sábado, dezembro 16, 2006

Jean-François Revel (11)

ALGUMAS CONTRADIÇÕES DO ANTIAMERICANISMO

Segundo Zbigniew Brzezinski, só existe uma superpotência mundial quando esta atinge o primeiro lugar em quatro domínios: económico, tecnológico, militar e cultural. Apenas os EUA cumprem estes requisitos, com a possível excepção do plano cultural em sentido restrito (literatura, pintura, música, arquitectura, etc.). Mas pensando em cultura de massas, não há nenhuma civilização que exerça tanto apelo aos jovens de todo o mundo como a americana. Este domínio é também reforçado pela utilização massiva do inglês e pelo prestígio de várias universidades americanas. A superpotência americana deriva da vontade e criatividade do povo americano, por um lado, mas também da derrota do comunismo, do enfraquecimento da Europa, de África e do Islão por culpas próprias. A Europa está sempre pronta a atirar culpas sobre os americanos mas não quer assumir quaisquer responsabilidades no estabelecimento do fascismo, do nazismo e do comunismo, nem do seu passado colonialista e caóticas descolonizações (por vezes simbólicas entregas de testemunho a forças marxistas). Após o término da Guerra-fria acontece o paradoxo dos EUA serem mais odiados por alguns dos seus aliados do que pelos adeptos do comunismo.

Apesar de existir uma enorme quantidade de informação fidedigna sobre os EUA, os meios de comunicação ocidentais esforçam-se por apresentar um retrato sobre este país o mais deturpado possível. São rotineiras as alegações de falta de protecção social, das taxas de pobreza (“esquecendo” mencionar como os valores são calculados), a apresentação dos casos de desemprego. Há uma grande contradição em descrever os EUA como um «amontoado de calamidades económicas, políticas, sociais e culturais» e ao mesmo tempo mostrar tanta inquietação com a riqueza deste país, «com a sua primazia nas áreas científicas e tecnológica, com a omnipresença dos seus modelos de cultura.» «Essa infeliz América devia inspirar muito mais piedade do que inveja e suscitar muito menos animosidade do que comiseração. Que enigma esse, o do sucesso do povo americano, inteiramente decorrente da sua nulidade e nunca, a nosso ver, dos seus méritos!» Censura-se o modelo económico e social americano, mas se a economia norte-americano abranda, todos esperam ansiosamente pela retoma que tudo arrastará consigo.

A incerteza dos resultados das eleições presidenciais de 2000 nos EUA levou a uma chuva de críticas sobre o sistema de delegados americanos. Não se percebem as razões deste sistema, um método de chegar ao voto útil, ser mais injusto que o sistema a duas voltas (Portugal e França) ou a uma só volta para a Câmara dos Comuns britânica, onde ganha o candidato mais votado, mesmo que por uma percentagem bem abaixo dos 50%. A imprensa europeia regozijou com o «folhetim» americano, o recurso aos tribunais, a eventual votação pela Câmara dos Representantes caso se tivesse verificado empate técnico, a recontagem de votos na Florida. Tudo isto não passou do cumprir dos preceitos constitucionais, a que os americanos assistiram de forma apaixonada mas sem sombra de tumulto. É fácil imaginar que em muitos outros países já se estaria à beira da guerra civil ou de um golpe de estado. Foi também mais um pretexto para criticar o constante recurso aos tribunais que os americanos fazem, como se isso desse origem a um governo de juízes. Para os europeus é negativo que o direito tenha primado sobre o Estado, o que evidencia bem a mentalidade estatista deste continente, que não vislumbra vantagens nos conflitos serem arbitrados de forma imparcial e só quando solicitados.

O Protocolo de Quioto é uma das armas de arremesso favoritas contra a administração Bush, que identifica o móbil do crime nos favores que Bush faz aos senhores do petróleo. Esquecem que já na presidência de Clinton o Senado tinha rejeitado o protocolo com 95 votos contra 0. Quatro anos depois de assinado o protocolo, nenhum dos 167 países ainda o tinha ratificado (entretanto já muitos o fizeram mas em geral isso não tem conduzido a uma diminuição das emissões). O movimento ecológico, dominado em grande parte por radicais esquerdistas, naturalmente não poupa críticas aos americanos, mas nunca se lhes viu uma palavra de censura aos crimes ecológicos de dimensões colossais dos regimes comunistas. Desta forma a ideologia ecológica só vê problemas onde existe liberdade económica. A contradição atinge o extremo quando os partidos “verdes” fazem parte de coligações de governo e não aplicam qualquer medida que implique coragem política, ao mesmo tempo que criticam falhas idênticas nos americanos.

MC
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