Scolariedade e outros devaneios
Uma onda de irracionalidade varreu o país antes do mundial de futebol. Por um lado, o “povo” e alguns entusiastas com influência nos media criaram a fábula da inevitabilidade de Portugal sair vencedor do campeonato. No lado oposto estavam os opositores de Scolari, e chegou-se a falar em reunir assinaturas para remover o homem do cargo, devido à sua falta de cultura democrática e mais um sem número de despautérios de que lhe acusaram.
Agora que começou o mundial, penso que o entusiasmo foi realisticamente refreado. A maioria dos comentadores abalizados não coloca Portugal no lote dos favoritos, esperando apenas que se faça boa figura. O entusiasmo dos populares é agora apenas o normal para algum álcool à mistura.
Contudo, em relação à contestação a Scolari ainda não se desceu ao nível do razoável e pressente-se um grupo de abutres à espera do desaire. A vitória sobre Angola por 1-0 já foi sentida por alguns como uma quase derrota, esperando-se muito mais da equipa. Agora só alguém muito desatento para achar que é fácil no futebol de hoje, no final de uma época desgastante, fazer jogos deslumbrantes e conseguir goleadas facilmente. Deslumbraram o Brasil, a Argentina, a França, a Suécia ou a Itália? E há várias razões para o deslumbramento ser cada vez mais difícil.
O futebol é um jogo cujas principais regras estão fixas há muito tempo. Desta forma, estão já catalogadas quase todas as hipóteses que podem acontecer num campo de futebol, o que torna o trabalho defensivo mais fácil. Os meios técnicos hoje ao dispor possibilitam aos treinadores transmitir de forma mais fácil e rápida certas informações aos jogadores, que conhecem à lupa a equipa adversária. Os próprios métodos de treino evoluíram bastante em toda a parte, pelo que não há equipas que possam estar numa forma física muito superiores às restantes. Estas coisas conjugadas fazem com que já não existam equipas fáceis e os erros graves são cada vez mais raros.
Outra razão que vai contra o deslumbramento é a altura em que se realiza o mundial, depois de épocas desgastantes, como já referi. Muitos jogadores mostram falta de frescura, não só física mas também mental. A própria estratégia das equipas nos dias de hoje vai contra o deslumbramento, apostando-se nas tácticas mais seguras e na contenção para evitar riscos. Dito de outra forma, hoje em dia nas competições importantes todos jogam como a Itália.
Ainda outro motivo para a diminuição do entusiasmo dos jogos de futebol tem a ver com a relação com a exploração das regras do jogo e da passividade dos árbitros. Não me refiro às tentativas de ludibriar o árbitro ou a arbitragem tendenciosas, que são coisas lamentáveis, mas que sempre aconteceram. Penso antes na forma como se recorre à falta como parte essencial da táctica da equipa. A generalização das faltas cirúrgicas que cortam jogadas de contra-ataque, ou de faltas sistemáticas sobre jogadores que se evidenciam, que são admitidas como naturais pela maior parte dos árbitros. Os sábios do futebol aconselham os árbitros a não estragarem o espectáculo, sobretudo a não mostrar o segundo cartão amarelo. Esquecem duas coisas fundamentais. Quem estragou o jogo não foi o árbitro mas sim o jogador que cometeu as faltas. Depois, se o árbitro limita a sua actuação daí resulta um estímulo à infracção. Ou seja, a actuação débil dos árbitros acaba por estragar os jogos por omissão sob pretexto de não os estragar pela aplicação legítima das leis do jogo que todos conhecem e deviam respeitar.
As orientações “superiores” neste mundial de futebol vão no sentido de conferir mais autoridade ao árbitro. Apesar de positivo, penso estar mais que na altura de mudar algumas regras do jogo. Bem sei que as estruturas rígidas dos organismos do futebol não irão por aí, mas mesmo assim darei aqui a minha humilde contribuição. A primeira é que os jogos deviam ser sempre 11 contra 11 e um jogador expulso devia ser substituído. Obviamente que para prevenir que isto se torne num estímulo à agressão física, o jogador devia ser seriamente punido com jogos de suspensão, em conformidade com a gravidade do seu acto. Podemos imaginar que uma equipa recorra a estratégias de sacrificar alguns “peões” que iriam lesionar jogadores importantes da equipa adversária. Contudo, em outros desportos onde existe regras destas não se viu nada disso. Mas podia-se prevenir esta esperteza com uma simples regra de punir logo toda a equipa, com retiragem de pontos na secretaria, por exemplo.
