quarta-feira, junho 14, 2006

Grevíssimo

A actividade sindical já não se preocupa em dar um ar de seriedade. Ainda me lembro vagamente dos tempos em que os sindicalistas falavam do bem comum e não colocavam a ênfase apenas nos direitos dos seus associados. Pode-se pensar que estamos bem melhor porque nos livramos da hipocrisia, mas as coisas não são assim tão simples. Admitindo que é legítima a defesa dos direitos dos “trabalhadores”, há que perceber que há uma fronteira para lá da qual onde reinam a chantagem e onde todos vão ser prejudicados em benefícios de alguns.

E depois há situações caricatas como a vivida na fábrica da Opel da Azambuja. A fábrica em risco de fechar devido a custos de produtividade e a resposta é greve. É como se dissessem: «Acham que somos poucos produtivos? Vão ver que ainda conseguimos fazer pior.»

Começa tudo com uma filosofia destrutiva, baseada no antagonismo. Boa parte dos sindicatos ainda vê o mundo a preto e branco, colocando num lado os patrões e os capitalistas cruéis, sempre ávidos de lucro (coisa horrível) e sempre prontos à exploração, e de outro lado estão os trabalhadores, verdadeira fonte da criação de riqueza (se assim fosse, teriam a liberdade para se tornarem patrões), imaculados e eternas vítimas. A partir desta concepção deturpada das relações sociais, os sindicatos acham-se no direito de julgar, acusar, exigir tudo e negar qualquer tipo de responsabilidade. Slogans como “a luta continua!”, usados abundantemente, mostram bem qual é a mentalidade reinante.

Uma actividade sindical séria deveria tentar compatibilizar os interesses de quem emprega com os interesses de quem é empregado. Devia também perceber que nem sempre os interesses são antagónicos. No sector privado parece-me óbvio que a actividade sindical não deve colocar em risco a própria continuação do actividade de negócio. Mas isso acontece frequentemente, porque o sindicalista acha que tudo o que faz é culpa do patrão e por isso ele é que deve resolver o problema. Uma argumentação demagógica podia agora alegar que, por esta ordem de raciocínio, só faltava alegar que os sindicatos deviam ser associações de defesa dos patrões. Só mentes bastante reprimidas não reconhecem que existe um vasto campo de actuação disponível para os sindicatos dentro do plano racional. Não digo que se deva enfrentar o confronto, longe disso, nem que o confronto deve ser a última solução. Antes, defendo que o confronto não deve ser o princípio basilar a seguir cegamente, como acontece até aqui. Até porque quem reage da mesma fora a todas as situações nunca poderá vir-lhe ser reconhecida grande credibilidade.

Não só os sindicatos se recusam a tentar compreender as mudanças no mundo, como nunca reconheceram muitas das falácias sobre as quais basearam a sua actuação durante décadas, mas ainda para mais sentem que têm ainda margem de manobra para esticar a corda. As famosas greves de “fim-de-semana prolongado” são disso um exemplo óbvio. É obviamente uma boa táctica marcar greves para dias apetecíveis e assim conseguir altas taxas de adesão, “provando” assim a validade das razões que motivaram a greve. Mas que estratégia revela tal actuação a longo prazo? Na verdade, nenhuma. Mostra apenas irresponsabilidade e pouca vontade de trabalhar.

Especialmente grave é a acção sindical no sector público. Graves em termos internos e externos. Em termos externos começa a ser óbvio para muita gente que tudo o que é direito adquirido pelo funcionário público é ao mesmo tempo direito suprimido no contribuinte, que se vê privado de mais uma parcela dos seus recursos e, logo, da sua margem de manobra. Não que o funcionário pública não deva ter condições dignas de trabalho, mas é nesse sentido que trabalham os sindicatos? Se o fazem, claramente são mal sucedidos, o que nos conduz ao plano interno. Existe uma classe média relativamente bem paga no funcionalismo público, gozando de regalias e uma segurança sem para. Enquanto isso, os quadros de topo ganham abaixo do sector privado e os quadros juniores (em sentido lato, englobando todas as pessoas que se iniciam) vivem numa situação de quase humilhação. Por mais compaixão que queiram mostrar os sindicalistas, o acumular de direitos adquiridos para a sua classe média comodamente instalada provocou situações de inteira injustiça.

Mas mesmo assim poderíamos dizer que alguns, ao menos, ficaram satisfeitos com a acção sindical. Penso que não o deviam ficar. Os sindicatos optaram pela via fácil de obter um papel assinado que dá mais algum dinheiro, mais possibilidades de falta, mais férias. Contudo, que propostas construtivas deram para melhorar as reais condições de trabalho, para além deste frio materialismo? Os sindicatos que criticam a frieza dos números, pois foi apenas nesse campo que batalharam, criando um exército de desadaptados, pessoas que se sentem inúteis e que perderem a confiança de algum dia poderem fazer algo realmente produtivo. Os sindicatos acabam por ser mais um instrumento do estatismo, assim como os partidos políticos, que ao transferirem as responsabilidades das pessoas para uma entidade abstracta e supostamente omnisciente como o Estado, limitam-se a ser incubadoras de alienados.

MC
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