sexta-feira, março 24, 2006

O canto da ETA e a direita imaginária

ETA OU UMA BALADA POR IVAN NUNES

No choque ideológico de quarta-feira, quase posso jurar, Ivan Nunes não evitou que os seus olhos brilhassem ao falar num suposto abandono da violência por parte da ETA. Confesso que tinha um certo preconceito contra tal senhor. Raramente li o seu blog, mas a sua postura inicial de espera no programa, enquanto o Carlos Abreu Amorim (CAA) falava, pareceu-me de uma arrogância, de quem diz para si mesmo «mas o que estou eu aqui a fazer, a espalhar a minha sapiência e superioridade a todos os níveis, para porcos que nunca saberão apreciar as minhas pérolas?» Pior que isso foi saber que o homem é sociólogo. Mas realmente repugnante foi quando Ivan Nunes deixou estalar o verniz e disse algo a CAA do género «você não é dono da memória das vítimas», por este se mostrar céptico em relação ao comunicado da ETA.

Eu que até conheço muita gente de esquerda, não me deixo enganar por poses de superioridade moral, porque sei bem o que eles dizem quando não estão à frente das câmaras. Falo da esquerda mais ideológica, que tem um profundo fascínio pela violência. Não uma violência qualquer, claro, mas a violência que soa a revolução, que se possa enquadrar na ideologia, talvez ser chamada de resistência, por exemplo. E a miríade de associações de extrema-esquerda que por aí pululam não hesitam a convidar etarras para dar palestras (obviamente que não se identificam oficialmente como tal, mas sim apenas como defensores de uma maior autonomia do Pais Basco), fazendo disso uma prova de virilidade revolucionária.

Há ainda quem se deixe enganar por achar que a esquerda é naturalmente confiante em relação à natureza humana e, por isso parecem acreditar tão facilmente nas loas de grupos terroristas. Pelo contrário, a esquerda ideológica (excluo a esquerda democrática, obviamente), no fundo, acredita sim na negritude da alma humana, porque só essa veia destrutiva possibilita as revoluções que almejam. A alegria que certa esquerda mostra no canto da ETA, é como uma desculpa. É como quem diz, vejam lá que estes rapazes no fim até fizeram uma boa acção e, por isso, aquele apoio implícito que lhes demos durante tantos anos até se justificou.


A CONSTRUÇÃO DA NOVA DIREITA

É mentira, para abreviar, mas vamos por partes. Anda por aí um movimento que anuncia uma nova direita para Portugal. Parece que vai ter contornos liberais, porque finalmente o país está mais receptivo a tais ideias. Mais que isso, os seus paladinos afirmam-nos que só a direita pode trazer liberalismo a Portugal. Daqui a afirmar que o liberalismo é propriedade da direita vai um passo. Em termos práticos, pensar que há matéria-prima na direita para esta empreitada parece-me ilusório. Umas quantas figurinhas menores, sem carisma e com a lição mal estudada, não me parecem que conseguirão grande coisa. Depois disso, o actual governo PS é mais liberal do que a oposição de direita.

Há também um problema de fundo. Apesar de em geral os governos de direita serem apologistas de um peso do Estado menor que aquele que defendem governos de esquerda, a diferença não é significativa. E são conhecidos inúmeros casos em que a esquerda diminui o Estado e a direita aumenta-o. Porque os grandes partidos da esquerda e da direita, para ganharem eleições e para terem o aparelho partidário satisfeito, fazem os seus programas de acordo com o sabor do vento e das conveniências. Aumentar ou diminuir o peso do Estado, aumentar ou diminuir impostos, aumentar ou diminuir o proteccionismo, aumentar ou diminuir a burocracia? Esquerda ou direita podem optar por ambas as opções, como vemos todos os dias.

O perigo para a causa liberal desta tentativa de rapto por uma certa direita não deve ser desprezado. Um projecto de “direita liberal” tem em meta a obtenção de poder e, implicitamente, a concessão de inúmeras práticas não liberais para obter esse mesmo poder. A ilusão de que o poder nas mãos dos “liberais” é bem conduzido não é muito diferente da ilusão dos comunistas que acham que o poder dos seus conduzirá a uma sociedade perfeita.
MC
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