Fazer Futuro – Irá passar do formato digital?
A moção “Fazer Futuro”, que João Pinho de Almeida vai apresentar no XXI congresso do CDS-PP é um documento impressionante em termos de pujança, clarividência, ambição descomprometida e, devido a estas virtudes, condenado à inconsequência. Subscrita por um conjunto de jovens democratas cristãos, sem vícios partidários ainda notórios, sonham ainda com uma possível alteração de paradigma.
De forma realista, assume-se que um projecto liberal nunca poderá ter uma aderência de grandes massas, mas ainda assim pode construir uma base de apoio crescente, que quando superar os dois dígitos nos resultados eleitorais torne o CDS um partido indispensável à formação de governos. Para isso, a moção defende que “os valores da democracia-cristã se reúnam com a iniciativa do liberalismo e a prudência do conservadorismo.” Mais que uma orientação doutrinária, a moção defende uma nova atitude, que quebre o cinzentismo do partido e o leve a defender sem complexos uma vocação liberal e que não deixe o PS monopolizar a discussão sobre a redefinição das funções do Estado, que terá como objectivo único a salvação do Estado Social e deixará tudo na mesma. Nem o PS nem o PSD poderão ser uma força de real mudança quando a sua vocação é a de conquistar o “centrão” e 55% da população depende do Estado e naturalmente se opõe a qualquer mudança.
Depois de falar para dentro do partido, a moção faz a apresentação do projecto. Acreditar em Portugal e na integração europeia que, por ser inclusiva, não se baseia no anti-americanismo, nem tem vergonha de se orgulhar por pertencer ao ocidente, nem da sua história e por isso defende o reforço dos laços com países lusófonos.
A moção critica o modelo estatista, que defende a redistribuição coerciva de riqueza, afirmando que tal, ao invés de combater as desigualdades só causa mais pobreza. A função do Estado deverá ser a de fiscalizar o cumprimento das regras jurídicas, no plano económico. A influência da doutrina social da igreja impede que a moção defenda um estado mínimo, porque a eficiência e a racionalidade não devem impedir a existência de alguma protecção social e de um nível mínimo de serviços essenciais. O Estado será uma âncora para os mais necessitados, mas o grosso da iniciativa deverá partir da sociedade civil para que possa ocorrer a sua organização natural. A saúde e a segurança social deverão ser menos coercivas, permitindo a escolha entre público e privado.
A política fiscal deve ser um instrumento para aumentar a competitividade, e para isso é pedida a sua simplificação e aplicação da taxa plana, tornando o sistema mais justo e menos sujeito a fraude. Alguns parágrafos são dedicados à justiça, mas talvez por meu desconhecimento sobre a área, pareceu-me apenas um conjunto de intenções, algumas delas unânimes, mas com pouco matéria de aplicação prática.
Na educação é defendida a descentralização e dar às escolas, públicas e privadas, a responsabilidade de “formatar os seus projectos educativos”. Não sei se por isto entendem a responsabilidade de elaborar programas escolares e contratar professores, como seria desejável. Os pais devem poder escolher a escola dos filhos e o Estado ao invés de financiar o estabelecimento de ensino financiaria o estudante através do cheque ensino.
Em relação à segurança, a moção fala da situação actual, onde paira o risco de terrorismo e de conflitos religiosos e étnicos. Assume uma ruptura ideológica com a ideologia esquerdista dominante, em que a liberdade é associada a mais segurança e não a menos. Em termos práticos isso implica uma maior coordenação entre serviços de segurança internacionais e o não rejeitar de medidas de excepção contra situações de terrorismo, desde que não limitem de forma arbitrária direitos adquiridos.
O ambiente é encarado no contexto das liberdades negativas e deve ser tido em conta em quase todos os contextos que impliquem decisões públicas. É defendida a existência de mercados de recursos naturais onde sejam contabilizadas as externalidades ambientais de cada área de actividade. O objectivo é também que o ambiente não seja apenas uma das bandeiras da esquerda.
Em termos políticos, é defendido o reforço do parlamento e não do presidencialismo. O debate no parlamento com o Primeiro-ministro deverá ter periodicidade semanal. O pendor liberal da moção leva a pedir o reforço do municipalismo, uma vez que na óptica liberal os problemas devem ser resolvidos por quem mais próximo deles se encontra. Ao invés da regionalização é defendida a livre associação entre municípios. Por último, não poderia de ser referida a Constituição, que merece uma revisão que a coloque sem qualquer cunho ideológico a não ser o da democracia e lhe retire as obrigações económicas.
É este o resumo que faço das 23 páginas da moção. Não é meu objectivo fazer propaganda ao CDS-PP até porque penso que o partido não irá aprovar a moção e, mesmo se o fizer, não agirá em conformidade. A minha desconfiança começa logo por saber que muitas destas ideias são ditas em privado por muita gente que está no PS e no PSD. Mas também não estou muito crente porque o CDS-PP, apesar de afirmar que está livre dos espartilhos ideológicos de outros partidos e de não ter na sua base de apoio os dependente do orçamento do estado, está longe de ser um partido coerente. Longe disso, tem oscilado como nenhum outro, nacionalista ou europeísta, abrir mercados ou fechá-los. Mas também tem tido a dependência de um líder, que a quase tudo submete. É por isso que tenho sérias dúvidas que o CDS-PP terá nas suas fileiras várias personalidades capazes de defender com competência as ideias apresentadas, como diz a moção. Quando se trata de obter poder, muito facilmente se entram em concessões tácticas que se revelam ser má estratégia.
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