Outra regra que alteraria era a das substituições. Cada equipa devia poder levar mais jogadores para o banco e fazer as substituições que quisesse e quando assim o entendesse, desde que durante as paragens, obviamente. Podem dizer que o futebol não é como o basketball, onde a entrada e saída de jogadores não quebra o ritmo. Mas se fazer assim tantas substituições prejudica a equipa, como ninguém quer perder, não há motivos para temer esta nova regra porque ninguém a utilizaria. Isto certamente iria mudar muito o futebol e teriam-se que aprender muitas coisas quase do zero. No entanto, existiriam muitas vantagens. O jogo seria muito mais imprevisível devido à mobilidade em campo, e as receitas que os defesas levam decoradas para marcar os seus adversários perderiam grande parte da sua validade. A maior rotatividade também iria tornar as épocas menos desgastantes e iria dar oportunidades a mais jogadores de se evidenciarem. As equipas também teriam que ser mais versáteis para conseguirem acomodar rapidamente novos jogadores durante o jogo. Imagino que se isto fosse para a frente, de início a maior parte das equipas continuaria a jogar de forma tradicional, basicamente com o mesmo 11 de início ao fim. Mas à medida que aparecessem equipas que conseguissem interpretar bem esta nova regra, outras teriam que o fazer também, E o objectivo é mesmo esse, mudar as coisas, não no sentido revolucionário mas no sentido de salvar a essência da coisa.
Voltando agora ao mundo real. As equipas não são todas iguais e nem todas têm a mesma probabilidade de subir ao pódio. Obviamente que algumas têm valores individuais muito superiores, outras têm culturas tácticas impecáveis e há a questão do carácter, um aspecto um pouco difícil de colocar por palavras mas que se consegue intuir muito bem ao ver os jogos. Em muitas partidas as equipas parecem igualmente bem preparadas, encaixadas uma na outra e o resultado talhado para o empate. Mas por vezes uma delas, normalmente a que é teoricamente mais fraca, tem uma crise de confiança momentânea e sofre o golo fatal. De outras vezes é a equipa teoricamente mais forte que facilita e se desconcentra, deixando-se surpreender. Em ambas as situações é o carácter que falha e é também de carácter que se precisa para reagir à adversidade.
No final de mundial, ao traçar o percurso da equipa vencedora não se vai mostrar uma sequência de jogos deslumbrantes, nem evidenciar um jogador que sistematicamente fez a diferença, nem testemunhar uma superioridade constante e avassaladora. Antes, irá mostrar-se uma sequência de vitórias por resultados escassos, golos marcados aproveitando erros dos adversários ou em lances de bola parada e um pragmatismo que permitiu manter um rendimento constante, alicerçado numa defesa sólida e num ataque oportunista.
Agora, não culpem Scolari por o futebol ser assim. Ainda estou para perceber tanta acrimónia em relação ao seleccionador nacional por parte de alguns sectores. Fiquei um pouco estupefacto quando ouvi acusações de falta de cultura democrática. Será que estão a pedir que se façam votações por SMS para ajudar Scolari nas convocatórias? Acho que há umas pessoas equivocadas sobre o papel da democracia e utilizem certas palavras de forma meio aleatória porque sabem que o discurso vai parecer mais forte. Será Mourinho, o homem neste planeta que melhor domina os segredos do futebol, um democrata no plano do futebol, mesmo na sua relação com a comunicação social?
Aliás, esta é uma das características mais marcantes da actuação de Scolari, ter vincado muito bem o seu papel e aquilo que não iria delegar em outros. Parece que alguns têm saudades dos tempos recentes em que ninguém sabia muito bem quem “fazia a selecção”. Esta autoridade que Scolari chamou a si, e também expressa ao escolher jogadores que a ela se submetam, também é muito criticada. Qual era a alternativa? A falta de profissionalismo e a irresponsabilidade anterior?
Concedo que Scolari possa ter parte das culpas no processo. A rejeição de Vítor Baía naturalmente causaria alguns dissabores mas parece-me perfeitamente legítima. Algumas convocações de Scolari nos vários jogos, distanciamento em relação aos clubes e uma relação com os media algo brusca também podem não terão feito muitos amigos. Sem conhecer em profundidade todas as questões envolvidas e já tendo assistido a uma entrevista de Scolari num ambiente mais reservado, retirei dali alguns palpites sobre certas atitudes do técnico, também por ter percebido que o homem não é nada parvo e não faz as coisas apenas porque “lhe dá na cabeça”.
