sexta-feira, janeiro 19, 2007

Aborto e Referendo (VI)

Será relevante saber quando começa a vida humana? Foi dos assuntos mais falados no referendo anterior mas penso tratar-se de uma verdadeira infantilidade. Claro que para quem não aceita discutir a pena de morte é delicado falar em vida humana intra-uterina e ser “pró-escolha”. Não há ninguém no seu perfeito juízo que possa negar que depois da concepção já está em marcha um processo que levará à formação de um ser humano completo. Isto não implica que um aborto seja igualmente condenável ou desculpável tanto ao fim de uma semana como ao fim de 9 meses. A verdadeira diferença não está num suposto marco existencial onde passamos a seres humanos. Tentar determinar isso, para lá da concepção, é tentar descobrir os desígnios de Deus, da evolução, da Natureza ou do que quiserem, numa arrogância em não ver as limitações da mente humana. Contudo, o que se pode determinar é a partir de que altura o novo ser em formação já tem capacidade de sofrer. Imagino que essa capacidade não apareça toda de uma vez, nem faço ideia em que altura ocorre. Nem sequer adianto que deva ser o único factor a ter em conta para o (eventual) fixar o prazo para a IVG.

Existe um limite, que me parece óbvio, para o tempo máximo de gestação onde depois do qual nunca deveria ocorrer um aborto, salvaguardando eventuais situações excepcionais. Esse limite é aquele onde o desenvolvimento do novo ser já pode ser assegurado sem a exclusividade da mãe biológica. Esse limite será sempre essencialmente estabelecido pelo estado da tecnologia e ninguém saberá até quão perto da concepção poderá chegar. Repare-se que não foi dito que o limite será totalmente estabelecido por considerações tecnológicas, já que se poderá chegar a situações que levantem novos dilemas verdadeiramente existenciais, que hoje não conseguimos conceber.

Mas existem outros dilemas que se podem colocar muito mais brevemente. Mas fácil que transferir um feto para uma incubadora artificial poderá vir a ser a transferência para outro ventre feminino. A partir da altura em que tal operação é realizável, em termos de tempo de gestação, até que ponto é ético realizar um aborto sempre que exista uma mulher disponível em aceitar o feto? Levantar-se-iam toda uma série de questões. Por exemplo, teria sentido em falar de apenas uma mãe biológica? Em que condições a «mãe original» poderia reclamar de volta o feto, caso mudasse de opinião? Que direito tem uma «mãe biológica adoptiva» em abortar? E em fazer também ela uma transferência para uma «segunda mãe biológica»? Naturalmente estas coisas teriam que ser contratualizadas, já que não parece existir outra forma de responsabilizar quem quer que seja.

MC
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