sábado, dezembro 30, 2006

Jean-François Revel (21)

A AMÉRICA – BODE EXPIATÓRIO (I)

A única crítica constitutiva aos EUA apenas existe, e é salutar, na própria América. «Por seu lado, o antiamericnismo assenta numa visão totalizadora para não dizer totalitária, cuja cegueira passional se reconhece pela ânsia de denegrir no objecto da sua execração tanto uma determinada conduta como o seu contrário, apenas com alguns dias de intervalo e, por vezes, até em simultâneo.» Segundo esta visão, «os americanos apenas cometem erro, todos os seus actos são crimes, só dizem disparates, são culpados de todos do desaires, de todas as injustiças, de todo o sofrimento do resto da humanidade.»

O antiamericanismo é sobretudo um fenómeno de elites, muitas delas expostas ao fundamentalismo religioso ou às doutrinas marxistas. Mas já na Europa do século XIX a direita intelectual tinha a mesma postura crítica. Já na altura estava bem viva a tradição de criticar sem base em qualquer facto ou observação presencial, apenas na base do preconceito.

A ânsia de lucro que supostamente os americanos possuem faz esquecer que neste país o mecenato não tem paralelo, com o financiamento a museus, universidades, óperas e orquestras. Mas se a determinada altura diz-se que os americanos não tinham qualquer cultura, no momento seguinte já se fazem acusações ao «imperialismo cultural americano.» Foram os EUA, 50 anos antes da França, a instituir a educação elementar obrigatória, em 1832, primeiro em Nova Iorque e rapidamente nos outros estados. Só em 1944 foi dado o direito de voto às mulheres em França, quando em 1920 ele já estava completamente instituído nos EUA, remontando as primeiras experiência a 1869 no Wyoming.

«Se o Bem, ao qual esse mesmo socialismo prestava culto já soçobrou, resta-lhe pelo menos o consolo de poder continuar a execrar o Mal que era a sua antítese. Ai de quem lhe procure subtrair o seu Lúcifer de serviço, a sua derradeira bóia de salvação ideológica.»

«Que coisa estranha: é sempre na Europa que nascem as ditaduras e os regimes totalitários, mas é sempre a América que é fascista!» O segundo candidato mais votado nas últimas eleições francesas foi um populista de extrema-direita mas é a democracia americana que está em causa! «Que a França aprenda finalmente a ver-se tal como é, dotada de uma Constituição implacável e moribunda, um Estado incapaz de impor o respeito pela lei e que apenas sabe dizer uma coisa: «Aplico impostos e promovo a redistribuição», uma comunidade intelectual cada vez mais cega no que se passa no mundo e uma população cada vez menos laboriosa, persuadida de que pode sempre ganhar mais desde que vá mais longe nas estudos e trabalhe menos.»«Para que os disparates e o sangue desapareçam da Europa, é preciso que os Estados Unidos, ao arrepio de todos os ensinamentos da verdadeira história, surjam como o único perigo que a ameaça a democracia. Mesmo nos tempos da Guerra Fria, a União Soviética e a China podiam à vontade anexar a Europa Central ou o Tibete, atacar a Coreia do Sul, subjugar os três países da Indochina, reduzir à condição de satélites diversos países africanos ou ainda invadir o Afeganistão, que para os europeus, desde a Suécia à Sicília, e de Atenas a Paris, o único «imperialismo» que existia era o americano.»

MC
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