sexta-feira, junho 30, 2006

Os inimigos da liberdade

Um manual brasileiro de biologia dá um alerta, os restaurantes a peso são piores que os outros. Como costumo almoçar num restaurante a peso, fiquei intrigado. Afinal, o perigo está na liberdade que estes restaurantes têm, porque as pessoas podem escolher o que quisessem e assim correm o risco de ter uma dieta desequilibrada. Curiosamente, penso que esta liberdade possibilita exactamente o contrário, reduzindo drasticamente o consumo de carne e fritos. Mas menciono este exemplo apenas para mostrar a naturalidade com que actualmente a liberdade é vista como uma coisa má.

É uma inevitabilidade haver decisões para tomar. Por isso, quando os indivíduos são impedidos de tomar algumas decisões, alguém terá de as tomar por ele. Por isso, quem é contra a liberdade individual está forçosamente a concentrar decisões em outro local, no Estado, por exemplo. E um Estado que acumule decisões é apenas uma forma de dizer que acumula poder e controlo sobre os cidadãos. Por isso, ser contra a liberdade é promover o totalitarismo.

Além disso, o indivíduo que não tem de tomar decisões também não pode ser responsável. Por isso, outra consequência de ser contra a liberdade individual é a fomentação da irresponsabilidade. A conjunção destes dois efeitos é dramática. Um Estado com cada vez mais poder tem de lidar com indivíduos cada vez mais irresponsáveis. A solução que parece óbvia é concentrar ainda mais poder para que os cidadãos possam ser domados. E para quem ocupa o poder, a História tem mostrado que esta solução consegue fornecer alguma estabilidade. O indivíduo que nunca foi livre nem sabe o que anda a perder. Descarrega as suas frustrações nos colegas, vizinhos, alegra-se com as desgraças alheias e ama quem o oprime.

A maior parte dos intelectuais parece desconhecer como se chega a estas situações. Pensam que mais liberdade não irá resolver nada. E talvez tenham alguma razão, mas a culpa não é da liberdade. Muitos fenómenos sociais e económicos possuem histerese. Considere-se um caso de monopólio estatal. Abolido o monopólio estatal, os críticos da liberdade afirmam que não se melhorou, ou porque apareceram 3 ou 4 empresas medíocres ou porque se sucedeu um monopólio de uma empresa privada. E com isto pensam que se provou que a liberdade não funciona.

Acontece que não se pode passar de uma situação de monopólio para outra de autêntica liberdade de um momento para outro. As pessoas que antes geriam o monopólio não deixaram de existir e têm toda uma série de contactos e conhecimentos que lhes permitem reconstruir o monopólio de outra forma. Por outro lado, as pessoas também têm de aprender a viver em liberdade e de assumirem responsabilidades. Veja-se o caso das farmácias, as pessoas ainda não aprenderam a ir comprar nos sítios mais baratos. Ou será que não é bem assim? Uma pessoa pode comprar uma aspirina mais cara numa estação de serviço (se é que se vendem lá) mas ainda assim pode achar que ficou a ganhar, porque poupou tempo, por exemplo. E talvez tenha comprado o medicamento mais caro mas como também comprou outras coisas teve um desconto qualquer. Os inimigos da liberdade acham sempre que sabem o que é melhor para os outros. O seu mundo rejeita a complexidade, não há dilemas nem escolhas difíceis.
MC
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