sexta-feira, outubro 13, 2006

Jean-François Revel (8)

OS INTELECTUAIS

Retrato de Michel Leris, por Francis Bacon

Há duas visões típicas do intelectual. Numa delas critica-se o intelectual por estar longe das questões práticas mas ainda assim querer ser um líder de opinião, desprezando os malefícios que os seus erros provocam na sociedade que tenta influenciar. Esta visão é por vezes dita de direita, que contrasta com a de esquerda, que não vê mal algum no afastamento do intelectual das questões práticas, o que até lhe permitiria desempenhar melhor o papel de consciência moral da sociedade. Neste caso a divisão entre direita e esquerda é bastante artificial porque se encontram facilmente pensadores de ambos os lados a defender as mesmas coisas. Por isso, simplifique-se a questão dizendo que há uma visão do intelectual que o considera um teórico irresponsável e desligado da realidade e outra que o vê com um discernimento, coragem e infalibilidade que não se encontra em mais nenhuma categoria socioprofissional.

Ambas as visões falham ao pensar no intelectual como alguém essencialmente diferente dos outros, quando ele é movido por interesses, invejas e paixões como qualquer outra pessoa. Entre as duas guerras mundiais foram escassos os intelectuais que não caíram numa de duas tentações, a fascista ou a estalinista. Não é a lucidez que distingue o intelectual mas um maior arsenal conceptual e verbal e o acesso que têm a meios de difusão. Os intelectuais sabem que para se fazerem ouvir têm modificar as suas ideias, por vezes até as negar. Desta forma, durante décadas não existiu um espírito livre em França que conseguisse criticar na televisão o regime maoista e todos os seus horrores. O problema do intelectual sensato é exactamente o mesmo de qualquer outra pessoa sensata, a falta de visibilidade. São frequentes os casos em que determinado intelectual ganha relevância num determinado domínio, que pode ser merecido, mas depois utiliza o seu prestígio para se pronunciar sobre os matérias, das quais não tem mais conhecimento que o homem da rua, como se a sua sapiência também se estendesse a estas áreas.

Durante o século XX os intelectuais foram os principais responsáveis pela justificação de todo o tipo de tiranias com base em valores como a igualdade, a solidariedade e outros conceitos ditos de esquerda. «Esta imensa impostura falsificou todo o século, em parte pela culpa de alguns dos seus maiores intelectuais. Corrompeu até aos mínimos detalhes a linguagem e a acção política, inverteu o sentido moral e entronizou a mentira no centro do pensamento.» Como nota pessoal, acrescento que esta falsificação poderia ter ocorrido também com valores ditos de direita, como a ordem ou a “meritocracia”. Só não ocorreu por razões históricas, depois da guerra mundial os regimes que se quiseram apelidar mesmo de direita foram poucos para que fosse necessária uma mobilização intelectual para os justificar. Porque acredito que o problema, mais que na superioridade dos valores da esquerda ou da direita, está antes em impor a toda uma sociedade um conjunto de valores. A maneira como se tem tentado fazer isso é através do poder coercivo do Estado e mesmo que ele tenha sido reunido por bons motivos, rapidamente deixa-se corromper.

Os intelectuais conseguiram em alguns casos ir mais longe que os piores ditadores, porque Estalini, Hitler ou Mao só viram necessidade de assassinar «culpados» enquanto os intelectuais arranjaram justificações para o assassínio de inocentes. Bertold Brecht, a propósito dos velhos bolcheviques mortos nos processos de Moscovo, disse «Aqueles, quanto mais inocentes, mais merecem ser fuzilados.» Por sua vez, Sartre achava que todos éramos responsáveis pelos crimes ocorridos no mundo, mesmo quando os ignoramos, mas já não via necessidade de pedir as mesmas responsabilidades aos autores factuais ou morais dos mesmos. O terrorismo também está intimamente ligado aos intelectuais e pouco ou nada tem a ver com o homem comum. É entre professores e alunos que se forma a ideologia terrorista e se podem encontrar a maior parte dos executantes. «Para cúmulo, inúmeros intelectuais são ao mesmo tempo favoráveis ao terrorismo e ao pacifismo. Por outras palavras, ao pregarem o desarmamento unilateral do Ocidente, proíbem-se de utilizar, para defender o território nacional em tempo de guerra, uma violência que acham necessária aplicar aos seus próprios cidadãos em tempo de paz.»


MC

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