Os meus palpites são estes. Em geral Scolari tem um objecto fundamental de proteger os jogadores de pressões negativas em relação ao exterior (mas é um fervoroso adepto em relação a pressões positivas, como se viu no Euro 2004) e para isso não se importa que concentrem nele todos os ódios e frustrações que possam ocorrer. Por outro lado, Scolari tem um segundo objectivo que é o de proteger-se a ele e à equipa técnica de pressões positivas mas interessadas e daí algum distanciamento que proporciona e que invalidada tantos esquemas montados. Isto é algo que muitos portugueses deviam ter em conta, porque uma das pragas que devasta este país é o “nacional-porreirismo”, que protege todo o tipo de corruptos e medíocres.
Finalmente, sobre o futebol propriamente dito, mesmo preferindo aqui e acolá outras escolhas que as feitas por Scolari para este mundial, não tenho motivos sólidos para justificar que as minhas seriam melhores, para além de uma “fezada”, além de que os jogadores mais importantes estão presentes. Também não vi os críticos apresentarem justificações que me fizessem admitir que Scolari falhou claramente em alguma escolha, apesar de alguns falarem como se tivesse acontecido algum crime lesa pátria. Mais uma vez recordo o passado, quando durante anos a equipa portuguesa jogava sem um ponta-de-lança de raiz e o mais próximo que havia disso era o aguerrido (dentro e fora do campo) Sá Pinto.
Para finalizar, o que espero realisticamente, não emotivamente, é que Portugal fique entre os 8 primeiros. Com o grupo de jogadores que tem, vários deles jogando juntos há alguns anos e sob o mesmo comando técnico, se Portugal não ficar nos 8 primeiros é porque a equipa não teve carácter suficiente. Este objectivo ao ser falhado, não sendo demasiado ambicioso, penso que as principais culpas devem ser assumidas por Scolari. Por outro lado, se Portugal ficar dentro dos 3 primeiros lugares é um feito que também podemos agradecer em grande parte a Scolari e que penso que não podia ser obtido por muitos treinadores ocupando o mesmo posto. Obviamente que no futebol há sempre imponderáveis que podem acontecer, facilitando ou dificultando a obtenção de resultados, e assim aumentar ou diminuir os méritos de Scolari (e dos jogadores também). Não acontecendo nada de extraordinário no percurso da equipa portuguesa, penso que este esquema de avaliação é justo, para além de ter o mérito de não ter sido anunciado já depois dos resultados ocorrerem.
Se eu fosse uma equipa no mundial seria Portugal. É o que diz o questionário da rádio comercial. À boa maneira do futebol, direi que isso não é bom, nem mau, antes pelo contrário.
Agora que começou o mundial, penso que o entusiasmo foi realisticamente refreado. A maioria dos comentadores abalizados não coloca Portugal no lote dos favoritos, esperando apenas que se faça boa figura. O entusiasmo dos populares é agora apenas o normal para algum álcool à mistura.
Contudo, em relação à contestação a Scolari ainda não se desceu ao nível do razoável e pressente-se um grupo de abutres à espera do desaire. A vitória sobre Angola por 1-0 já foi sentida por alguns como uma quase derrota, esperando-se muito mais da equipa. Agora só alguém muito desatento para achar que é fácil no futebol de hoje, no final de uma época desgastante, fazer jogos deslumbrantes e conseguir goleadas facilmente. Deslumbraram o Brasil, a Argentina, a França, a Suécia ou a Itália? E há várias razões para o deslumbramento ser cada vez mais difícil.
O futebol é um jogo cujas principais regras estão fixas há muito tempo. Desta forma, estão já catalogadas quase todas as hipóteses que podem acontecer num campo de futebol, o que torna o trabalho defensivo mais fácil. Os meios técnicos hoje ao dispor possibilitam aos treinadores transmitir de forma mais fácil e rápida certas informações aos jogadores, que conhecem à lupa a equipa adversária. Os próprios métodos de treino evoluíram bastante em toda a parte, pelo que não há equipas que possam estar numa forma física muito superiores às restantes. Estas coisas conjugadas fazem com que já não existam equipas fáceis e os erros graves são cada vez mais raros.
Outra razão que vai contra o deslumbramento é a altura em que se realiza o mundial, depois de épocas desgastantes, como já referi. Muitos jogadores mostram falta de frescura, não só física mas também mental. A própria estratégia das equipas nos dias de hoje vai contra o deslumbramento, apostando-se nas tácticas mais seguras e na contenção para evitar riscos. Dito de outra forma, hoje em dia nas competições importantes todos jogam como a Itália.
