Batalha mediática e americanismos
Não tem isto muito a ver com “americanismos”. Mas podia-se fazer um paralelo. Eu também já fui daqueles que se divertia a chamar os americanos de imbecis. Agora percebo que quem fez figura de imbecil fui eu. Anda por aí uma ideia peregrina de eleger o próximo presidente dos EUA a partir das sondagens do resto do mundo, como forma de correr com Bush. O que tenho visto é que a mentalidade política dos americanos é muito superior à nossa, e teria mais sentido serem eleges a eleger os nossos dirigentes que nós os deles (é para provocar...).
Vejamos uma caso já algo distante. Li os editoriais dos jornais “Washington Post” e “New York Times” no dia seguinte ao discurso de Bush na convenção republicana. São jornais que apoiam declaradamente a campanha de Kerry, no entanto os editoriais muito longe se encontram do tom fanático que temos por cá. Eram críticos, sem dúvida, mas elogiava-se o que havia para elogiar e as críticas eram minimamente fundamentadas.
Saliento ainda outra questão. As sondagens mostram que a maior parte dos americanos acha que actuação de Bush em relação à luta contra o terrorismo é positiva, no entanto, quando se passa para a questão iraquiana, o julgamento é diferente, havendo um apoio muito menor. De certa forma, os americanos no seu conjunto seguem as suas próprias ideias e não vão cegamente atrás do que os candidatos lhes dizem.
A ignorância faz-nos ver o sistema eleitoral americano como defeituoso. É certo que as leis conduzem a que na prática só existam dois partidos, mas por outro lado, torna-se também inevitável que esses partidos não tenham a homogeneidade que exista por cá, abarcando quase todo o espectro eleitoral. Seria impensável nos EUA a castradora disciplina partidária, em que todos dizem o mesmo. Quem rejeita a complexidade das questões e que pode não ser fácil tomar uma boa decisão somo nós. A Europa moribunda é que ainda tem a mentalidade inquisidora, em tudo é preto ou branco.
Fico também espantado como as pessoas por cá engolem explicações que se desmontam como um castelo de cartas. Ontem os jornais televisivos apresentavam uma reportagem sobre o estado do Texas. Não escondiam que Bush ganha folgadamente neste estado (não disseram por quanto), no entanto só conseguiram entrevistar pessoas que apoiavam Kerry. Depois alguém fazia uma análise que pretensamente explicava porque Bush ganhava no Texas. A razão é que o Texas é um estado rural, e subentendia-se que os campónios burros e ignorantes logo teriam tendência para votar no candidato assim. Não acho eu que este argumento é fraco porque me sinto mais próximo do campo e acho que o pessoal da cidade são uns totós. É fraco porque o Texas é um dos maiores estados e nos EUA apenas 2% da população se dedica à agricultura actualmente. Mesmo que a percentagem de pessoas dedicadas à agricultura seja superior no Texas do que nos outros estados (até pode ser 3 ou quatro vezes mais), nunca teríamos o domínio das foices e das ceifeiras. Já esse argumento por cá explicaria coisas completamente distintas.
Uma vez vi um professor universitário explicar a razão dos portugueses terem uma espantosa capacidade de aprender em tempo record e sob pressão. Segundo eles, era porque os portugueses engoliam tudo e não perdiam tempo em se questionar. Se isso ajuda em algumas áreas, já em outras torna-nos bastante deficitários.