Jean-François Revel (8)
Há duas visões típicas do intelectual. Numa delas critica-se o intelectual por estar longe das questões práticas mas ainda assim querer ser um líder de opinião, desprezando os malefícios que os seus erros provocam na sociedade que tenta influenciar. Esta visão é por vezes dita de direita, que contrasta com a de esquerda, que não vê mal algum no afastamento do intelectual das questões práticas, o que até lhe permitiria desempenhar melhor o papel de consciência moral da sociedade. Neste caso a divisão entre direita e esquerda é bastante artificial porque se encontram facilmente pensadores de ambos os lados a defender as mesmas coisas. Por isso, simplifique-se a questão dizendo que há uma visão do intelectual que o considera um teórico irresponsável e desligado da realidade e outra que o vê com um discernimento, coragem e infalibilidade que não se encontra em mais nenhuma categoria socioprofissional.
Ambas as visões falham ao pensar no intelectual como alguém essencialmente diferente dos outros, quando ele é movido por interesses, invejas e paixões como qualquer outra pessoa. Entre as duas guerras mundiais foram escassos os intelectuais que não caíram numa de duas tentações, a fascista ou a estalinista. Não é a lucidez que distingue o intelectual mas um maior arsenal conceptual e verbal e o acesso que têm a meios de difusão. Os intelectuais sabem que para se fazerem ouvir têm modificar as suas ideias, por vezes até as negar. Desta forma, durante décadas não existiu um espírito livre em França que conseguisse criticar na televisão o regime maoista e todos os seus horrores. O problema do intelectual sensato é exactamente o mesmo de qualquer outra pessoa sensata, a falta de visibilidade. São frequentes os casos em que determinado intelectual ganha relevância num determinado domínio, que pode ser merecido, mas depois utiliza o seu prestígio para se pronunciar sobre os matérias, das quais não tem mais conhecimento que o homem da rua, como se a sua sapiência também se estendesse a estas áreas.
Durante o século XX os intelectuais foram os principais responsáveis pela justificação de todo o tipo de tiranias com base em valores como a igualdade, a solidariedade e outros conceitos ditos de esquerda. «Esta imensa impostura falsificou todo o século, em parte pela culpa de alguns dos seus maiores intelectuais. Corrompeu até aos mínimos detalhes a linguagem e a acção política, inverteu o sentido moral e entronizou a mentira no centro do pensamento.» Como nota pessoal, acrescento que esta falsificação poderia ter ocorrido também com valores ditos de direita, como a ordem ou a “meritocracia”. Só não ocorreu por razões históricas, depois da guerra mundial os regimes que se quiseram apelidar mesmo de direita foram poucos para que fosse necessária uma mobilização intelectual para os justificar. Porque acredito que o problema, mais que na superioridade dos valores da esquerda ou da direita, está antes em impor a toda uma sociedade um conjunto de valores. A maneira como se tem tentado fazer isso é através do poder coercivo do Estado e mesmo que ele tenha sido reunido por bons motivos, rapidamente deixa-se corromper.
MC
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