Jean-François Revel (19)
A EXTINÇÃO CULTURAL
«A ideia de que uma cultura preserva a sua identidade erguendo barreiras contra as influências estrangeiras é uma ilusão estafada que sempre resultou ao contrário do pretendido. Não se pode ser diferente sozinho. É a livre circulação das obras e dos talentos que permite a perpetuação das culturas pelo acto de renovação. O isolamento apenas engendra a esterilidade, como se demonstra pelo velho paralelismo entre Esparta e Atenas.»
«Na prática, e por toda a Europa, mas sobretudo em França, tanto a excepção como a diversidade culturais são nomes de código para subsídios e para quotas limitativas. A eterna cantilena de que «os bens culturais não são simples mercadoria» não passa de um chafurdar na vulgaridade. Quem é que disse tal coisa? Mas também não são o produto simples dos financiamentos do Estado, ou então a pintura soviética seria a mais bela do mundo. (…) Se é verdade que por vezes o talento precisa de auxílio, também é verdade que o auxílio não dá talento a ninguém.»
Quem critica a produção americana televisiva e cinematográfica de só reger-se pelo lucro e nunca ter coragem de enfrentar temas difíceis, engana-se. No meio de muitas vacuidades, os americanos nunca se furtaram a debater temas difíceis. Ainda o caso Watergate estava quente e já havia uma série televisiva sobre o assunto. Na Europa os escândalos conhecidos nunca são abordados e aquilo que mais se critica os americanos, a vacuidade e a bovinidade, resume quase toda a produção televisiva europeia.
Os receios de que a globalização conduza à americanização do mundo partem do princípio que não há nada de bom que os EUA possam oferecer ao mudo. Apontam alarmados para os restaurantes Mac Donald’s que se espalham por toda a parte. Parecem não querer ver que não é apenas o “fast food” americano que se consegue encontrar facilmente mas também comida italiana, francesa, alemã, do médio oriente, tailandesa, chinesa, japonesa, brasileira, mexicana, da argentina… A globalização não diminuiu a diversidade, pelo contrário, aumentou-a bastante.
Alguns intelectuais franceses classificaram a Disneylândia de Paris como um «Chernobyl cultural». «Deste modo, o ódio contra os americanos é levado ao extremo de se transformar em ódio contra nós próprios. (…) Mas não é preciso ser senhor de grande erudição para perceber que grande parte dos temas inspiradores de Walt Disney, sobretudo as grandes metragens, se socorrem de fontes europeias [Pense-se na Branca de Neve e os Sete Anões, Pinóquio, A Bela Adormecida, A Ilha do Tesouro.]»
A difusão da língua inglesa causa pavor por ser considerada uma causa da diminuição da diversidade cultural. Antes de mais, não é por alguém utilizar o inglês que passa a ter «um conhecimento profundo, nem sequer superficial da cultura e do pensamento anglo-americano, nem que estes substituam aos da origem de cada um.» Por outro lado, não é necessário saber uma única palavra de russo ou japonês para sentir-se impregnado por estas culturas. E tal como nos restaurantes, a globalização não colocou apenas mais gente a aprender inglês mas também castelhano, alemão, mandarim, russo, árabe ou japonês. E também mais gente comum a viajar para locais remotos a preços relativamente modestos, antes apenas acessíveis aos ricos.
É argumentado que o inglês tem servido para degradar outra línguas, invadindo-as. Devia existir uma interrogação sobre os motivos desta permissividade, que advém de causas internas. Quando uma língua se degrada e fica entregue a intelectuais estéreis começa a ter um grande número de expressões bastardas, que ela própria não consegue, por esclerose, encontrar melhores alternativas. «O verdadeiro perigo de morte para a cultura europeia, originado pela fobia antiamericana e antiglobalização, é a rejeição do progresso.» Se a Europa seguisse inteiramente esta via iria regredir décadas. «Os fanáticos do antiamericanismo e teriam então conseguido colocar a Europa numa situação de dependência em relação aos Estados Unidos ainda maior do que a de hoje.»
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