terça-feira, dezembro 26, 2006

Jean-François Revel (16)

A PIOR SOCIEDADE QUE JAMAIS EXISTIU (I)

Segundo a opinião dominante na Europa, os americanos não só estão totalmente errados naquilo que fazem a nível internacional como em termos internos são «o pior grupo de seres humanos que jamais houve noticia.» Jean-François Revel apresenta-nos a forma como os franceses vêem os americanos, o que não deve divergir muito da apreciação feita pelos portugueses:

- Os americanos regem-se apenas por um valor: o dinheiro. Tudo o resto é-lhe subordinado, tudo se vende e se compra, todos os presidentes estão vendidos aos grandes interesses;

- Na América reina o capitalismo selvagem, os pobres são cada vez mais numerosos e mais pobres e os ricos cada vez mais ricos. As limusinas de vidros opacos passam ao lado de hordas de miseráveis e esfomeados;

- Não existe qualquer sistema se segurança social nos EUA, nem subsídios de desemprego, nem reformas, só os ricos têm cuidados de saúde e só eles podem estudar nas universidades privadas;

- Os americanos são burros, os sistemas de educação primário e secundário são nulidades, além de que só uma elite pode frequentar a universidade;

- Na América reina a violência, florescem os guetos derivados do racismo, onde várias minorias étnicas são oprimidas pelos brancos, tudo sendo agravado pela venda livre de armas, que tem como consequência rotineira a ida de adolescentes à escola com o intuito de matar alunos e professores;

- Os americanos só elegem atrasados mentais para presidentes, Bush, Reagan Truman, Cárter, sendo o menos mau Kennedy e por isso foi assassinado;

- Os EUA são só uma democracia na aparência.

«Tais enormidades reflectem mais os problemas psicológicos de quem as profere do que os defeitos da sociedade que procuram denegrir.»

Em relação à suposta falta de protecção nos EUA, não é por neste país não existir um modelo de descontos obrigatórios para reformas que estas deixam de existir, já que a maior parte da população está coberta por seguros com prémios repartidos entre patrões e empregados. Os dois modelos têm vantagens e desvantagens mas durante décadas a Europa limitou-se a adoptar uma postura arrogante por achar que o seu modelo era automaticamente superior por não ser privado e afastar qualquer possibilidade dessa coisa horrível que é o lucro. Hoje em dia é o modelo europeu que está em crise devido a manifestas injustiças que provoca, além da sua sustentabilidade ser bastante duvidosa face à evolução demográfica ocorrida. Mas já em 1930 Rosselvet tinha instituído uma “social security” que garante reformas a quem não esteja coberto por seguros. Em termos de cuidados de saúde, só quem não conhece a existência dos programas públicos Medicaid e Medicare, cujo financiamento público representa uma porção do PIB do que é gasto na Europa na saúde, pode achar que a saúde é só para os ricos.

A alegação de que os EUA não são uma autêntica democracia não tem qualquer suporte. O sistema de separação de poderes (“checks and balances”) funciona bem melhor que em todos os países ocidentais. A liberdade de expressão é maior que em qualquer outro país e os americanos são bem mais críticos em relação a si mesmos que a maior parte dos intelectuais de outros países em relação a si próprios. Apesar de só existirem dois grandes partidos, o espectro político que abrangem é praticamente idêntico ao de qualquer outro país ocidental. Os americanos são chamados a votos muito mais vezes que os cidadão de outros países, não só para eleger políticos mas também juízes e xerifes, além de existirem constantes referendos. As contas públicas americanas são escrutinadas com um rigor sem paralelo.

Os EUA têm problemas de violência, sem dúvida, mas existe logo uma confusão na interpretação das estatísticas que ficam empoladas quando se procuram “crimes” (que inclui todo o tipo de delitos) e não “murders”, o equivalente aos nossos crimes. Os americanos têm assumido o seu problema de violência e por isso têm feito para o combaterem e assim conseguido diminuir a delinquência e a criminalidade nos últimos 20 anos, enquanto a Europa tem seguido a tendência inversa. O exemplo de maior sucesso foi o de Rudolph Giuliani em Nova Iorque, que foi ridicularizado (Giussolini) pela sua política de «tolerância zero» até se tornarem evidentes os bons resultados. «O antiamericanismo serve de desculpa à ineficácia governamental, ao subdesenvolvimento e à trapaça delinquente. Desde que se afaste o «modelo americano» a escolha é boa, não vá acontecer alguma desgraça.»

(Cont.)

MC

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