Gafes
A recente gafe do presidente Bush causou um sucesso que, se vivêssemos tempos de alguma sanidade, nunca teria razão de ser. As suas palavras foram:
"Our enemies are innovative and resourceful, and so are we. They never stop thinking about new ways to harm our country and our people, and neither do we."
Trata-se de um erro insignificante e qualquer pessoa minimamente inteligente percebe o sentido que se pretendia dar. No entanto, teve honras de aparecer nos jornais televisivos de todo o mundo. Os opositores de Bush, se forem inteligentes, percebem que isto funciona contra eles. Porque para além das simples acusações de idiotice (e esta gafe até parece apropriada), a gafe não se ajusta para as outras acusações mais sérias que se lhe fazem, do conteúdo nefasto das suas políticas, da malvadez do seu carácter, dos interesses obscuros, etc.
Mas a atenção dada a esta gafe é semelhante à que se devia dar à cor das meias ou ao nó torto da gravata. É apenas um aspecto estético, no sentido lato. Depois disto, torna-se muito difícil entrar numa análise do conteúdo do discurso. Além do mais, para o cidadão comum (que não costuma ter ódios infinitos por pessoas que apenas vê na televisão), o erro de Bush torna-o mais humano. Ele errou onde qualquer um pode errar, até podemos ter alguma simpatia por isso. É quase caso para dizer que os críticos de Bush deviam rezar para ele acertar e não para errar.
Mas este tipo de destaque dado a insignificâncias é sintomático da enorme mediocridade que temos nos nossos média, pensando agora a um nível nacional. Por exemplo, no discurso de tomada de posse de Santana Lopes como Primeiro Ministro, uma das críticas mais ouvidas foi sobre a pouca fluidez do discurso e que saltou algumas folhas. É certo que um discurso de tomada de posse está eivado de banalidades, mas criticar banalidades dizendo barbaridades não me parece muito inteligente.
Percebo que para os comentadores seja mais fácil, e se conseguirem fazer escola irão poupar muito tempo, que antes perdiam ao tentar estudar as matérias envolvidas e na simples compreensão dos factos. De certo ponto de vista, trata-se apenas de mais uma forma de rentabilizar recursos.
Umas das gafes dos últimos anos que ainda retenho bem na memória, foi a célebre ocorrência em que Guterres não conseguiu fazer contas de cabeça em directo, quando questionado por um jornalista. Muitos viram aqui uma falha grave, como se fosse tarefa de um Primeiro Ministro fazer contas de merceeiro. Ao mesmo tempo, passava quase incólume a sua incapacidade decisória e a sua enorme compaixão por todos aqueles que lhe apertaram a mão.
Já bastante mais recuado no tempo, lembro-me de uma gafe de Freitas do Amaral, em campanha eleitoral para as presidenciais, que perdeu frente a Mário Soares. As suas palavras, que eram repetidas nos seus próprios tempos de antena, foram: «Portugal está à beira do abismo. Para a frente Portugal!» Na altura, Portugal era um país mais tímido, a gafe passou em claro. Se tivesse sido hoje seria ridicularizado e talvez tivesse ganho as eleições.
MC
1 Comments:
Concordo com o teor do post. De facto, muitos dos que são contra a política de Bush apenas se servem das suas gafes para contrariarem as suas ideias.
Faz-me lembrar a estratégia de Moore que, com o seu documentário propagandista tenta fazer campanha contra Bush...
Quanto a argumentos mais sérios e credíveis, nem vê-los!
Enviar um comentário
<< Home