão causar grandes transtornos, como podem fazer os maquinistas da CP, por exemplo. Podiam parar durate um mês que a diferença não seria muita, dada a lentidão da “justiça”. A minha indignação não põe em causa que as pessoas são livres de defrender os seus direitos. Pelo contrário, o que me indigna é saber que estas pessoas são responsáveis pela sonegação dos meus direitos.

Não há nenhum sindicato que defenda os direitos dos contribuintes. O argumento fácil de que aquilo que nós damos ao Estado em impostos é-nos retribuído em serviços, segurança, saúde, educação, entre outros, é demasiado simplista para ser levado a sério. Sem entrar em profundidade na análise das funções que deviam caber ao Estado, ressalto apenas alguns argumentos que justificam a minha indignação. Em primeiro lugar, os impostos que pago ao Estado são-me retirados de forma coerciva. Em segundo lugar, aquilo que o Estado me devolve em “serviços” está claramente abaixo do que seria possível, mesmo que continuasse tudo na alçada do Estado.

Acontece que a pouca eficácia na prestação destes “serviços” pelo Estado é, na prática, uma limitação dos direitos dos contribuintes. Todos os meses fico indignado ao ver o meu recibo de ordenado, com a escandalosa parcela retida em impostos. Mas a colecta continua com o IVA, impostos sobre combustíveis e até o IRC, que se faz reflectir também nos clientes e não apenas nas empresas. Aquilo que me é retirado em impostos é uma limitação efectiva dos meus direitos e da minha liberdade. Há hipóteses que tenho de eliminar, planos que não posso concretizar. Não é ficção.

Quando os funcionários públicos se revoltam por lhes ameaçarem cortar as regalias que outros não têm e são pagas exactamente por estes, penso haver todo o direito à indignação. Ao juntar o isso o péssimo trabalho que realizam e a total irresponsabilidade de que gozam, o meu respeito por estes “mártires” cai a pique. Mas a minha indignação também irá desaparecer, porque isto de pregar no deserto só serve para ouvir o próprio eco.

MC
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domingo, outubro 09, 2005

Eleições e xadrez

Bem sabemos que o resultado de umas eleições depende de múltiplos factores. Estão tanto envolvidos os méritos como os deméritos e, sendo umas eleições de carácter municipal, factores locais podem ser preponderantes. É fácil supor que o PS tenha sido penalizado por ser governo e por estar a ameaçar tomar umas tímidas medidas de contenção, tal como tinha acontecido há 4 anos atrás com a coligação PSD/CDS.

Ouvi um dirigente do PS, não posso precisar qual, queixar-se que a oposição até concorda que são necessárias medidas difíceis, mas no concreto estão sempre contra. Eu acho que sempre é alguma coisa, porque o PS quando foi oposição sempre esteve contra as medidas, tanto no geral como no concreto, e alguns dos seus burgessos ainda vieram com o papão de que era a volta do fascismo. Se o PS tivesse feito uma oposição minimamente responsável talvez agora não estivesse na situação que está, mas estes senhores parecem nunca terem ouvido falar de Karma… ou simplesmente que se atirarem algo para o ar, mais tarde ou mais cedo, essa coisa irá cair, talvez em cima.

Mas chega de apartes esotéricos. O que me motivou a escrever este post foi lançar aqui uma explicação extra (ainda não li qualquer blog depois das primeiras projecções) na esperança de ser o primeiro a fazê-lo e, quem sabe, chamar atenção de algum caçador de talentos que me proponha um contrato... o que me pergunto é se as escolhas de Marques Mendes, de afastar Isaltino Morais e Valentim Loureiro foram jogadas falhadas ou não. Olhando simplesmente para os resultados dos municípios em questão, diríamos que sim. Contudo, estas manobras de visibilidade nacional não terão tido influência em outros locais? Posto de outra forma, será que Gondomar e Oeiras foram peões sacrificados pelo PSD para conseguir tomar peças de maior importância? Se fosse dirigente partidário, seria isto que a minha mente maquiavélica pensaria. Não vamos afastar os corruptos porque eles são corruptos mas sim porque estamos a dar uma mensagem de seriedade. Os grunhos locais irão votar nestas aventesmas à mesma, coitados, espíritos mortiços à procura de um pai. O resto do país, de forma inconfessa irá admirar o acto, quem sabe dar o voto.

