Jean-François Revel (22)
A AMÉRICA – BODE EXPIATÓRIO (II)
Impulsionados pela governação de Ronald Reagan, os Estados Unidos tiveram taxas de crescimento nas últimas duas décadas do século XX que alargaram o fosso em relação à Europa. No velho continente, quando não se consegue esconder este facto, tenta-se ao menos denegri-lo, argumentando que se trata de um crescimento devido ao «ultraliberalismo» que empobreceu o povo americano e apenas beneficiou uma minoria de ricos, que era supostamente o único objectivo da administração Reagan com a sua reforma fiscal.
Estas mentiras deliberadas têm duas funções. Primeiro, impedir ou adiar ao máximo a aplicação de medidas semelhantes nos países europeus. Em segundo lugar, esconder o fracasso relativo da Europa, fazendo constantes apelos à sua superioridade moral. Mais ainda que esconder este fracasso relativo, tenta-se também abafar um fracasso ainda mais profundo do modelo social europeu, que conduziu a um grande aumento do desemprego sem corrigir as desigualdades sociais. Um modelo social que oferece um sistema de reformas condenada a prazo enquanto promove o aumento da criminalidade e da insegurança.
À distância, alguns analistas concedem que a política fiscal de Reagan beneficiou toda a sociedade americana, apesar dos seus objectivos serem apenas o benefício dos poderosos. Mas nem isto é verdade, a redução de impostos incidiu sobre todas as classes sociais mas sobretudo na classe média e na dos baixos rendimentos. Foram os ricos a suportar uma maior fatia do orçamento de Estado. Trata-se de uma matéria de números, que se pode comprovar com toda a facilidade e sem grande margem para interpretações. Mesmo alguma esquerda americana não consegue esconder isto. O que nos cabe perguntar é o porquê de na Europa ter sido propagada uma visão dos acontecimentos totalmente oposta à realidade, com a excepção de algumas publicações especializadas.
Se a maioria das pessoas não tem tempo nem vontade de se especializar em matérias económicas, a função do esclarecimento das massas não devia ficar a cargo de políticos e jornalistas? Será que não o fazem por simples desinteresse de tudo o que é americano? Crítica que, aliás, costumam fazer ao jornalismo americano. Mas tal não pode ser verdade, porque sempre que há uma má notícia vinda dos EUA há uma curiosidade galopante em esmiuçar todos os pormenores. Uma pequena subida da taxa de desemprego americana é motivo de regozijo na Europa, apontando-se logo o facto como a prova do fracasso no modelo neoliberal americano. É a total ausência do ridículo, porque mesmo quando o desemprego dos EUA sobe (e trata-se de desemprego de curta duração na grande maioria das situações), ainda assim situa-se bem abaixo da média europeia.
A falta de informação, tantas vezes veiculada pelos “meios de informação”, passa continuamente a ideia de uma América «ultraliberal», quando os governos americanos sofrem frequentemente de debilidades semelhantes às encontradas na Europa. Em ambos os casos há o assédio dos grupos de pressão que visam extorquir subsídios, isenções e protecções de toda a ordem. Contrariamente à opinião europeia, nos EUA os lobbies mais poderosos não são os das grandes empresas. A maior parte dos americanos (7 em cada 10) pertencem a uma ou mais associações que fazem «lobby», que podem ser de sectores tão diversos como o dos reformados, agricultores, hoteleiros e, claro, funcionários públicos. Como dizia Bastiat: «Há duas formas de enriquecer. Uma é produzindo mais. A outra é apropriando-se cada vez mais daquilo que os outros produzem.» Com o objectivo de satisfazer nobres valores, como o interesse geral ou a solidariedade social, os benefícios acabam inevitavelmente por ser bem mais particulares. O resultado é um bloqueamento das democracias e a subida de impostos. Desde o New Deal de Roosevelt, a política que se tem aplicado nos EUA é a social-democracia, por muito que a esquerda europeia queira fazer ver o contrário. Mas mesmo para estes a social-democracia já é uma traição ao socialismo porque já não pretende mudar de sociedade mas apenas a sociedade.
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