sexta-feira, julho 07, 2006

Marx vai votar

Interrogo-me em quem votaria Karl Marx se fosse vivo e estivesse recenseado em Portugal, digamos que no concelho do Seixal. Não é preciso pensar muito para ter a forte convicção que a cruzinha iria para o Bloco de Esquerda (BE). Porque não para o Partido Comunista Português (PCP)? Os motivos são vários. Marx criticava os filósofos, imagine-se, por estes tentarem compreender o mundo quando o que interessava era transformá-lo. Daqui nasceu o fermento ideológico que levou os regimes socialistas estarem sempre em revolução permanente (normalmente em forma de purgas e projectos desastrosos em nome do bem comum).

Contudo, Marx, um populista da Revolução Industrial, achava inconsequentes as acções dos trabalhadores que, caindo no desemprego, invadiam fábricas e destruíam as máquinas. Teve a lucidez de perceber que o tempo não voltava para trás, de nada servia a destruição das máquinas porque outros as voltariam a construir. Por isso, Marx teve a flexibilidade de se adaptar aos tempos e propor a união de todos os trabalhadores como forma de contrariar a “exploração capitalista”. É inegável que as ideias de Marx foram das mais influentes na História da Humanidade.

Posto isto, Marx nunca poderia votar no PCP, um partido ultra-conservador que insiste em não se adaptar aos tempos modernos. Veja-se a questão da globalização, a posição dos comunistas portugueses é de rejeitá-la como se não existisse. Já o bloco tem uma posição bem mais inteligente, percebendo a inevitabilidade da globalização, aceita-a mas opta por propor um modelo diferente, a alter-globalização, A vacuidade das propostas bloquistas não lhes reduz a eficácia comunicacional, porque consegue ao mesmo tempo capitalizar o ódio e inveja dos urbano-depressivos, mas também atrair algumas almas bem intencionadas que ainda não compreenderam alguns efeitos contra-intuitivos mas bem reais da “economia global”.

A falta de flexibilidade dos comunistas começa na própria linguagem, que pouco evoluiu desde o século XIX. Repare-se como a “esquerda moderna” consegue criar palavras novas e reinventar uma linguagem ideológica que quase parece senso comum. É a própria linguagem arcaica do PCP que denuncia o seu conservadorismo. Não sei se os próprios comunistas se aperceberam da altura em que trocaram a revolução pelo poder que tinham alcançado. A revolução dos cravos, não conseguindo impor uma ditadura comunista, ainda assim deu a possibilidade ao PCP fazer actuar a sua mão visível. Foi a constituição rumo ao socialismo, que ainda permanece ideológica em muitos pontos, foi o poder sindical, foi o domínio nas universidades, foi o poder autárquico, foram as nacionalizações e também o domínio dos meios de comunicação social. De todos estes poderes, foi nos media que os comunistas mais perderam e o PCP tornou-se um patinho feio (com Jerónimo as coisas melhoram um pouco), enquanto a esquerda moderna (alternadamente o BE ou o PS) domina a seu bel-prazer.

Marx nunca votaria nestes comunistas, que se agarram ferozmente a cada cadáver do passado e há muito desistiram de propor uma real transformação da sociedade. Obviamente que se Marx fosse vivo o PCP não seria o que é hoje, mas trata-se apenas de um exercício de imaginação com algumas variáveis suprimidas. Alguns estrategas a nível mundial acharam que a melhor forma de lidar com o comunismo era promover a “esquerda moderna”, da qual o BE é um bom exemplo. Não perceberam que foi a própria actuação dos comunistas ortodoxos que os tem conduzido à lenta extinção, e os verdadeiros comunistas dos tempos de hoje são aqueles que se recusam a usar este nome (já alguém viu pessoal do bloco a dizer-se comunista?). Ou seja, para combater o comunismo apoiou-se toda uma série de esquerdas folclóricas que na prática são verdadeiro expoente do actual marxismo. Como diz a antiga sabedoria portuguesa, o grande truque do Diabo é fazer-nos crer que não existe.
MC
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