terça-feira, agosto 02, 2005

Projecto Abismo

Em Portugal há um braço de ferro entre a razão e a ilusão. Do lado da ilusão encontra-se o governo e a sua insistência nos projectos megalómanos, apresentando razões do género “porque sim”, “os outros também têm” ou ainda “no tempo do meu avô era assim que se fazia”. Do lado da razão está um grupo heterogéneo de pessoas (em termos de ideias) que apontam os múltiplos riscos de se avançar para estes projectos, sem a devida ponderação.

Penso ser um erro considerar este governo socialista uma nova versão do guterrismo. Há muitas semelhanças, sem dúvida, mas todos os governos deste país nos últimos anos têm sido semelhantes devido à forte inspiração de esquerda (mesmo os do PSD). Uma da justificações apresentadas para a OTA e para o TGV é semelhante à que foi dada pelos ministros de Guterres a propósito das SCUTS. Afirmam-nos, com toda a calma, que os maiores investimentos não serão feitos agora, os custos a sério só virão no futuro. Confesso que admiro a audácia daqueles que, mesmo em dificuldades, têm coragem de se meter em projectos que correm o risco de deitar tudo a perder. É óbvio que esta admiração está condicionada por quem arriscar o fazer com os seus próprios meios. Não é o que está em causa, quem arrisca está a fazê-lo com aquilo que não lhe pertence. Dirão que o PS tornou bem explícito no seu progrma eleitoral que iria avançar para estas obras. Certo e os portugueses viabilizaram esse programa sem qualquer margem para dúvidas, por isso serão co-responsáveis pelo que acontecer. Contudo, convém lembrar ao nosso primeiro-ministro, que embalou o país numa projecto de novas fronteiras de inpiração no presidente Kennedy uma ideia do mesmo: os políticos responsáveis são por vezes obrigados a governar contra os desejos do povo que o elegeu para que sejam tomadas as decisões mais acertadas.

Mas as diferenças em relação ao Guterrismo são outras. Não se re-edita uma governação irresponsável , que tinha um pendor errático, pró-diálogo, que optava quase sempre pelo não decidir para não ferir susceptibilidades. Aqui Sócrates marca bem a diferença. Tem um caracter autoritário, não está sempre a apelar ao diálogo. Mostra ainda ter convicções mais profundas, o que o torna mais perigoso. A muitos pode parecer que e Sócrates não é pessoa de convicções, colocado ao centro porque é aí que se ganham eleições. Isso será verdade se pensarmos no que é o centro em Portugal. O que por cá se chama centroá, significaria esquerda pura e dura (mas democrática) em qualquer outro país. É isso que Sócrates é, um democrata sem dúvida, mas com uma reduzida confiança na liberdade económica e que não hesitará a sacrificar essa mesma liberdade em troco de uma avultada protecção social.

A actuação deste governo não agradará a quase ninguém. A esquerda vê com desagrado algumas medidas de contenção, os liberais escandalizam-se por o despesismo anunciado (da direita não f alo porque não sei que isso é). Contudo penso ser mais elucidativo perceber qual a filosofia que está por detrás da actuação deste governo, aparentemente errática. Tudo fica mais claro se percebermos como classifica este governo o que é fundamental e o separa do acessório. Posto isto, as medidas de combate ao défice são consideradas acessórias, tomadas a contragosto por razões de sobrevivência a curto prazo. Não há qualquer orientação liberalizadora nesta actuação, apenas um contar/cortar de tostões para ganhar alguma folga. Porque o fundamental, na óptica socialista, é poder orientar a vida económica do país. Daí o empenho em levar por diante as grandes obras sem futuro e outros intervencionismos tipo Plano Tecnológico.
O PS talvez não esperasse uma contestação tão forte às grandes obras. Talvez acabem por ceder, especialmente no caso da OTA. Contudo, esta cedência será mais uma tranferência e o PS tentará intervir de outras formas. Até porque se não o fizer pode muito bem ser o PSD a fazê-lo quando tiver oportunidade.
MC
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