Ainda outro motivo para a diminuição do entusiasmo dos jogos de futebol tem a ver com a relação com a exploração das regras do jogo e da passividade dos árbitros. Não me refiro às tentativas de ludibriar o árbitro ou a arbitragem tendenciosas, que são coisas lamentáveis, mas que sempre aconteceram. Penso antes na forma como se recorre à falta como parte essencial da táctica da equipa. A generalização das faltas cirúrgicas que cortam jogadas de contra-ataque, ou de faltas sistemáticas sobre jogadores que se evidenciam, que são admitidas como naturais pela maior parte dos árbitros. Os sábios do futebol aconselham os árbitros a não estragarem o espectáculo, sobretudo a não mostrar o segundo cartão amarelo. Esquecem duas coisas fundamentais. Quem estragou o jogo não foi o árbitro mas sim o jogador que cometeu as faltas. Depois, se o árbitro limita a sua actuação daí resulta um estímulo à infracção. Ou seja, a actuação débil dos árbitros acaba por estragar os jogos por omissão sob pretexto de não os estragar pela aplicação legítima das leis do jogo que todos conhecem e deviam respeitar.
As orientações “superiores” neste mundial de futebol vão no sentido de conferir mais autoridade ao árbitro. Apesar de positivo, penso estar mais que na altura de mudar algumas regras do jogo. Bem sei que as estruturas rígidas dos organismos do futebol não irão por aí, mas mesmo assim darei aqui a minha humilde contribuição. A primeira é que os jogos deviam ser sempre 11 contra 11 e um jogador expulso devia ser substituído. Obviamente que para prevenir que isto se torne num estímulo à agressão física, o jogador devia ser seriamente punido com jogos de suspensão, em conformidade com a gravidade do seu acto. Podemos imaginar que uma equipa recorra a estratégias de sacrificar alguns “peões” que iriam lesionar jogadores importantes da equipa adversária. Contudo, em outros desportos onde existe regras destas não se viu nada disso. Mas podia-se prevenir esta esperteza com uma simples regra de punir logo toda a equipa, com retiragem de pontos na secretaria, por exemplo.
Outra regra que alteraria era a das substituições. Cada equipa devia poder levar mais jogadores para o banco e fazer as substituições que quisesse e quando assim o entendesse, desde que durante as paragens, obviamente. Podem dizer que o futebol não é como o basketball, onde a entrada e saída de jogadores não quebra o ritmo. Mas se fazer assim tantas substituições prejudica a equipa, como ninguém quer perder, não há motivos para temer esta nova regra porque ninguém a utilizaria. Isto certamente iria mudar muito o futebol e teriam-se que aprender muitas coisas quase do zero. No entanto, existiriam muitas vantagens. O jogo seria muito mais imprevisível devido à mobilidade em campo, e as receitas que os defesas levam decoradas para marcar os seus adversários perderiam grande parte da sua validade. A maior rotatividade também iria tornar as épocas menos desgastantes e iria dar oportunidades a mais jogadores de se evidenciarem. As equipas também teriam que ser mais versáteis para conseguirem acomodar rapidamente novos jogadores durante o jogo. Imagino que se isto fosse para a frente, de início a maior parte das equipas continuaria a jogar de forma tradicional, basicamente com o mesmo 11 de início ao fim. Mas à medida que aparecessem equipas que conseguissem interpretar bem esta nova regra, outras teriam que o fazer também, E o objectivo é mesmo esse, mudar as coisas, não no sentido revolucionário mas no sentido de salvar a essência da coisa.
Voltando agora ao mundo real. As equipas não são todas iguais e nem todas têm a mesma probabilidade de subir ao pódio. Obviamente que algumas têm valores individuais muito superiores, outras têm culturas tácticas impecáveis e há a questão do carácter, um aspecto um pouco difícil de colocar por palavras mas que se consegue intuir muito bem ao ver os jogos. Em muitas partidas as equipas parecem igualmente bem preparadas, encaixadas uma na outra e o resultado talhado para o empate. Mas por vezes uma delas, normalmente a que é teoricamente mais fraca, tem uma crise de confiança momentânea e sofre o golo fatal. De outras vezes é a equipa teoricamente mais forte que facilita e se desconcentra, deixando-se surpreender. Em ambas as situações é o carácter que falha e é também de carácter que se precisa para reagir à adversidade.
No final de mundial, ao traçar o percurso da equipa vencedora não se vai mostrar uma sequência de jogos deslumbrantes, nem evidenciar um jogador que sistematicamente fez a diferença, nem testemunhar uma superioridade constante e avassaladora. Antes, irá mostrar-se uma sequência de vitórias por resultados escassos, golos marcados aproveitando erros dos adversários ou em lances de bola parada e um pragmatismo que permitiu manter um rendimento constante, alicerçado numa defesa sólida e num ataque oportunista.
