sábado, novembro 18, 2006

Jean-François Revel (9)

OS INTELECTUAIS E A IDEOLOGIA


Foram escassos os intelectuais que se dedicaram à causa da liberdade apesar de ser uma palavra que usam abundantemente. Quando vemos um intelectual a falar em liberdade podemos supor imediatamente que se refere à sua formulação positiva e por isso não é de admirar que defendam o uso de meios coercivos para a sua obtenção e se mostrem benevolentes face a regimes totalitários. Uma das lutas de sempre dos intelectuais foi a oposição ao individualismo, que rapidamente se transfigura numa oposição à liberdade individual. O intelectual não acha que cumpre a sua missão se ajuda os indivíduos a serem autónomos e mais livres mas sim quando consegue impor a estes as suas convicções e a isto chama triunfo da cultura. Em parte justifica-se o ódio que têm às sociedades liberais porque estas não lhe garantem que todos os vão ouvir e apoiar. Nada mais cómodo do que ter o aparelho do estado assegurando a ausência de contradição e uma validação completa. Como recompensa, projectam «sobre as sociedade liberais os defeitos que recusam discernir nas sociedades totalitárias.»

Quer-se frequentemente fazer passar a ideia de que os intelectuais são tão enganados como as outras pessoas e que, por exemplo, só mostraram apoio ao regime soviético porque à luz dos conhecimentos existentes tudo indicava que tinham razão. Isto começa logo por não ser verdade porque, apesar de toda a propaganda, havia muitas informações que levariam, pelo menos, a mostrar mais cautelas e por isso são tão desconfortáveis aqueles que sempre afirmaram existir erros fundamentais. Contudo, há algo ainda bem mais pernicioso. Já em 1918, não tinha ainda o estado bolchevique montado a máquina de propaganda, e já os socialistas franceses começaram a rejeitar a verdade quando era óbvio o despotismo soviétivo. Por isso, «a mentira nasceu no Ocidente.» «A esquerda inaugura assim brilhantemente a tradição de censura que não deixará até aos nossos dias de florir, por doses variáveis em função da credibilidade, em primeiro lugar em benefício da URSS, depois na China, de Cuba, do Vietname, do Cambodja, de Angola, da Guiné, da Nicarágua, de inúmeros países rotulados de «socialistas» no Terceiro Mundo.»

São várias as funções que os intelectuais têm desempenhado em relação à ideologia. Começam logo por dar a sustentação moral que permite tratar a sociedade como um todo que deve submeter a inteligência à omnipotência da ideologia. Mais tarde, já com a revolução permanente em marcha, são os que justificam todos os desaires, primeiro alegando que houve sabotagens ou que tinham uma herança pesada ou ainda que se viviam condições excepcionais. É também frequente mostrarem alguma lucidez a uma distância confortável, nomeadamente de algumas décadas, onde lá admitem que existiram erros, naturalmente corrigidos. Têm também missões mais práticas como as de acelerar os mecanismos de transformação de grupos humanos em multidões irracionais sensíveis «à sugestão e não ao raciocínio, à imagem e não à ideia, à afirmação e não à prova, à repetição e não à argumentação, ao prestígio e não à competência. No seio da multidão, difunde-se uma convicção de modo algum por persuasão mas por contágio.»

Os intelectuais sempre tiveram dificuldade em resistir às modas filosóficas, em especial depois do pós-guerra. Por mais originais que possam parecer, seguem sempre a mesma receita, reescrever o marxismo ou a psicanálise na terminologia da disciplina que pareça mais moderna, como a linguística estrutural. A estratégia é «substituir as dificuldades reais da investigação científica pelas dificuldades artificiais de um estilo obscuro, precioso e pedante, que dá aos leitores e ouvintes ao mesmo tempo a ilusão de fazer um esforço e a satisfação de se julgarem iniciados num pensamento particularmente árduo.» Esta dificuldade aparente e facilidade real dão um gozo iniciático que os leva a crer fazerem parte de uma minoria, quando apenas existe um «elitismo de massas.» Para completar isto junta-se ainda uma doutrina que dê uma explicação global da condição humana, normalmente um sistema filosófico marcadamente ideológico, quase sempre o marxismo. Uma moda não morre porque é refutada mas porque aparecem novas doutrinas que com um novo vocabulário começaram a preencher as mesmas necessidades, as mesmas funções. Muitos pensam que se libertaram de uma moda quando apenas aderiram a «uma nova encarnação da ilusão que deixou de agradar.»

MC

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