quarta-feira, outubro 06, 2004

José Sócrates ou Jonh Kerry?

Não é minha intenção falar em detalhe das presidenciais americanas. Para além das questões mais evidentes (segurança, terrorismo, hegemonia americana, anti-americanismo, inveja europeia, relações entre estados...) há um aspecto que me é particularmente interessante no culminar destas eleições. Ganhando Bush, o histerismo internacional em relação ao actual presidente dos EUA irá manter-se? Mas talvez mais interessante será se Kerry ganhar. As opiniões públicas mundiais dizem que Kerry deve ganhar porque é o “no-Bush”. Como irão reagir quando em relação à política internacional Kerry não tiver uma linha de actuação muito diferente da actual adminsitração? Vão tentar ocultar isto inventando diferenças abismais entre presidências consecutivas, quando tal nunca aconteceu nos últimos 100 anos (em relação à política externa dos EUA), independentemente dos partidos? Ou será Kerry um iludido que pensará ser recebido com beijos e abraços por todos os que agora repudiam Bush?

A palavra iludido é o que junta Kerry a Sócrates. Vi algumas críticas sobre as presidenciais americanas, nomeadamente a que tudo não passa de um espectáculo mediático e pouco de substancial se discute. Mas quem viu ontem a entrevista do futuro Primeiro Ministro (José Sócrates) percebe que a realidade portuguesa é bem mais pobre a todos os níveis. Sócrates falou com uma energia e uma convicção impressionantes. Mais impressionado fiquei por tudo ser despido de conteúdo. Sócrates parece mesmo acreditar no que diz. Comete o mesmo erro que quase todos os políticos cometem em relação ao poder. O de pensarem que conseguem alterar algo com intervenções centrais, que basta boa vontade, energia e umas ideias porreiras para o barco atingir velocidade de cruzeiro.

O futuro Primeiro Ministro anunciou um paraíso para Portugal. Ele tem um projecto para o país, um Portugal na Europa que precisa de um projecto mobilizador, que aposte na inovação, na coesão social, que se desenvolva sem deixar ninguém de fora, que nos tire da cauda de Europa, que nos ponha na vanguarda das nações modernas. Sócrates promete investimentos em múltiplas áreas, ao mesmo tempo que anuncia um espírito reformador sem precedentes. Sócrates imagina ter um toque de Midas, com o qual vai tornar tudo dourado. Tudo se encaixa, apaziguar o povo voltando atrás com as medidas duras da coligação PSD/PP, seguir na mesma onda investindo mais na segurança social, na saúde, na justiça, na educação, na economia, contrabalançar os gastos extra com um crescimento económico avassalador, com reformas nos serviços públicos, eliminando a evasão fiscal, reduzindo o despesa pública.

Sócrates voltará aos Estados Gerais, as suas ideias já de si geniais serão enriquecidas com contributos dos melhores portugueses em cada área. Mobilizar as elites, contagiar o povo, espevitar os empresários, fazer brilhar o melhor de nós, fazer a chama de Portugal brilhar como nunca antes. Todos seremos felizes, os pequenos empresários serão grandes empresários, os grandes empresários serão multinacionais, os pobres deixarão de existir, a classe média toda terá Mercedes ou afins, a marca Portugal soará nos quatro cantos do mundo... Bem, até eu já me estou a deixar entusiasmar por um futuro tão radiante, que lágrimas estão prestes a cair pelo rosto fruto num êxtase profundo.

O futuro Primeiro Ministro (já agora, também futuro Presidente da República) está em estado nascente, profundamente enamorado por si mesmo. Pelo menos as suas ilusões não param. Não lhe critico o espírito entusiasta e nem duvido das suas qualidade humanas e nem de querer o melhor para o país. Sócrates nem chega a prometer, vai muito para além disso e leva-nos a visualizar o maravilhoso futuro a nossos pés. O irrealismo de Sócrates só tem paralelo com as fantasias do adolescente que sonha com a sua amada, pura e perfeita. A boca dos portugueses vai sendo adoçada com as iguarias que Sócrates vai proferindo. Uma ilusão partilhada por muitos é sempre bem mais fácil de levar.

MC
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