A balança da liberdade
Porque razão é tão incerta a transição da ditadura para a liberdade? Não é apenas porque os seres humanos são imprevisíveis. As transições abruptas, onde a liberdade política é ganha de um dia para outro, falham em geral. Mantêm-se as anteriores configurações sociais e mesmo que haja vontade de viver a liberdade, não se criaram, por milagre, toda uma série de bens para consumo tão ansiados. Ao contrário do que pensam os intelectuais, quem vive em ditadura espera que a liberdade lhes dê em primeiro lugar riqueza, colocando em segundo plano as liberdades políticas. O que é trágico nesta esperança, legítima, é basear-se ainda no antigo paradigma totalitário. Quem vive durante décadas habituado a ver o Estado como fonte de tudo o que é bom e mau, tem dificuldade em perceber que em liberdade vai passar a ter de assumir algumas responsabilidades. E terá de perceber que a liberdade não traz riquezas de forma automática, remove apenas os obstáculos que o dirigismo centralista colocava na sua criação eficaz por parte dos indivíduos.
Como se não bastasse, a transição política pode não alterar grande coisa nas estruturas de poder. As coisas até podem mudar de nome, um monopólio estatal cede lugar a um monopólio privado em que essencialmente mandam os mesmos, mas não há um ganho significativo, porque o famoso mercado ainda não existe. Pior ainda, a transição política para a “liberdade” (e à medida que se vai aprofundando o assunto percebe-se que as aspas são mesmo necessárias) pode até consistir numa degradação dos serviços essenciais do Estado. Uma situação de censura e repressão, de certa forma previsível e a que as pessoas se habituaram, pode ser substituída por outra em que reina o caos, a intimidação das máfias ou, nos piores casos, o terror dos senhores da guerra.
Perante este cenário, há sempre um ideólogo de serviço que nos afirma que se provou, mais uma vez, que a liberdade e o mercado não resolveram problema algum, apenas os vieram agravar. Esta análise, demasiado simplista mas eficaz, contém em si dois erros. O mais óbvio é que não ficou nada provado que a liberdade e o mercado falharam, simplesmente porque nem sequer chegaram a ser testados. Mas o menos óbvio e mais grave é que se esconderam as verdadeiras razões do falhanço. O que falhou foi mais uma tentativa de planeamento centralista. Na verdade, a “transição para a liberdade” não foi a primeira acção do novo regime mas sim a última acção do antigo, mesmo que os protagonistas tenham mudado. E o que falha no concreto é ainda o antigo regime porque, na prática ele não foi eliminado numa miríade de aspectos. Ou seja, a sociedade ainda tem uma vivência totalitária mas pensa estar a experimentar a liberdade.
Isto dá-nos uma pista sobre como poderá ser implementada uma transição melhor sucedida. Ela terá de ocorrer organicamente, nos vários aspectos da vida, por mais insignificantes que possam parecer a quem vive em democracia. Nas suas inevitáveis decadências, as ditaduras cometem o “erro” de ceder alguma liberdade económica, o que lhes pode ditar o seu fim a prazo. O regime terá tendência em achar que esta cedência não é significativa, porque mantém controlo sobre as liberdades políticas, enquanto tem a vantagem de se livrar do fardo do planeamento, que nunca se revelou eficaz e começava a colocar o sistema em risco. O erro desta análise é não perceber que grande parte do que os indivíduos fazem são interacções económicas. Lentamente, os indivíduos irão acumular mais poder, informação e ambição. A verdade é que as pessoas, desta forma, já provaram um pouco do sabor da liberdade e vão querer mais.
A forma como este processo se desencadeia, o tempo que dura, o tipo de progressão, depende muito de caso para caso. Mas nesta situação, quando se dá a transição política para a liberdade, ela ocorre de forma mais natural. A sociedade já aprendeu, em grande parte, a viver em liberdade, porque não depende em tudo do Estado. Haverá ainda muitos vícios por eliminar e as intromissões na vida privada serão muitas, mas as condições essenciais estão criadas.
