sexta-feira, agosto 04, 2006

Fidel é eterno

No livro “1984”, de George Orwell, uma ditadura controla a vida dos indivíduos ao ínfimo pormenor. Nunca chegamos a saber se a figura de referência, o Grande Líder, existe de facto. Em Cuba, neste momento, El Comandante passa a ter um estatuto diáfano semelhante. Pode até já nem estar vivo, mas se as coisas forem bem feitas isso nem terá muita importância. Quem associa a duração do regime cubano essencialmente ao Carisma de Fidel Castro, agora poderá temer que tudo se desmorone com a liderança, presumivelmente fraca, do seu irmão. A minha sugestão é simples, tornar Fidel eterno. Cada vez que o seu irmão Raul falar em público, por trás estará uma imagem gigantesca d’ El Comandante. Raul Castro nunca irá discursar em seu próprio nome, irá falar sempre em nome da revolução e do irmão Fidel. Mil e uma notícias serão espalhadas, afirmando que El Comandante está a melhorar e irá regressar em breve. Cuba terá o seu D. Sebastião.

Alguns jornalistas perguntam nas ruas de Havana o que o povo pensa do estado de Fidel Castro. É curioso que não coloquem em dúvida a autenticidade das declarações de pesar e esperança que ouvem. Não que os cubanos sejam falsos por natureza, mas o medo de represálias que o povo sente, devia levar os senhores jornalistas, sempre tão prontos a dar a sua interpretação dos factos, a serem neste caso um nadinha mais opinativos. Ainda assim admito que os cubanos tenham essencialmente duas posições. Uma é a de fugir da ilha para Miami a todo o custo e a outra é a de acreditar ainda na revolução. Várias explicações encontro para esta segunda atitude.

Preferir a revolução à liberdade, paradoxalmente, é privilegiar a estabilidade à mudança. A liberdade tem sempre um elemento de risco imprevisível associado. Em ditadura esse risco costuma ser bem conhecido, uma facto consumado com o qual se aprende a viver. Além disso, não existem só duas hipóteses, a ditadura presente ou a liberdade futura. Há ainda o receio de que, ao tentar ganhar a liberdade, a manobra falhe e se passe para uma ditadura bem pior. Mas mesmo quando há algum entusiasmo inicial pela liberdade, aparecem depois as dificuldades que fazem querer voltar ao passado. Há ainda uma quarta hipótese, fictícia, que advém da longa propaganda do regime, que alude ao passado, que poucos ainda se conseguem lembrar com clareza. A estratégia do regime é simples, esconder a hipótese da liberdade e dar apenas a alternativa actual e uma outra monstruosa.

Mas a questão de aprender a viver em liberdade é muito antiga, estando já descrita na Bíblia, quando o povo de Israel livra-se da escravidão que vivia no Egipto e a cada dificuldade clama novamente pela segurança do cativeiro. Inicialmente guiados apenas pelo profeta Moisés, o passo seguinte é descentralizar, com o objectivo final de cada um ganhar a sua própria liberdade. O processo é incerto e mesmo a liberdade consumada é frágil. As enormes vantagens que advém da liberdade são, ainda, facilmente esquecidas. É fácil cair na ilusão de que a multiplicação de alternativas e a geração de mais bens de todo o tipo é uma emanação do Estado. As pessoas não se apercebem que são elas mesmas, ao interagir umas com as outras, que criam as vantagens de viver em sociedade.

MC
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