terça-feira, outubro 03, 2006

O que não foi referido no Prós & Contras


O último Prós & Contras, para não variar, colocou o debate na orla da mediocridade. O tema era a Segurança Social, mas podia ser outro. Como costuma ser apanágio nestes debates, especialmente quando dominados pelos políticos como foi o caso, o fundamental é sempre aquilo que fico por ser dito. Apenas por uma única vez foi referida a questão da liberdade de escolha, que o actual sistema não permite. Foi o representante do PSD que o fez mas apenas na lógica de picar o empedernido Carvalho da Silva, pelo que nem sequer se pode considerar que tenha sido um argumento lançado na discussão. É realmente incrível que num sistema em que todos são obrigados a contribuir coercivamente e chegados a um ponto em que, ou se faz algo ou o sistema entra em colapso, nem mesmo assim a hipótese da liberdade de escolha suscita grande interesse. Que raio de país é este que ninguém se importa de ser tratado com um indigente que não sabe tomar as decisões mais elementares sobre o seu futuro?

Outro ponto relevante que não foi levantado tem a ver com a suposta solidariedade e justiça do actual modelo. O mantra está bem divulgado e ninguém se atreve a contestá-lo em público. Sem o sistema social que temos inúmeras situações de carência não teriam sido suprimidas. Esta argumentação, que assume diversas formas mais ou menos rebuscadas, tem três problemas. Começa logo por assumir que ou tínhamos este modelo ou não tínhamos nada, não existiria qualquer tipo de solidariedade. É muito fácil, quando se impede ou dificulta bastante a existência de outras soluções, vir defender que determinado monopólio estatal é a única solução possível. É o caso do indivíduo que arranca as pernas à barata e acha depois que ela tem pouca vontade de andar. A segunda dificuldade em defender a justeza do actual modelo ocorre quando nos debruçamos sobre os resultados concretos. Não se duvida que ele providencia alguma solidariedade, mas digamos que isso é mais um efeito colateral. Como os mais necessitados são aqueles que menos poder reivindicativo têm, o grosso da “solidariedade” foi servindo outros fins. E assim somos todos obrigados a ser solidários com as reformas antecipadas, com os regimes especiais, com as reformas milionárias dos gestores públicos, etc.

Finalmente, como se pode considerar justo um sistema que condena à partida novas gerações, que podem ainda nem ter nascido e, segundo o modelo, nunca serão ouvidas, a sustentar as actuais? Mesmo que fosse possível garantir que as gerações futuras iriam também entrar no sistema com as mesmas garantias de retribuição que os beneficiários actuais gozam, que direito há em decidir por elas? Parece-me que este modelo dá uma promessa de retribuição mas garante apenas um regime de servidão. As discussões actuais sobre a Segurança Social perdem-se muitas vezes em pormenores sobre determinados privilégios presentes mas falasse tão pouco de quem virá. É absolutamente repugnante o desprezo que a maioria encara as futuras gerações. Pode-se dizer mesmo que é das matérias em que mais é notória a absoluta falta de princípios e de dignidade da maior parte das pessoas e decisores, preocupados apenas com o seu presente.

Por último, durante o debate falou-se bastante no risco da capitalização versus a segurança perene do Estado. Com tanto flanco aberto, não percebo como ninguém quis argumentar com um mínimo de inteligência. O ridículo em falar do risco da capitalização começa logo por ninguém se ter lembrado do motivo deste debate estar na ordem no dia. Ora estas coisas da Segurança Social não estão na berlinda precisamente porque os modelos estatistas estão em risco de colapsarem? O risco da capitalização é também muito curioso quando se lhe opõe a segurança estatista. Nem sequer estou muito interessado em discutir a proposta do PSD que ainda parece bastante incompleta, mas a questão em termos mais abstractos.

Obviamente que um modelo de segurança social que se baseasse apenas em capitalização de alto risco não seria muito
ajuizado. Mas existem inúmeras outras opções bem menos arriscadas. A questão é saber se, mesmo assim, a opção Estado é mais segura ainda. Onde vai o Estado beber os seus recursos? Não é precisamente dessa sociedade privada insegura e cheia de risco? A questão do risco está presente em ambos os lados, só que do lado do Estado opta-se pelo eufemismo das “variações no crescimento económico”? Por isso, a sensação de que as opções estatistas são isentas de risco é absurda. Compreendo, nem que seja por razões psicológicas, que a presença do Estado possa ter alguns efeitos positivos ao assegurar uma “Pensão Mínima”. Contudo, há um risco que quase nunca é referido. Pior do que os riscos inerentes à capitalização, que sempre pode correr mal, é o risco dos fundos serem inteiramente geridos pelo Estado devido à voracidade que este sempre mostra em consumir tudo o que tem à sua disposição.
MC
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