MC
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sábado, outubro 08, 2005

Notas sobre a campanha eleitoral

Não tenho muito a comentar excepto as coisas óbvias, tipo Manuel Maria Carrilho é o pior candidato de todos não só em Lisboa mas a nível nacional, seja lá qual for o partido ou independente corrupto. Reparem que consegui fazer uma gracinha sobre Manuel Maria Carrilho sem falar em Bárbara Guimarães, mas já tinha umas na manga. Por exemplo, se Carrilho perder fazia um post a dizer “Bárbara Guimarães perde as suas primeiras eleições”.

Mas há uma razão mais séria para não ter muito a comentar. Aqueles jovens que nos telefonam a casa depois de jantar, a perguntar onde iremos votar, baseados nas propostas que temos ouvido na comunicação social, parecem que têm ouvido muito um tipo de resposta: “Olhe, se quer que lhe diga, nem sei. Eu só ouço falar das presidenciais.” É certo que os últimos dias tem sido mais visíveis para as autárquicas. Obviamente que isso não tem nada a ver com o maior empenhamento de Sócrates e com o lançar da campanha anti-corrupção pelo censor Louçã.

E por falar no nosso inquisidor, esperei ontem para ver se os media falavam em Salvaterra de Magos, onde o bloco tem a sua única câmara e a presidente foi constituída arguida. Não vi nada, o que não me espantou, mas no decorrer da noite, à medida que o fim oficial da campanha se aproximava, quando fazia zapping apanhei um jornalista a fazer a pergunta difícil a Louçã. E finalmente consegui ver a verdadeira natureza do homem, que espumava pela boca. Ao contrário da postura controlada, jocosa, de uma altivez insuportável, Louçã mostrava nervosismo, enganava-se, tremia, estava enraivecido, elogiava a autarquia de Salvaterra de Magos como mais impoluta do país. Se tivéssemos jornalistas a sério, que apertassem os calos aos bloquistas como fazem a qualquer outro político (exceptuando algumas figuras do PS), talvez os nossos jovens imberbes se apercebessem que apenas andam a votar num Le Pen de extrema-esquerda.
Por outro lado, há a questão do voto útil. Há quem se indigne com o voto útil, não sei se preferem o voto inútil. Se votasse seria nos comunas. Politicamente não têm nada a ver comigo, mas uma câmara municipal é um cargo onde penso que a competência é mais importante que as convicções políticas. Mas seria um voto útil, para impedir que qualquer autarca do PS voltasse a governar Setúbal. As informações que me vão chegando sobre os autarcas do PS, um pouco por todo o país, mostram um padrão aterrador. Largos indícios de corrupção e certezas absolutas de incompetência. O facto de ser Jorge Coelho a escolher os autarcas e do próprio PS não ter pudor em afirmar que escolhe aqueles que pensam que irão ganhar e não aqueles que têm qualidade é relevante.
MC
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quinta-feira, outubro 06, 2005

Liberais desnorteados

Um pretenso professor universitário (assim se vê o estado deplorável do ensino em Portugal) afirmou que em Portugal o espírito neoliberal tem inspirado as políticas de défice zero. Esta pessoa dá pelo nome de Luís Fernando e é lógico que os blogs liberais não podiam deixar passar em branco tal disparate sem pés nem cabeça. O que desiludiu-me foi a forma como os liberais reagiram, não colocando a nú logo aquilo que há de mais aberrante nesta afirmação, antes de entrarmos no campo político.

Luís Fernando crítica o défice zero, ou seja, defende que quem faz as despesas não deve pagar as contas. Defende a irresponsabilidade e o deixar os problemas para as próximas gerações. De forma mais banal, defende que se compre fiado. Em outros tempos, pessoas que tinham comportamento assim dizia-se que não tinham honra.

Depois de feito este reparo, poderia-se entrar no campo político. Mostrar que os problemas que temos não se deveram a políticas liberais (muito menos neoliberais), porque simplesmente nunca as tivemos, mas apenas socialismo e social-democracia (estatismo, para simplificar). E claro que a frase é de suma estupidez porque fala de um défice zero, como se algum dia estivéssemos perto disso. Aquilo que mais ouvimos falar foi apenas em ficar abaixo dos 3 % e apenas porque há uns malvados em Bruxelas que nos castigam. E mesmos os poucos que defendiam o défice zero, como que envergonhados, ressaltavam logo de seguida que era apenas um meio para manter o Estado Social.

