segunda-feira, novembro 15, 2004

As minhas desilusões com a esquerda II

Não, não foi com o 11 de Setembro que os meus olhos se abriram para as questões internacionais. Foi muito antes, mas sempre com pouca informação disponível. Falarei dos caminhos errados. Ainda em estudante comprei os primeiros números em português do “Monde Diplomatique”. Tinha visto uma entrevista de Ignatio Ramonet de que tinha gostado. Como na altura a maior parte dos governos europeus eram de esquerda, as posições do jornalista pareciam-me razoáveis, por serem críticas.

Mas a minha ingenuidade aos poucos foi sendo dissipada. O que encontrava no “Monde Dipomatique” ia-me decepcionando. Pouco claros, repetitivos, tendenciosos. Todos os artigos pareciam ter umas quantas ideias comuns, todos alinhados pela mesma cartilha como se fosse uma obrigação. A minha formação académica e pessoal ensinava-me que não existia o preto ou o branco, que todas as decisões tinham consequências positivas e negativas. Tinha em mim um espírito aguçado (que agora me vai faltando) que topava ao longe falácias. O “Monde Diplomatique” não passou no meu exame, não podia acreditar em todos os fantasmas criados, nas explicações maquiavélicas, em pontos de vista tão retorcidos, sempre sem olhar para alternativas.

Depois sim, anos mais tarde, foi o 11 de Setembro. Ainda estava bem ensinado, e como tantos por este mundo fora, tinha na ponta da língua as expressões politicamente correctas, “Bush idiota”, “Bush criminoso”. Mas isso fazia-me sentir desconfortável, não só pelos insultos, que nunca foram o meu estilo, mas pelo desconhecimento. Afinal, o que sabia eu de Bush? Honestamente, disse para mim mesmo, que nada, excepto opiniões de quem não gostava dele e uns curtos segundos na TV. Percebi imediatamente que Bush seria uma das pessoas mais relevantes no panorama internacional, depois dos ataques. E a partir daí fui tentando descobrir mais coisas sobre Bush, sobre a América, esperançoso que se confirmasse que o homem era um idiota criminoso e os EUA uma desgraça.


Convém já esclarecer que nunca fui anti-americano. Tinha uma posição crítica em relação a várias actuações dos EUA no plano internacional (e ainda tenho), mas fazia um mínimo de contextualização. Além disso, se via as falhas dos EUA, não fechava os olhos aos crimes europeus, da Rússia, China, etc. Sabendo que as coisas muitas vezes sofrem de uma teia de relações, muitas vezes insuspeitas, que condicionam todo o tipo de decisões, e o que às vezes parece muitas vezes não é, e só parece porque a propaganda assim o fez parecer... o que me interessava era compreender, sobretudo, e não encontrar um inimigo para expiar traumas ou sentimentos de culpa, que felizmente não tenho. É certo que tinha um preconceito anti-Bush que gostava de justificar, mas a verdade acima de tudo.

MC
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