sexta-feira, fevereiro 23, 2007

O pretexto Salazar

Surpresa ou não, Salazar foi considerada por muitos portugueses como o maior de todos. Jaime Nogueira Pinto fez um documentário em defesa da personagem, que ainda não vi, e a consciência moral do país, ou seja, a extrema-esquerda, pediu censura. Para quem não sabe, a censura é como o terrorismo, desde que exercida pelos justos faz todo o sentido. E quem são os justos? São aqueles que defendem causas justas. E o que é uma causa justa? Para quem acredita numa causa ela nunca deixa de ser justa. Raciocínio circular? Pode ser, mas é extremamente útil. Para os intelectualmente limitados, o facto de conseguirem sempre argumentar dá-lhes uma enorme autoconfiança.

O raciocínio circular pode prolongar-se indefinidamente porque nunca sai do mesmo sítio. Mas há uma forma de abreviá-lo. Uma causa é justa porque se opõe a uma situação injusta. Por isso, encontrar uma causa justa, e na sua posse tudo se torna justificável, é apenas o trabalho de fazer crer que existe a luta contra uma ou várias injustiças. O ponto a realçar, pela sua genialidade e perspicácia do conhecimento da alma humana, é que uma injustiça é tudo aquilo que é sentido como tal. A sensação de injustiça pode ser provocada por uma demonstração tipo “A +B” mas é incomparavelmente mais eficaz quando é induzida. Uma injustiça pode ser até em relação a algo que nem existe, como um receio sobre o futuro ou pela recordação de um passado fantasiado.
O que custa à extrema-esquerda não é o branqueamento do salazarismo mas o simples facto de se começar a avaliar aquele período de forma descomplexada. Haver entusiastas do salazarismo até tem a sua utilidade para a esquerda, da mesma forma que a existência de comunistas era uma grande valia para o Estado Novo. Haver entusiastas do outro lado da barricada reforça a ideia da necessidade da luta contra a injustiça, por existirem inimigos reais e não apenas ideias abstractas. O pior que pode haver para uma causa é a suposta injustiça contra a qual se luta começar a ser vista de forma fria e ponderada. Dizer que o salazarismo tinha coisas boas e más, apresentar números, comparar situações concretas. Num contexto de confronto, o nível dos vencedores avalia-se pelo nível dos vencidos. A luta do bem contra o mal só tem interesse quando o mal é poderoso. Banalizar o salazarismo é banalizar a própria causa da esquerda e nada pode ser mais útil para nos libertar da chantagem sobre a qual vivemos.
MC

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