Agora, não culpem Scolari por o futebol ser assim. Ainda estou para perceber tanta acrimónia em relação ao seleccionador nacional por parte de alguns sectores. Fiquei um pouco estupefacto quando ouvi acusações de falta de cultura democrática. Será que estão a pedir que se façam votações por SMS para ajudar Scolari nas convocatórias? Acho que há umas pessoas equivocadas sobre o papel da democracia e utilizem certas palavras de forma meio aleatória porque sabem que o discurso vai parecer mais forte. Será Mourinho, o homem neste planeta que melhor domina os segredos do futebol, um democrata no plano do futebol, mesmo na sua relação com a comunicação social?
Aliás, esta é uma das características mais marcantes da actuação de Scolari, ter vincado muito bem o seu papel e aquilo que não iria delegar em outros. Parece que alguns têm saudades dos tempos recentes em que ninguém sabia muito bem quem “fazia a selecção”. Esta autoridade que Scolari chamou a si, e também expressa ao escolher jogadores que a ela se submetam, também é muito criticada. Qual era a alternativa? A falta de profissionalismo e a irresponsabilidade anterior?
Concedo que Scolari possa ter parte das culpas no processo. A rejeição de Vítor Baía naturalmente causaria alguns dissabores mas parece-me perfeitamente legítima. Algumas convocações de Scolari nos vários jogos, distanciamento em relação aos clubes e uma relação com os media algo brusca também podem não terão feito muitos amigos. Sem conhecer em profundidade todas as questões envolvidas e já tendo assistido a uma entrevista de Scolari num ambiente mais reservado, retirei dali alguns palpites sobre certas atitudes do técnico, também por ter percebido que o homem não é nada parvo e não faz as coisas apenas porque “lhe dá na cabeça”.
Os meus palpites são estes. Em geral Scolari tem um objecto fundamental de proteger os jogadores de pressões negativas em relação ao exterior (mas é um fervoroso adepto em relação a pressões positivas, como se viu no Euro 2004) e para isso não se importa que concentrem nele todos os ódios e frustrações que possam ocorrer. Por outro lado, Scolari tem um segundo objectivo que é o de proteger-se a ele e à equipa técnica de pressões positivas mas interessadas e daí algum distanciamento que proporciona e que invalidada tantos esquemas montados. Isto é algo que muitos portugueses deviam ter em conta, porque uma das pragas que devasta este país é o “nacional-porreirismo”, que protege todo o tipo de corruptos e medíocres.
Finalmente, sobre o futebol propriamente dito, mesmo preferindo aqui e acolá outras escolhas que as feitas por Scolari para este mundial, não tenho motivos sólidos para justificar que as minhas seriam melhores, para além de uma “fezada”, além de que os jogadores mais importantes estão presentes. Também não vi os críticos apresentarem justificações que me fizessem admitir que Scolari falhou claramente em alguma escolha, apesar de alguns falarem como se tivesse acontecido algum crime lesa pátria. Mais uma vez recordo o passado, quando durante anos a equipa portuguesa jogava sem um ponta-de-lança de raiz e o mais próximo que havia disso era o aguerrido (dentro e fora do campo) Sá Pinto.
Para finalizar, o que espero realisticamente, não emotivamente, é que Portugal fique entre os 8 primeiros. Com o grupo de jogadores que tem, vários deles jogando juntos há alguns anos e sob o mesmo comando técnico, se Portugal não ficar nos 8 primeiros é porque a equipa não teve carácter suficiente. Este objectivo ao ser falhado, não sendo demasiado ambicioso, penso que as principais culpas devem ser assumidas por Scolari. Por outro lado, se Portugal ficar dentro dos 3 primeiros lugares é um feito que também podemos agradecer em grande parte a Scolari e que penso que não podia ser obtido por muitos treinadores ocupando o mesmo posto. Obviamente que no futebol há sempre imponderáveis que podem acontecer, facilitando ou dificultando a obtenção de resultados, e assim aumentar ou diminuir os méritos de Scolari (e dos jogadores também). Não acontecendo nada de extraordinário no percurso da equipa portuguesa, penso que este esquema de avaliação é justo, para além de ter o mérito de não ter sido anunciado já depois dos resultados ocorrerem.
Se eu fosse uma equipa no mundial seria Portugal. É o que diz o questionário da rádio comercial. À boa maneira do futebol, direi que isso não é bom, nem mau, antes pelo contrário.
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