sexta-feira, janeiro 12, 2007

Notas sobre Guantánamo e Cavaco Silva na Índia

Ouvi na rádio uma senhora, membro de uma associação que pretensamente defende os direitos humanos (Amnistia Internacional?), pedir o encerramento imediato da prisão de Guantánamo. Não se percebe, com tantas prisões em Cuba, exigem logo que seja encerrada a que melhores condições oferece aos prisioneiros. E já agora, pediram a quem? A George W. Bush em pessoa? Dirigiram-se à embaixada americana? Pediram aos deuses? É óbvio que não esperam quaisquer resultados práticos nestas acções, a não ser algum protagonismo mediático e, eventualmente, conforto emocional, do género “Apesar de não ter servido de nada, eu pelo menos posso orgulhar-me de dizer que lutei contra aquela injustiça!”

Toda esta bravata de bater o pé aos poderosos advém, precisamente, da completa inconsequência em relação aos supostos fins. Soubessem estas pessoas que os seus pedidos seriam satisfeitos e teriam muito mais cuidado em os formular. Pelo pouco que sei, “Guantánamo” é um imbróglio jurídico que se pode pegar de várias formas. Mas há uma questão prática que todos fingem ignorar. A maior parte dos detidos nesta prisão são indivíduos muito perigosos que, se libertos, irão matar o mais que puderem. Aqueles que gostam de ter os louros pela defesa dos “direitos humanos”, estão dispostos a assumir as responsabilidades pelas consequências nefastas que daí possam advir? Se não estão e limitam-se a tentar ficar com a parte fácil da questão, também não merecem ser respeitados. Também não mereciam ser ouvidos mas infelizmente são os únicos que o são.

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Cavaco Silva está na Índia. Soube que há 15 anos que não era feita uma visita de estado a este país. Dizem que estas visitas são pouco mais que irrelevantes, mas se há uma local que merece destaque nesta altura é precisamente a Índia. Para a esmagadora maioria dos portugueses, Índia não faz lembrar mais que o caril, as chamuças e os “Qué Frô?”. É frequente aparecerem breves notícias na comunicação social falando do grande crescimento económico indiano, mas isso são coisas “economicistas” que os comentadores iluminados nos ensinam a ter aversão. Face a este estado de ignorância militante, junto com a apatia laboral lusa, a maior parte de nós não é capaz de conceber a dinâmica que hoje se vive na Índia, especialmente em zonas como Bangalore.

Alguns líderes de opinião tentam logo prevenir contra a ilusão do milagre indiano, alertando para os desequilíbrios sociais. Têm toda a razão, já que durante as décadas anteriores em que a Índia se regeu pelos modelos socialistas, a pobreza geral daí recorrente garantia uma saudável igualdade. Recomendo o livro “O Mundo é Plano – Uma História Breve do Século XXI”, de Thomas L. Friedman, que se pode encontrar em qualquer livraria. Trata-se sobretudo de informação factual, muita dela que ia surpreendendo o próprio autor, em que se pode ter uma ideia do que se vive actualmente nas potências emergentes como a Índia e a China.

Uma pequena história, reescrita aqui de memória, contraria um pouco a noção de que “A necessidade aguça o engenho”. Uma criança indiana passa na rua com o pai. Avistam no cimo do monte uma casa enorme. «Quando me tornar adulto hei-de ter uma casa como aquela», diz a criança. Se a mesma cena se passasse com uma família paquistanesa, a criança diria antes: «Quando crescer hei-de matar o dono daquela casa.» A sociedade europeia não corresponde a nenhum destes dois casos, mas receio que se encontre bem mais próximo do segundo. Não se admirem que daqui a 20 anos seja comum na Índia as empregadas de limpeza, os jardineiros e motoristas de táxi serem franceses, italianos e, com alguma sorte, portugueses.
MC
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