sexta-feira, janeiro 19, 2007

Aborto e Referendo (V)

As decisões são facilitadas ou “complexadas” quando se lhe juntam alguns critérios éticos. Por exemplo, na situação exposta no final do post anterior (comparação entre os custos associados ao financiamento do aborto com outras alternativas, na área da saúde, que se poderiam realizar com o mesmo dinheiro), será legítimo comparar o aborto, quando não há perigo para a saúde física ou psicológica da mulher, com situações de verdadeira doença? A pergunta ainda poderia ser refinada distinguindo doenças que ocorrem por «fatalidade» e outras seriamente influenciadas pelo estilo de vida escolhido pela pessoa.

Contudo, a principal objecção ética à subsidiação do aborto está na implicação, indirecta mas bem real, de obrigar muitas pessoas a pagar o acto abortivo que lhes repugna profundamente. Não se trata de saber quanto é já que poderia ser só um cêntimo. Diga-se, em abono da verdade, que esta objecção não faz qualquer sentido para os indivíduos que têm uma concepção socialista da sociedade. Para estes, não só é natural a ingerência do estado em toda e qualquer actividade do ser humano, como a recolha de impostos de forma coerciva é apenas um corrigir de injustiças. Para estes, a única ética é a definida pelo estado, naturalmente quando dirigido por pessoas esclarecidas como eles e, de forma parcial, nas sociedades democráticas quando em prol de causas progressistas.

Ora, apresentar objecções a um socialista, especialmente se for marxista, é tarefa invariavelmente inconsequente, porque teríamos de previamente desmontar todo o seu universo conceptual, pedra por pedra. Já é mais insólito quando pessoas insuspeitas de simpatias socialistas apresentam argumentos do género: «Eu já sou obrigado a pagar tanta coisa que não gosto, então contribuir para o aborto não vai fazer qualquer diferença.» Este tipo de argumentação patética faz lembrar o “Perdido por um, perdido por mil” ou “A prazo estamos todos mortos”, que duvido que haja alguma intenção séria em pensar no assunto mas apenas excesso de adrenalina derivada ao confronto.

O último argumento de peso contra a subsidiação do aborto é que esta promove a irresponsabilidade. Até diria que este argumento nem pode ser verdade já que é impossível algo ser uma irresponsabilidade se é pago, total ou parcialmente, pelo estado. Tenha-se em conta que não é possível falar de responsabilidade em termos mais elementares que o próprio termo em si. A palavra tem uma conotação vazia para quem não tem o próprio sentido, diria mesmo a sensação física, da responsabilidade. E é precisamente esta ausência que leva algumas pessoas a lançar qualquer argumento que lhe venha a cabeça, como comparar o espermatozóide ao embrião.
MC
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