sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Notas finais sobre o referendo ao aborto (II)

O que vai acontecer depois do referendo é uma incógnita, qualquer que seja o resultado. É possível conceber uma vitória do “não” com uma despenalização da Assembleia da República. Pode também ocorrer uma vitória no “não” e a lei ficar como está mas, aos poucos, começar a ser interpretada de maneira mais lata, como se faz em Espanha. Justificar o aborto por razões psicológicas foi uma porta aberta já há vários anos, até agora não aproveitada, mas não se vê grandes razões para que não o seja. Não estou a dizer que o deva ou não ser, apenas que é uma possibilidade que mesmo muitos defensores do “não” já identificaram.

Por outro lado, uma vitória do “sim” também tem as suas incógnitas. O facto do PS não assumir claramente o que vai fazer com esse resultado (curiosamente Sócrates disse o que faria com o “não”) indicia que a intenção do governo é liberalizar e subsidiar o aborto. Contudo, penso que isto não é claro. Mesmo que muita gente no PS tenha esta intenção, e mais à esquerda nem se consegue conceber outra possibilidade, a incógnita está no Primeiro-ministro. Ninguém sabe muito bem o que pensa Sócrates mas o que sabemos é que, aquilo que é a sua vontade será aquilo que será feito. Acho que é muito provável que Sócrates queria apenas a despenalização do aborto e não mais que isso, mas até agora não o confessa para não criar confusão à esquerda.

O que há de comum em todos os cenários é que conduzem a uma facilitação do aborto. No limite, o cenário mais favorável para o “não” será ficar tudo como está, mas mesmo isso não é muito plausível se pensarmos que Badajoz está a duas horas de Lisboa. Não se viu nos últimos anos ninguém pedir uma maior protecção para o feto. Há quem defenda a diminuição do número de abortos por via racional, via planeamento familiar, conhecimento dos métodos contraceptivos, etc. O conhecimento é indispensável mas só por si vale pouco. Mulheres cultas e informadas evitarão o aborto de vão de escada mas só o evitarão em outras condições se valorizarem a vida desde a sua concepção. É muito mais cómodo tomar um medicamento abortivo de seis em seis meses do que ter cuidados diários com métodos contraceptivos.

Por isto tudo, penso que são é possível combater o aborto directamente, excepto numa sociedade totalitária. Numa sociedade livre só é possível fazê-lo através da interiorização de valores. Mas a vida em sociedade em relativa liberdade é algo recente, de uma enorme fragilidade e o próprio valor da liberdade é desprezado com frequência. Em grande parte, as sociedades livres são laboratórios onde as forças totalitárias vão impondo aos poucos e de forma aparentemente natural as suas ideias colectivistas e niilistas. São estas pessoas que são normalmente identificadas como os portadores dos valores da modernidade. É um cozer a lume brando, de início até parece agradável.
MC

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