Pensemos também nas situações opostas, em que se tenta instituir uma ditadura. É muito significativo que uma das primeiras medidas que se toma seja precisamente a nacionalização de empresas ou, mantendo-as privadas, subjugá-las totalmente ao novo poder político. O resultado é uma limitação de opções disponíveis e uma descida do nível de vida. O regime promete resolver as dificuldades que ele próprio criou, pedindo um reforço de poderes. Os mandatos passam a ter maior duração, a constituição é alterada, os poderes presidenciais aumentam, a informação passa a ser controlada. E o resultado passa por uma agravação ainda maior da situação. Mas o regime não desarma e lança culpas aos inimigos internos e os externos (imperialistas) e promete a solução com um controlo ainda mais apertado. Esta última cedência, por desespero, é o último passo na criação do Estado totalitário, que cria em si instituições de auto-preservação prontas para se manterem durante décadas independentemente de quem as dirige.
Como se não bastasse, a transição política pode não alterar grande coisa nas estruturas de poder. As coisas até podem mudar de nome, um monopólio estatal cede lugar a um monopólio privado em que essencialmente mandam os mesmos, mas não há um ganho significativo, porque o famoso mercado ainda não existe. Pior ainda, a transição política para a “liberdade” (e à medida que se vai aprofundando o assunto percebe-se que as aspas são mesmo necessárias) pode até consistir numa degradação dos serviços essenciais do Estado. Uma situação de censura e repressão, de certa forma previsível e a que as pessoas se habituaram, pode ser substituída por outra em que reina o caos, a intimidação das máfias ou, nos piores casos, o terror dos senhores da guerra.
Perante este cenário, há sempre um ideólogo de serviço que nos afirma que se provou, mais uma vez, que a liberdade e o mercado não resolveram problema algum, apenas os vieram agravar. Esta análise, demasiado simplista mas eficaz, contém em si dois erros. O mais óbvio é que não ficou nada provado que a liberdade e o mercado falharam, simplesmente porque nem sequer chegaram a ser testados. Mas o menos óbvio e mais grave é que se esconderam as verdadeiras razões do falhanço. O que falhou foi mais uma tentativa de planeamento centralista. Na verdade, a “transição para a liberdade” não foi a primeira acção do novo regime mas sim a última acção do antigo, mesmo que os protagonistas tenham mudado. E o que falha no concreto é ainda o antigo regime porque, na prática ele não foi eliminado numa miríade de aspectos. Ou seja, a sociedade ainda tem uma vivência totalitária mas pensa estar a experimentar a liberdade.
Isto dá-nos uma pista sobre como poderá ser implementada uma transição melhor sucedida. Ela terá de ocorrer organicamente, nos vários aspectos da vida, por mais insignificantes que possam parecer a quem vive em democracia. Nas suas inevitáveis decadências, as ditaduras cometem o “erro” de ceder alguma liberdade económica, o que lhes pode ditar o seu fim a prazo. O regime terá tendência em achar que esta cedência não é significativa, porque mantém controlo sobre as liberdades políticas, enquanto tem a vantagem de se livrar do fardo do planeamento, que nunca se revelou eficaz e começava a colocar o sistema em risco. O erro desta análise é não perceber que grande parte do que os indivíduos fazem são interacções económicas. Lentamente, os indivíduos irão acumular mais poder, informação e ambição. A verdade é que as pessoas, desta forma, já provaram um pouco do sabor da liberdade e vão querer mais.
A forma como este processo se desencadeia, o tempo que dura, o tipo de progressão, depende muito de caso para caso. Mas nesta situação, quando se dá a transição política para a liberdade, ela ocorre de forma mais natural. A sociedade já aprendeu, em grande parte, a viver em liberdade, porque não depende em tudo do Estado. Haverá ainda muitos vícios por eliminar e as intromissões na vida privada serão muitas, mas as condições essenciais estão criadas.
Pensemos também nas situações opostas, em que se tenta instituir uma ditadura. É muito significativo que uma das primeiras medidas que se toma seja precisamente a nacionalização de empresas ou, mantendo-as privadas, subjugá-las totalmente ao novo poder político. O resultado é uma limitação de opções disponíveis e uma descida do nível de vida. O regime promete resolver as dificuldades que ele próprio criou, pedindo um reforço de poderes. Os mandatos passam a ter maior duração, a constituição é alterada, os poderes presidenciais aumentam, a informação passa a ser controlada. E o resultado passa por uma agravação ainda maior da situação. Mas o regime não desarma e lança culpas aos inimigos internos e os externos (imperialistas) e promete a solução com um controlo ainda mais apertado. Esta última cedência, por desespero, é o último passo na criação do Estado totalitário, que cria em si instituições de auto-preservação prontas para se manterem durante décadas independentemente de quem as dirige.
MC
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