quinta-feira, novembro 09, 2006

Pena de Morte (V)

O número de países onde a PM foi abolida supera aquele onde ainda permanece (88 contra 69). Subsistem ainda cerca de 40 países onde a PM só pode ser aplicada sob certas condições especiais ou em que já não é aplicada há mais de 10 anos. Contudo, os países mais populosos ainda têm PM: China, Índia, EUA e Indonésia, pelo que a maior parte da população mundial vive ainda com essa possibilidade nas suas vidas. A União Europeia é uma comunidade que apenas aceita membros que tenham excluído a PM. Além disso, a Europa ocidental é a única zona do mundo onde a opinião pública é maioritariamente contra a PM. Há quem considere isto um avanço civilizacional mas também há quem ache o oposto. Contudo, existe quase um consenso de que a PM tal como é aplicada em regimes totalitários, de forma arbitrária e sumária, muitas vezes para afastar adversários incómodos, é uma barbárie inaceitável.

Tenho a ideia de que para a maior parte das pessoas, independentemente do seu estrado social e nível de escolarização, ser contra ou a favor da PM é sobretudo uma questão emocional e os argumentos filosóficos são depois adicionados para mascar essa escolha que, de início, nada deveu ao raciocínio. Quem é a favor da pena de morte é em grande parte movido pelo desejo de vingança ou então pela sensação de impotência e de medo ao ver as suas condições de segurança degradarem-se. Esta segunda situação não advém de uma qualquer situação pontual mas de problemas sérios que muitas vezes os políticos preferem ignorar em nome de elevados princípios. Esta desvalorização tem como consequência aumentar a sensação de impotência das populações que cada vez exigirão medidas mais duras.

Em relação aos opositores da PM a situação não é tão óbvia. Não acredito minimamente que, para a maior parte das pessoas (claro que há excepções e conheço várias), essa oposição advenha de um verdadeiro repúdio pela PM e um valorizar da vida. Aliás, penso que existe actualmente um profundo desprezo pela vida humana. Os massacres no Ruanda, 1 milhão de pessoas mortas em 100 dias, passaram ao lado de toda a gente. As vítimas do terrorismo são ridicularizadas e rapidamente declaradas culpadas. Existem conflitos militares um pouco por todo o lado mas as lágrimas de crocodilo vão apenas para onde estão os americanos.

Tendo ainda em conta que a oposição à PM é maior na Europa e o desprezo que este continente tem mostrado pela vida é patente nas últimas décadas, a justificação só pode ser outra: Cobardia. Porque uma coisa é ser insensível às mortes que ocorrem longe da vista, outra é ter tomates para conseguir olhar nos olhos do sujeito que está prestes a ser executado. Truman Capote, autor de “A Sangue Frio”, nunca conseguiu recuperar emocionalmente depois de ter assistido a uma execução de um indivíduo de quem se tinha tornado amigo. E a verdade é que a maior parte dos europeus não tem estrutura mental para enfrentar situações como esta.
A Europa não rejeita a PM porque é justa ou injusta mas sim porque é uma medida dura. O que é trágico é que nos arrogamos deste avanço civilizacional, sendo ele apenas encarnado por uns quantos, quando se trata sobretudo de um sintoma de fraqueza, de ausência de um projecto para o futuro. A Europa tem uma necessidade imperiosa de tomar medidas duras se quiser sobreviver. Não que a PM seja uma delas, nem sequer é isso que quero questionar. É bem provável que a PM venha a ser novamente introduzida na Europa em grande escala nas próximas décadas, dada a inépcia com que têm sido encarados os problemas de segurança, e tenho o palpite que ninguém irá ver aqui um retrocesso civilizacional.
MC
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