quinta-feira, novembro 02, 2006

Uma mentira conveniente



Há uns anos atrás perguntava a um membro de uma associação ecologista a razão de serem tão exagerados. Fiquei um pouco surpreendido com a resposta, que afirmava cruamente que era necessário mentir para a mensagem passar na comunicação social. Supostamente, os ecologistas também seriam vítimas da ditadura dos media que só dá voz a quem berra mais alto. A estratégia implícita é semelhante à que muitos pais usam em relação aos filhos, inventando perigos enormes para provocar nas crianças um medo quase instintivo sobre certos comportamentos de risco. Ora o que acontece muitas vezes é começar a mentir por estratégia e acabar a fazê-lo por convicção. Eles ainda se lembram, nem que seja vagamente, das suas intenções iniciais, melhorar o ambiente e a vida de todos, proteger as espécies em extinção, etc. E acreditam que o ritual de pronunciar de viva voz em cada acto estes mesmos valores os absolve das linhas tortas que vão escrevendo.

Quando se passa para um nível mais alargado, a simples mentira já não é aceitável porque há sempre quem esteja atento e pronto a denunciá-la. Aí recorre-se a estudos, relatórios, assinam-se protocolos, realizam-se documentários. Em pouco tempo, Al Gore publica o livro/filme “Uma Verdade Inconveniente”, a ONU divulga um relatório em que desvenda um aumento das emissões de CO2 e sai o bombástico relatório Stern encomendado pelo governo Britânico, todos apontando para as variações climáticas dramáticas, a sua origem humana, as profundas consequências económicas e, como é óbvio, a necessidade de se fazer alguma coisa. Curiosamente, muitos esquecem que foi Tony Blair o responsável pela alegação das armas de destruição maciça como motivo para intervir no Iraque, uma vez que os americanos iriam para lá sem essa justificação. E também aqui não houve mentira. Vários serviços secretos, incluindo os franceses e os russos, eram da opinião de que o Iraque já tinha um forte dispositivo de ADM. O que depois se fez foi algo mais sofisticado do que mentir, foi antes tirar as piores conclusões dos poucos dados que se tinham e apresentar a versão empolada ao grande público. E o desfecho foi o que se viu.

E agora, a propósito das alegadas modificações climáticas, a mentira também está excluída. Tudo é baseado em modelos climáticos e económicos científicos, em dados empíricos e no fim os resultados apresentados dentro de uma gama de variação expectável para se atestar a seriedade. Claro que a comunicação social vai dar ênfase apenas às previsões mais catastróficas, como se fossem as únicas e inevitáveis, se nada for feito. Também não devemos esperar que a mesma comunicação social nos esclarecesse como se chegam àqueles resultados. Não nos explicam se os modelos climáticos utilizados tomam em conta todas as variáveis relevantes, até porque ficava mal dizer que ninguém tem a certeza. Nem nos explicam que é utilizado um modelo, ou seja, uma simplificação idealizada da realidade, porque esta é tão complexa que não se pode ter toda em conta e, logo, há a probabilidade de ter deixado de fora algo que é determinante. Além de que os próprios modelos não funcionam sozinhos, precisam também de algum input de quem faz a simulação, que em última análise não é mais que um inserir de palpites. E em relação à economia poder-se-ia dizer quase o mesmo.

Este meu cepticismo não é uma tentativa de desvalorizar o problema. No entanto penso que devem ser desvalorizados aqueles que querem fechar a discussão, em grande parte por razões ideológicas. Basta um pouco de bom senso para perceber que previsões complexas a longo prazo são altamente falíveis. Pode ser bem pior fechar o debate e impor de forma centralizada as soluções “necessárias” do que “nada fazer”. Porquê? Imaginem-se alguns cenários:

1º - As previsões estão globalmente correctas mas pecam por defeito. Como o debate foi fechado, podem passar vários anos até se chegar à percepção de que as medidas tomadas ficaram muito aquém do necessário.

2º - As variações climáticas são reais e têm causa humana, mas não aquelas que se pensava. Ao fechar o debate o erro nunca vai ser reconhecido. Este caso poderá ser confundido com o 1º e haverá tendência de combater o mal X mais intensamente, quando o problema está em Y. Nem o problema é resolvido e são gastos inúmeros recursos sem qualquer retorno, que poderiam ter sido utilizados de outra forma.

3º - As variações climáticas são reais mas não é possível combatê-las com os meios humanos disponíveis. É o pior cenário e a única alternativa racional é aprender a viver com isso, independentemente do problema ter tido ou não origem humana. Isso implica a implementação de medidas de adaptação, que naturalmente precisam de recursos, mas estes estão atribuídos a uma luta perdida que o consenso ditou.

Por último, não existe a solução “não fazer nada” ou melhor, até há, chama-se Protocolo de Kyoto e outras soluções do género que possam aparecer. Porque protocolos assinados por autoridades centrais assumem uma responsabilidade abstracta mas uma efectiva desresponsabilização individual. A mensagem que passa é que os governos estão a tratar do assunto e quando chegar a nossa vez de fazer alguma coisa, logo nos avisam e por enquanto podemos ficar descansados de braços cruzados. Mas ao chegar o momento de agir todos preferem ficar na mesma e a razão é simples. Porque cada pessoa e cada empresa tem consciência que o seu esforço isolado não vai alterar nada, mas vai sentir logo as consequências negativas do seu esforço.

E deixar o mercado actuar não é o mesmo que “não fazer nada”. É de facto a solução mais eficaz para a responsabilização individual e o melhor estímulo para as empresas se tornarem mais “verdes”. As empresas modernas têm a necessidade de uma imagem imaculada e para isso nada como aderir à moda ecológica. Muitas empresas cumprem hoje preceitos ambientais que vão muito para além das obrigações legais. E cada vez será mais assim, não por pressões estatais mas pelo próprio funcionamento do mercado. Há também a ideia errada de que o capitalismo favorece a manutenção da situação actual até à catástrofe final desde que isso maximize os lucros. Isto pode ser verdade para determinados capitalistas ocupando posições dominantes mas não o é para o capitalismo em si, porque este sistema não vive da manutenção do status quo mas antes da destruição criativa. O que o capitalismo estimula é sempre o empreendedor que procura a oportunidade de negócio e se há área onde essas oportunidades irão florescer é no domínio ambiental.
MC
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