domingo, setembro 05, 2004

Horror

Esta semana terminou com um desenlace trágico da crise dos reféns na Ossétia do Norte, com a morte de centenas de pessoas, grande parte das quais crianças. Escrever o que quer que seja depois de barbáries como esta, sentado no meu confortável sofá, envolve sempre um certo sentimento de falta de pudor, numa altura que devia ser de luto. Acabo talvez por escrever porque a revolta perante o que vejo é grande e preciso de a exteriorizar. Ou quem sabe me motivem razões mais egoístas, por sentir que o que aconteceu agora na Rússia, como antes o que aconteceu nos Estados Unidos ou em Espanha, pode acontecer em qualquer lado, pode acontecer aqui, pode-me acontecer a mim, aos meus pais, aos meus irmãos, aos meus amigos, ou um dia, se os tiver, aos meus filhos.

Há muitos anos que tenha a convicção que não se pode negociar com qualquer tipo de terrorismo. Muito antes do 11 de Setembro ou do 11 de Março. Esses ataques e agora este na Rússia apenas vieram reforçar e ampliar essa convicção. Quaisquer que sejam as causas ou por muito justas que sejam as motivações é inaceitável aceitar, menorizar, pactuar, transigir ou negociar com qualquer espécie de terroristas.

Não posso deixar de fazer uma referência à cobertura mediática da crise. Não posso deixar de mostrar algum incómodo pela forma como vi o trágico desenlace deste crime contra a humanidade, coberto nos segmentos televisivos e radiofónicos que acompanhei. Na TSF, RTP1, SIC e SIC Notícias (as que acompanhei) os comentários e análises jornalistas colocavam sempre o foco na forma como as forças de segurança russas falharam no evitar da tragédia e de como este massacre vem lembrar Putin de que não conseguiu resolver o problema da Chechénia. Não ponho em causa a razão de tais análises e não sou certamente apologista da forma como Putin lidou com a situação na Chechénia. Mas que estes comentários apareçam logo a seguir à descrição dos factos ou muitas vezes com as imagens do horror em fundo, quase que sugerindo que eram Putin ou as impreparadas forças os principais responsáveis pelo massacre. E os terroristas? Um grupo de algumas dezenas de “pessoas” (?), que armadilhou uma escola? Que a sequestrou com milhares no seu interior, matando logo a sangue frio vários reféns? Que durante dias não permitiu qualquer tipo de abastecimento, levando, segundo alguns relatos, a que crianças tivessem que se alimentar dos seus próprios dejectos para matar a sede? Que, depois do descontrolo se instalar, não tiveram dúvidas em atirar a matar sobre tudo o que se mexesse? Sobre estes, e sobre como devemos lidar com criaturas dispostas a isto, não ouvi uma palavra. Talvez seja a hora de ir ter com eles, compreendê-los, entender as suas razões, trazê-los para a mesa da razão e negociar...
JPE
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