sexta-feira, julho 28, 2006

A génese do holocausto

Depois do final da Segunda Guerra mundial, aparentemente havia muito menos alemães simpatizantes do regime nazi do que aqueles que se poderíamos supor vendo filmes de propaganda ou mesmo em outras imagens mais isentas da época. A hipótese cínica diz que o alemão médio, por vergonha ou oportunismo, optou por simular afastamento do regime nazi quando ainda continuava apegado a ele sentimentalmente. A hipótese ingénua defende, antes, que o povo alemão foi ludibriado. Numa situação difícil não conseguiu resistir ao canto da sereia de uma máquina de propaganda terrivelmente eficaz. Esta hipótese sustenta ainda que os verdadeiros horrores do regime eram desconhecidos das massas e talvez o próprio Hitler desconhecesse a existência dos campos de extermínio.

Uma terceira hipótese surge-me ao observar um fenómeno semelhante que vem se intensificando nos últimos anos. Falo do anti-americanismo e anti-semitismo que têm crescido em força na Europa nos últimos anos e se têm tornado fenómenos de massas. Penso que estes fenómenos em outras paragens têm características diferentes e não os abordarei aqui. Em primeiro lugar, quero assinalar que não acho muito relevante saber se os EUA e Israel têm feito por merecer os ódios que lhes têm sido dirigidos. É uma questão traiçoeira e que tem servido de artimanha para evitar que se avalie a situação com objectividade logo à partida. Há aqui mesmo uma falácia que tem passado despercebida. Porque quem alberga o ódio em si é o principal responsável por isso. E o que me parece relevante é tentar perceber a razão de escolher o ódio quando existiam outras alternativas.

Um segundo ponto prende-se com uma clarificação do que é isso de anti-americanismo e anti-semitismo. A versão pura, seguida por poucos, não depende do decorrer da história. É um ódio ideológico, motivado por um confronto entre posições de princípio inconciliáveis. Os EUA vão ser odiados antes de Bush e quando ele se for embora nada se irá alterar. Não é um ódio pelo desconhecido e o anti-americano puro pode até conhecer bastante sobre o seu inimigo. O que o motiva é a defesa dogmática das suas ideias (como a propriedade privada ser um roubo, a troca não trazer benefícios mútuos mas apenas permite a exploração do homem pelo homem, as liberdades individuais devem submeter-se às liberdades positivas impostas centralmente pelos “justos”, etc.) e o modelo americano é odiado por encarnar a oposição a tudo isto.

Mas o grosso do fenómeno é composto por aquilo a que convenientemente se chama de idiotas úteis, um imenso coro anárquico de indivíduos com fraca preparação ideológica mas com uma imensa capacidade de reacção e adesão a causas excitantes. O que estes indivíduos descobriram é que o ódio é uma terapia de efeitos rápidos e aparentemente eficazes para a cura de estados urbano-depressivos. O que mais impressiona neste indivíduos é o esforço que fazem para manterem o desconhecimento sobre a realidade. O motivo é simples, depois de terem descoberto uma causa que lhes dá algum sentido para as suas vidas, apavoram-se com a possibilidade de tudo ser apenas uma ilusão.

Pensemos na invasão do Iraque. O coro anti-americano não se limitou a não querer ouvir as razões a favor da invasão. O coro também não pegou na argumentação contra a invasão que alguns indivíduos sérios lançaram. Preferiram uma amálgama de ideias desconexas ou contraditórias, em crescendos espasmódicos que criam um clima de esquizofrenia que limita à partida qualquer hipótese de racionalidade. Trata-se de uma resistência activa à inteligência muito útil porque o clima de racionalidade pode levar a fins imprevisíveis. Há também algumas muletas que a estupidez foi coleccionando ao longo dos tempos, como a utilização de posições de princípio moralistas que dão a ilusão de se sobreporem aos factos, mas em geral as artimanhas da estupidez são bem menos refinadas.

Sendo assim, a terceira hipótese, que nem é nem cínica nem ingénua, defende que a adesão das massas a uma causa odiosa é uma troca. As massas dão ao regime o poder que este necessita e este devolve um enquadramento sentimental e conceptual com efeitos terapêuticos. Este mecanismo de dopagem social necessita sempre de renovar as suas doses e se possível aumentá-las. Por isso, muitos anti-americanos mostraram-se muito nervosos ao perceber que os EUA não iam invadir o Irão. E agora muitos acham pouco atacar apenas Israel e tentam de qualquer maneira meter os EUA nisto porque é uma droga com mais punch.
MC
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