Concluindo: A paranóia anti-liberal é a pior doença deste país. A infecção é grave mas o doente cerra os dentes para não tomar o antibiótico. Os liberais parecem-me um pouco resignados ao seu insucesso (não, não estou a defender a criação de um partido liberal) e à sua influência quase nula na sociedade. Por mais interessantes que sejam os textos liberais, parecem apenas destinar-se a uns quantos curiosos (para admirar ou insultar).
Eu próprio já me resignei que é impossível fazer as pessoas pensarem racionalmente sobre politica, ciência, futebol, sexo e sociedade em geral. Contudo, se olharmos para o desenvolvimento português, não podemos negar que ele tem sido no sentido defendido pelo liberalismo. Ou seja, mesmo com consecutivos políticos anti-liberais, isso não consegue parar a avalanche de acções individuais, cada compra que fazemos, adiamos, cada euro que poupamos, cada escolha que fazemos, cada risco que tomamos ou não, cada acto egoísta ou altruista. Em suma, o liberalismo não diz nada aos portugueses, talvez por ser demasiado abastracto, talvez por ser demasiado simples, mas de forma involuntária cada uma das nossas acções vai consolidando uma sociedade mais liberal.
MC
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segunda-feira, outubro 03, 2005

A melhor piada da semana

Ninguém reparou que Manuel Alegre elogiou a presidência de Sampaio como exemplar e um modelo a seguir?

MC
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A idade de ouro dos blogs

Quantas vezes ouvi os saudosistas dizer que no passado é que era bom, em relação a uma miríade de assuntos. Os pioneiros têm o privilégio de sentir pela primeira vez o cheiro da terra virgem e inexplorada. Espetam os seus marcos, primeiro de forma aleatória, depois com uma consistência maior. Será que a idade de ouro dos blogs é a inicial? Penso que há razões para crer que sim. Não por ser o tempo dos pioneiros. O início de algo é muitas vezes o mais excitante de todas as alturas, mas as melhores criações costumam ser tardias.

Esta pode ser a idade de ouro dos blogs por razões de contexto. Os blogs surgiram na mesma altura em que surgia o terrorismo apocalíptico, em que a globalização se tornou mais abrangente que nunca, em que a China acordou, em que os sistemas sociais europeus tidos como os mais justos começaram ser postos em causa seriamente, em que paises são invadidos sem saber se serão também libertados. E em que todas as grandes culturas foram questionadas e começou a surgir pela primeira vez algo que se pode chamar de opinião pública mundial.

A cultura americana foi posta em causa pelas suas fragilidades na segurança. Pela suposta falta de credibildiade dos seus políticos. Foi posta em causa por ser a dominante, pela inveja que suscita, por ser analisada à lupa e distorcida ao microscópio. Mas o seu próprio domínio foi posto em causa por outros poderes emergentes.

A China, mas também a Índia, emergiram e terão a necessidade de se redefinirem. A sabedoria vinha do ocidente, diziam os chineses referindo-se à Índia. A China foi um segundo foco de influência para o extremo-oriente. O século XX mostrou estes dois países muito abaixo das suas potencialidades, que agora despontam e já os chamamos de invasores.

A Europa está a ser questionada, apesar de não querer ouvir. Refugia-se em posições fáceis de superioridade moral, que apenas escondem o seu carácter niilista. Os sistemas de “justiça” social, de que os europeus se orgulharam e queriam dar ao mundo como exemplo, estão a pontos de sofrer uma implosão semelhante à da União Soviética. Criados de forma ingénua, para um mundo muito diferente daquele que temos hoje, mostram uma gritante discordância entre aquilo que dizem obter e aquilo que de facto provicenciam.

África espera. Espera que os países desenvolvidos dêem menos ajuda mas coloquem menos intraves. Espera menos boas intenções mas mais lealdade. Espera que acabem as armas como utensílios e cheguem as leis e as instituições de suporte. Alguma esperança renasce com sinais aqui e ali. Esperemos para ver...
A américa do sul é talvez a região do planeta que menos se questionou. Continua a insistir nos homens providenciais, nas soluções “justas”. Continua a ver o céu e o paraíso nos EUA e na Europa. Continuam sem coragem para assumir os seus destinos. Um fatalismo alegre, talvez mais triste que o de África.
MC
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