sexta-feira, março 16, 2007

A esquerda moderada

Dizem que há por aí uma esquerda moderada. Aliás, que moderada será toda a esquerda tirando algumas excepções. É tal como o Islão, são todos moderados até prova em contrário. Uma moderação levada ao extremo no que toca a criticar os seus radicais. A esquerda, bem melhor que o Islão, explica o aparente paradoxo: A esquerda é plural.

E a esquerda é plural porque admite vários tipos de antiamericanismo, vários graus de desconfiança sobre a economia de mercado, diversos níveis de apoio ao terrorismo e vários andamentos rumo ao totalitarismo. A esquerda é apenas una no que concerne a negar todos os objectivos anteriores, excepto os marxistas que ainda guardam em si alguma honestidade.

A esquerda que não se assume como marxista, a esquerda moderna, tem como objectivo tornar-nos óbvia a sua sabedoria. São apenas os espíritos pouco desenvolvidos, como este de quem aqui vos escreve, que não percebem as verdadeiras motivações da esquerda moderna. Esta esquerda não é antiamericana, é apenas contra os excessos americanos, contra o imperialismo e o unilateralismo. Também não é contra o mercado e a globalização, limita-se a ver as suas insuficiências e a sugerir formas de as corrigir. E claro que a esquerda não apoia o terrorismo, apenas tenta perceber as suas causas e a ter a humildade de reconhecer as culpas do ocidente. E alguma vez a esquerda poderia ser totalitária? Mais que ninguém, a esquerda é pela liberdade, que se concretiza num fruir de direitos alienáveis.

O que acima se expõe de forma irónica são jogos de palavras que raramente são confrontadas com um exigir de explicações. As supostas boas intenções tornam irrelevante o averiguar das consequências destas ideias. Mas a esquerda que se diz moderada tem a obrigação de repudiar da forma mais veemente os projectos de holocausto colectivo da esquerda radical. Como não o tem feito, o resultado é estarmos a viver num regime dominado por ideias extremistas e suicidas. Quando as ideias radicais são o padrão, as ideias moderadas passam a ser o extremo. Não temos uma esquerda moderada mas uma que o quer parecer e para isso obriga-se a extremar-se. A única esquerda moderada que existe é aquilo que se chama direita.

O ser humano é provido de intelecto e tem à sua disposição uma data de ferramentas de despiste de erros desenvolvidas ao longo de gerações. Consegue pegar em certas ideias e delas extrair consequências lógicas, inevitáveis se os pressupostos forem válidos, e também traçar vários cenários consoante as incertezas. Em relação às ideias de esquerda, este trabalho apenas ter sido feito por uma minoria residual e sem grande visibilidade. Ou seja, as linhas orientadoras para o nosso futuro não sofrem qualquer escrutínio da razão, apesar de ser algo relativamente fácil de fazer.

O sucesso da esquerda moderna passa por um processo subtil de exclusão de partes, em que ganha quem fica por último, mesmo sem ter dado provas da mínima validade. Acontece que este processo de exclusão de partes só funciona se: 1) o problema em questão tem solução; 2) O universo das soluções hipotéticas considerado contém em si a solução correcta 3) As hipóteses de solução são disjuntas entre si; 4) For possível provar de forma inequívoca que as soluções incorrectas são de facto erradas. E isto sem contar com a intervenção humana, que na prática apenas ainda distorce mais este processo através da mentira, da calúnia e da falsificação. Desta forma, quando todas as propostas alternativas forem sentidas como ímpias, a solução da esquerda moderna brilhará. A vitória da esquerda resulta de um processo de supressão do pensamento. E assim cumprem-se os desígnios de Marx.


MC

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